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domingo, setembro 29, 2024

As Flores do Mal - Charles Baudelaire - Traduzido por Eric Ponty - IPÊ das Letras - Portugal/Brasil


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Ao leitor
 A loucura e o erro, a mesquinhez e o pecado
 Possuem o nosso espírito e cansam a nossa carne.
 E como um animal de estimação alimentamos
do nosso remorso domesticado!

 Como os mendigos alimentam os seus piolhos.
 Os nossos pecados são teimosos, a nossa contrição é frouxa;
 Oferecemos generosamente os nossos votos de fé
 E voltamos de bom grado ao caminho da imundície,

 Pensando que as lágrimas más vão lavar as nossas manchas.
 No travesseiro do mal repousa o alquimista
 Satanás Três Vezes Grande, que embala a nossa alma cativa,
E todo o metal mais rico da nossa vontade

 É vaporizado pelas suas artes herméticas.
 Realmente o Diabo puxa todos os nossos cordelinhos!
 Nos objetos mais repugnantes encontramos encantos
Cada dia estamos um passo mais longe no Inferno,

 Contentes por abarcar o poço fedorento.
 Como um pobre libertino vai chupar e beijar
 A mama triste e atormentada de uma puta velha,
 Roubamos um furtivo prazer enquanto passamos,

 Uma laranja murcha que apertamos e apertamos.
 Perto, enxameando, como um milhão de vermes que se torcem,
Uma nação infernal revolta-se nos nossos cérebros,
 E, quando respiramos, a morte flui para os nossos pulmões,

 Uma corrente oculta de gritos afinados e lamentáveis.
 Se a matança, ou o fogo posto, o veneno, a violação
 Ainda não adornaram os nossos belos desenhos,
 A tela banal dos nossos tristes destinos,

É apenas porque o nosso espírito não tem coragem.
Mas entre os chacais, as panteras, os piolhos,
macacos, escorpiões, abutres, cobras,
Os monstros que gritam, uivam, rosnam e rastejam,

 na vil coleção dos nossos vícios,
 Há um mais feio, mais perverso, mais sujo!
 Embora ele não faça grandes gestos ou gritos,
 Ele teria prazer em transformar a terra em escombros

 E num bocejo engolir o mundo
Uma só criatura é mais imunda e falsa!
 Embora não faça grandes gestos, nem grandes gritos,
 Ele de bom grado devastaria a terra!

 E num só bocejo engolir todo o mundo;
 Ele é o Ennui! Com os olhos cheios de lágrimas ele sonha
 com andaimes, enquanto sopra o seu cachimbo de água.
 Leitor, tu também conheces este monstro delicado;
-Leitor hipócrita, companheiro, que a mim iguala!

Albatroz

Mui vezes, quando estão afinados, os marujos da equipagem
Apanham albatrozes, as grandes aves dos mares,
Suaves viajantes que acompanham no azul
Navios que deslizam nos mistérios do oceano.

 E quando os marinheiros os têm nas pranchas,
 Feridos e perturbados, estes reis de todos os exteriores
Deixam, com pesar, o seu rasto ao longo dos flancos
 As suas boas asas alvas, envolvendo feito remos inúteis.

Este viajante, como é cómico e fraco!
Outrora belo, como é indecoroso e inepto!
Um marinheiro enfia um cachimbo no bico,
Outro zomba do passo manco do aviador.

 O poeta é feito o príncipe das nuvens
 Que assombra a tempestade e ri do arqueiro;
 Exilado no chão entre as zombarias,
 As suas asas gigantes impedem-no de andar.

Correspondências

A natureza é um templo, onde os vivas colunas  
respiram, por vezes, uma fala confusa;
O homem caminha entre esses bosques de símbolos,
cada um que o consideram como uma coisa semelhante.

Como os longos ecos, sombrios, profundos,
 Ouvidos de longe, misturam-se numa unidade,
 Vasto como a noite, como a claridade do sol,
 Assim os perfumes, as cores, os sons podem corresponder.
 Odores há, frescos como a pele de um bebé,

Suaves como oboés, verdes que nem a erva dos prados.
-Outros corrompidos, ricos, triunfantes, plenos,
 Tendo dimensões infinitamente vastas,
 Incenso, almíscar, âmbar gris, benjamim,
 Cantando o arroubo dos sentidos e da alma.

IDEAL


 
Não serão estas belezas de vinhetas,
 Pobres produtos de um século sem valor,
 Pés em meias botas, dedos em castanholas,
 Que satisfazem o coração ansioso em mim.

 Esse poeta da clorose, Gavarni põe em versos
 Pode manter a tua trupe de rainhas doentias,
 Já que estas rosas pálidas não me deixam ver
 O meu ideal vermelho, a flor dos meus sonhos.

 Preciso de um coração abissal na sua profundidade,
 Uma alma confirmada no crime, Lady Macbeth,
 O sonho de Ésquilo, nascido da tempestade do sul,

 Ou tu, grande Noite, filha de Miguel Ângelo,
 Tranquilamente torcendo-se numa estranha pose
 Os teus apelos feitos das bocas dos Titãs!

Sou feito com o rei de um país chuvoso,
Rico mas sem poder, jovem mas muito velho,
que, desprezando os arcos dos teus tutores,
está amolado com os cães tais com outros animais.
Nada o pode animar, nem a caça nem o falcão,
Nem o teu povo a morrer em frente à varanda.
A balada grotesca do bobo favorito
Já não distrai a fronte deste cruel paciente;
O teu leito florido é decomposto num túmulo,
E os serviçais para quem todo príncipe é belo,
Já não acham uma casa de banho imodesta
Para tirar um instante deste jovem esqueleto.
O alquimista que o desmuda em ouro nunca foi capaz
De extrair o artifício corrompido do teu ser,
E nos banhos de sangue que nos chegaram dos romanos,
e que os poderosos recordam na tua velhice,
Ele não conseguiu aquecer este cadáver atordoado
Onde em vez de sangue vê a água verde do Letes.


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