O primeiro livro de Lugones, Las montañas del oro, foi publicado em 1897 e intrigou ou entusiasmou os leitores. Tudo nele era deliberadamente novo, até ao dispositivo tipográfico de dar aos versos, separados apenas por traços, o aspecto de prosa. Este arranjo pode ter sido influenciado por Rimbaud e Maeterlinck[3]; como tantas outras inovações, foi também um arcaísmo, uma vez que os monumentos mais antigos da poesia medieval - Beowulf, o Canto dos Nibelungos e o Poema do Cid - estavam nesta forma.
Os travessões, no Primeiro Ciclo, separam linhas hendecassilábicas assonantes:
"... Depois compreendi (Santa Miséria!) - o amor misterioso dos pequenos; - odiava a bem-aventurança das sedas nobres, - eu prosápia com raízes de ferro; - encontrei nos vossos germes de lírios na lama, - pus a amargura dos meus beijos - em bocas roxas que eram feridas - ...".
No Segundo Ciclo, eles marcam as pausas entre versos irregulares:
"... São as vacas que vieram à meia-noite, - farejando nas distâncias da sombra, - o aroma subtil da morte que levantam da terra - molhadas com o abate, a frescura do frond. - Com pesados trotes vêm - as carpideiras selvagens, - na névoa que envolve as silvas - flutuando, - absorvendo o ar coalhado das suas narinas, - que sobre a terra muda com o soluço estertor rouco, - e destilam grandes lágrimas - cheias de candura selvagem, as suas pupilas sonhadoras, - e o sangue derramado humedece - encharcadas de humilhação e tristeza. - ...".
O volume fecha-se com um longo poema em prosa rítmica, o Hino das Torres. Há também composições em verso alexandrino (Responsório) ou hendecassilábicas (Salmos del combate), em que cada verso ocupa, da forma tradicional, uma linha.
A presença de Hugo é evidente ao longo de todo o livro. Esta influência já foi, mais de uma vez, censurada a Lugones. Muito poderia ser dito contra esta acusação. Imitar Hugo não é fácil; imitá-lo sem cair na mera grandiloquência e sem o tom vacilante é uma tarefa difícil, mesmo para o próprio Hugo; Lugones, contudo, executa-a alegremente. Ele não só herda as sonoridades do mestre - que tanto prejudicaram os imitadores medíocres - mas também a faculdade narrativa e uma expressão direta e concreta. Ele não ignora que o épico aceita, entre muitas coisas, o efeito aparentemente prosaico. No Hino das Torres, ele escreve:
"... eu vou Cristóvão Colombo com uma cruz e uma espada bem leal; i Marco Polo, com um tratado cosmográfico de Cosmas na sua mão... i o Flor de Maio com a carta do Rei João; i Dumond Durville com um planisfério e uma âncora; i Tasman com uma bússola; i Stanley com o lápis do New York Herald e o seu capacete de cortiça; i Livingstone com a sua Bíblia e a sua esposa - David Livingstone o pai do Nilo".
À memória de Hugo e Whitman acrescenta-se, talvez, a de Baudelaire, que aparece na blasfémia e na sensualidade de certas imagens. Dante e Homero, duas admirações que estarão com ele até ao fim dos seus dias, já são celebradas neste livro.
A língua de Las montañas del oro é espontaneamente argentino, sem qualquer afetação de criolismo.
À fama literária do segundo livro de Lugones, Los crepúsculos del jardín (1905), acrescenta-se outro de natureza polémica e quase judicial. Foi uma acusação de plágio. Em 1904, o poeta uruguaio Julio Herrera y Reissig publicou Los éxtasis de la montaña; Blanco Fombona, no prólogo da edição Garnier (Paris, 1912), sublinhou as afinidades deste livro com Los crepúsculos del jardín e acusou Lugones de ter copiado Herrera. O argumento, assim formulado, parece irrefutável; mas como salientado, entre outros, por conhecidos escritores uruguaios - Horacio Quiroga, Víctor Pérez Petit, Emilio Frugoni - os poemas de Lugones já tinham aparecido em revistas de Buenos Aires e Montevideo antes de serem recolhidos num só volume. Assim, Los doce gozos foi publicado em revistas argentinas por volta de 1898 e 1899[4].
O que é certo é que Lugones e Herrera tinham lido Samain.
