De uma família fidalga, a infância de Quevedo passou-se na Corte, onde os pais desempenhavam altos cargos. O pai, Francisco Gómez de Quevedo, era secretário da princesa Maria, esposa de Maximiliano da Alemanha, e sua mãe, María de Santibáñez, era camareira da rainha. Rapaz ainda, sobredotado intelectualmente, mas de pés disformes, coxo de uma perna, gordo e curto de vista, tornou-se órfão aos seis anos de idade, refugiando-se nos livros que consultava no Colégio Imperial dos Jesuítas de Madrid. Em 1596 frequentou a Universidade de Alcalá de Henares. Aproveitou para aprofundar os seus conhecimentos em vários ramos, como em filosofia, línguas clássicas, árabe, hebreu, francês e italiano.
Tendo a Corte voltado a Madrid, Quevedo regressa em 1606 e reside aí até 1611, onde trabalhará no ofício das letras, ganhando a amizade de Félix Lope de Vega (que o elogia por diversas vezes nos seus livros de Rimas; assim como Quevedo faz críticas igualmente elogiosas às suas Rimas humanas y divinas de Tomé Burguillos, seu heterónimo) e de Miguel de Cervantes (que o louva em Viaje del Parnaso; correspondendo-lhe Quevedo com os elogiosos comentários de Perinola), que o acompanhava na Confraria dos escravos do Santíssimo Sacramento.
Em 1639, depois de um memorial que apareceu debaixo do guardanapo do rei, Sacra, católica, cesárea, real Majestad..., onde era denunciada a política do Conde Duque, foi detido, confiscaram-lhe os livros e é levado para o convento de São Marcos de Leão. Depois de libertado desta prisão vergonhosa, retira-se para a Torre de Juan Abad. Será na sua vizinhança, no convento dos padres Dominicanos de Villanueva de los Infantes, que morrerá, a 8 de Setembro de 1645.
a tecer a Felipe invicto e o santo
me presume do bronze que lhe imitou
Oh quanto estes semblantes à luz presumem!
Os Séculos reverenciam não consomem,
Vulto que igual adoração e espanto,
Mereceu amigo e inimigo entanto,
Que de sua vida, dilatou o volume.
Ouso imitar artífice toscano,
Ao que Deus imitou de tal maneira
Que és por rei e por santo soberano.
O bronze por sua imagem verdadeira
Se introduz na relíquia e deste canto
Em majestade augusta reverbera.
Mais de bronze serás que tua figura,
Quem olhas no bronze, senão lhe chora,
Quanto já ao sentimento que adora,
Fará brando o metal a forma dura.
A mesma estátua
Quis que do teu cavalo a ferradura,
Pisar líquidas sendas, que da aurora,
Ao seu passo perfuma donde flora,
Ostenta varia e fértil formosura.
A dura vida com mão lisonjeira,
Ti deu Florência artífice engenhoso,
E reinas nas almas e nas esferas.
O bronze que ti imita és tão virtuoso,
Oh quanto do gládio da glória fora
Sim os anos lhe imitaras numeroso!
Inscrição Da estátua de César Carlos V em Aranjuez
As selvas o fiz navegar, e ao vento,
O pavio em suas velas que respeitava
Quando Cortez sua respiração taxa,
Com necessidade do seu movimento.
Dilatou sua vitória ao vencimento,
Pelas ribeiras que o Danúbio lava,
Caiu África ardente, gemeu escrava,
Falsa religião no fim sangramento.
Viveu Roma a desordem de sua gente,
Si não piedosa ardente valentia;
E de Espanha ao rumor sossegou ausente.
Retirou ao Solimão, temor da Hungria,
E por se retirada mais valente,
Se retirou a si mesmo ao derradeiro.
Para Um Retrato de Pedro Giron
Que fez Guido Bolonês, armado e gravado em ouro as armas
Vulcano as forjou, com seu toque Midas,
Armas em que outra vez a Marte cerra,
Rígidas com seu preço desta serra
No rubro metal descoloridas.
Ao ademais seguiram as feridas,
Quando seu braço estremeceu à terra,
Não as prestou ao pincel deu-as para guerra,
Flandres as viveu sangrentas, temidas.
Pôr o que tem do seu Girão de Osuma,
Sabem ser apassiveis os horrores,
E nelas és carmim a sua Trácia Lua.
Fulminam seus semblantes vencedores,
Assistiu à arte em Guido a Fortuna,
E o lenço és belicoso nas suas cores.
A festa de Touros e Cañas do Bom Retiro
No dia de grande neve
Chovem caladas águas nas suas margens,
Brancas de neves mudas, passa o dia,
Mas não sem majestade na sombra fria,
E olha ao sol, que se esconde nos balcões.
Não se admitem ao Inverno corações,
Assistidos de ardente valentia,
Que influi na Espanhola Monarquia,
Força igualmente em touros e punhais.
O brasão de Jarama, umedecida,
Ardendo a ancha frente em turva sanha
Em sangue verte a sua púrpura vida.
E lisonjeira ao grande Rei da Espanha,
A tempestade, em neve escurecida,
Aplaudi-o o braço, ao cedro e a canã.
Mostra com ilustres exemplos quão cegamente desejam os homens
Proveu deus companhia ao grande Pompeu,
De piedosas e moléstia das febres,
A saúde abundou de desventuras,
E lhe usurpou as suas glórias ao troféu.
Quem poderá desculpar nosso desejo,
Si no cerco do sol caminha às escuras,
Nas sombras em companhia de sepulturas,
Faltante desta morte neste rodeo.
Se Mario a alma esplêndida exalava,
Tão fértil com os triunfos desta guerra,
Largos, desterros e cárcere ignorara.
Muita da treva, esta noite se encerra,
Quando destina ao homem e tudo para,
Em pretendida morte, e pouca terra.
Sêneca devolve a Nero a riqueza que lhe havia dado
Esta miséria grão senhor honrosa,
De humana ambição alma doirada,
Esta pobreza ilustre acreditada,
Fatiga doce, inquietude preciosa.
Este metal da cor que faz medrosa
E da força contra tudo foi usada
Devolvo que alta dádiva invejada
Enferma fortuna mais enfadosa.
Recebo Nero, que em douta história,
será mais receber foi lhe daria,
E mais segurança em mim ao devolve-lo.
Pois julgaram te sendo mais glorioso,
Que desse ouro há quem supôs depreciá-lo,
Para mostrar que supôs merece-lo.
DON FRANCISCO DE QUEVEDO Y VILLEGAS -TRAD. ERIC PONTY
ERIC PONTY-POETA-TRADUTOR-LIBRETISTA
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