Tecidos, crepúsculos, jardins, suspiros, lagos e fragrâncias invadem a poesia de Lugones e banem as vastas divindades de Hugo. Mas os motivos que aparecem desfocados em Samain, em termos de melancolia, não são os mesmos que na poesia de Lugones.
JORGE LUIS BORGES
(13 de junho de 1874 – 18 de fevereiro de 1938) foi um poeta, escritor e jornalista argentino.
Nascido em Villa de María del Río Seco, tradicional cidade da província de Córdoba, no coração católico da Argentina, Lugones pertencia a uma família de grandes proprietários rurais. Ele começou a escrever profissionalmente no jornal La Montaña, onde tinha o respaldo de Manuel Quintana, um aristocrata que se tornaria presidente da Argentina. Tal proximidade conduziu-o à Buenos Aires, onde seu talento literário desenvolveu-se rapidamente.
Lugones foi um dos expoentes argentinos da corrente literária latino-americana conhecida como Modernismo, uma forma de parnasianismo influenciada pelo simbolismo e escreveu um romance denso, La guerra gaucha (1905). Também foi um jornalista, polemista e orador apaixonado, que começou apoiando o socialismo, mais tarde tornou-se conservador e finalmente terminou por apoiar o fascismo.
Leopoldo Lugones viajou à Europa em 1906, 1911, 1913 e em 1930, ano no qual apoiou o golpe de estado contra o presidente do partido da União Cívica Radical, o idoso Hipólito Yrigoyen.
Profundamente deprimido no início de 1938, quando vivia no balneário de El Tigre, próximo de Buenos Aires, Lugones cometeu suicídio ingerindo cianureto.
ERIC PONTY
Delação morosa
A tarde com ligeira pincelada
Que iluminou paz de nosso asilo,
Apontou em seu matiz topázio
Uma sutil decoração morada.
Surgiu enorme à lua na enramada
As folhas agravavam seu sigilo,
E uma aranha na ponta de um fio,
Tecia sobre o astro, hipnotizada.
Assentado de morcegos nas rochas
Céu à maneira de chineses biombos,
Tuas rodas exangues sobre as pinturas.
Manifestam sua delícia inerte
E nossos pés um rio com jacinto
Corria sem rumor até à morte.
Amapola
Com sua saia de velhos brocais,
ia Clori saborosa até as trilhas,
vê-las entre meses amarelados
inflavam em seus rincões dóceis.
Evocavam fandangos e rondeis,
E nas medias furou panturrilhas,
E ao sangue pintava em seus círios
Como uma descendia de encravados.
Só um beijo.... Vasos resíduos canas
Se fatigavam em ardente brisa
Enquanto Clori com fingido nojo.
Brotou lhe uns pequenos vão roxo
Do tremulo coral de seu sorriso.
Camélia
Como se chama o coração augura:
-Clélia, Eulália, Clotilde – algum primeiro
Nome com muitos eles como um fino
Cristal, todo vibrante de água pura.
Se incende no claro de sua brancura,
Com diminuta chama, um essênio
Carmim. Sua alma lilial conta ao destino
Românticas novelas da amargura.
No vago perfil donde se destila,
Seu olho negro e fatal desola aquela
Palidez. Suas maneiras são prolixas.
Como as dessas moribundas rasas,
Que se cobrem os dedos de anéis,
E se desvivem pôr as sedas claras.
A graciosa
Abaixo fluidos riscos cachos da frota,
Sua fina cabeça, de rubra beldade,
Reclui no âmbito de longo chapéu
Com mesmo adorável de sua pueril.
No breve seio, denunciado apenas,
A esfumaçada linha veia azul
Limita um sucinto prado de açucenas
Que faz crepúsculo a bruma do tule.
A frágil da graça desta sua argila,
Um quase real ar melancolia
E com incentivo carmim ilumina
A falácia irônica que houve sua careta.
Seu olho, um pouco fátuo, abate na sombra
Da olheira, em leves insônias de arbusto,
Achando o discreto matiz da passadeira,
Petulante arqueia seu pequeno pé.
Transparente lírio silente médio....
E com abanico lânguido e burla
Sobre especiosa opinião que assedia
Pulverizando um pouco seu coração.
LUGONES
Dizer que o primeiro escritor da nossa república morreu, dizer que o primeiro escritor da nossa língua morreu, é dizer a verdade e dizer muito pouco. Com Groussac morto, o primeiro destes dois primados corresponde-lhe; com Unamuno morto, o segundo. Ambos provêm de uma eliminação; falam-nos de Lugones e de outros homens, não dos Lugones íntimos; ambos o deixam em paz. Ambos, em suma (embora não incapazes de provar) são vagos como todos os superlativos.
Ninguém fala de Lugones sem falar das suas muitas inconstâncias. Em 1897 - a época de Las montañas de oro - era um socialista; em 1916 - a época de Mi beligerância - um democrata; a partir de 1923 - a época das conferências de Coliseo - um profeta teimoso e dominical da Hora de la Espada. Parece também que em The Strange Forces (1906) ele foi culpado de não prever as duas teorias de Einstein, que, no entanto, ajudou a divulgar em 1924. Nem lhe é perdoada a transição do ateísmo irreverente para a fé cristã, como se ambas não fossem provas da mesma paixão. O homem que é sincero e meditativo não pode não mudar: só os políticos não mudam. Para eles, a fraude eleitoral e a pregação democrática não são incompatíveis.
Não há dúvidas sobre isso. Estas "mudanças múltiplas", que são o escândalo ou a admiração dos argentinos, são de natureza ideológica e ninguém ignora o facto de que as ideias de Lugones - ou melhor, as opiniões de Lugones - são menos importantes do que a convicção e a esplêndida retórica que ele lhes dedicou. Esplêndida retórica disse eu, não retórica útil, pois Lugones preferiu a intimidação à persuasão. Chesterton ou Shaw enriqueceram as doutrinas que professavam com problemas e razões; Lugones trouxe às suas empresas apenas a sua adesão, acompanhada de algumas metáforas. Ele normalmente simplificou as discussões ao ponto de uma monstruosa simplificação. Por exemplo, lembro-me dele postular uma diferença moral entre o dispositivo métrico de repetir certas sílabas (rimas) e o de não as repetir.
As suas razões quase nunca estavam certas; os seus epítetos estavam quase sempre certos. Vale a pena procurá-los, então, nas partes da sua obra que não estão contaminadas com polémica: por exemplo, nas páginas descritivas de El payador. "Era o monstruoso banquete de carne, para homens, cães e aves de rapina... Ao lado dos imensos cozinheiros, homens sentenciosos, ensopados em sangue, comentavam as aventuras do dia, desenhavam marcas no chão, ou limpavam lentamente os seus dedos untados com gordura no peito da bota... "ou em algum admirável conto fantástico - La lluvia de fuego, Los caballos de Abdera, Yzur - ou naquele Lunario sentimental que é o arquétipo não confessado de toda a "nova" poesia profissional do continente, desde El cencerro de cristal de Güiraldes até El retorno maléfico de López Velarde ou La suave patria, talvez superior ao modelo. (Porquê aludir a imitações incompetentes, tais como La pipa de Kif).
O mau gosto de Lugones é deplorado - não sem justiça. Também o deploro, mas deixa-me menos desconfortável do que outros: digamos Ortega y Gasset. O um - "Y cumbres siempre, cumbres, en torno, cumbres en el horizonte, como si al bienvenido, todo aquel suelo, de un solo bloque, se erigiera en montañas" - é temperado pela paixão; o outro - "Me hizo meditar mucho cierta damita en flor, toda juventud y actualidad, estrella de primera magnitud en el zodíaco de la elegancia madrileña" - é meramente e friamente feio.
Em vida, Lugones foi julgado pelo último artigo ocasional a que a sua indiferença tinha consentido. Morto, ele tem o direito póstumo de ser julgado pelo seu trabalho mais elevado.
Quanto ao resto, tanto quanto sabemos... No terceiro dos quatro Estudos Helénicos estão estas palavras: "O homem, mestre da sua vida, é também mestre da sua morte". (Vale a pena recordar o contexto. Ulisses recusa a imortalidade que Calipso lhe oferece; Lugones argumenta que recusar a imortalidade equivale a suicídio, a um prazo remoto).
JORGE LUIS BORGES – TRAD. ERIC PONTY
LEOPODO LUGONES-TRAD.ERIC PONTY
ERIC PONTY-POETA-TRADUTOR-LIBRETISTA
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