Pesquisar este blog

terça-feira, janeiro 03, 2023

O PIERROT LUNAIRE E AS SUAS CORRESPÔNDENCIAS - ENSAIO-ATHENNA PORTUGAL - ERIC PONTY

Música de Invenção, São Paulo, Editora Perspectiva, 1998.
Em 1912, um ano antes da colisão da SAGRAÇÂO DA PRIMAVERA, de Stravinsky, uma outra obra escandalizou as orelhas do século: PIERROT LUNAIRE, de Arnold Schoenberg, um ciclo de 21 poemas de Albert Giraud, em versão alemã de Otto Erich Hartleben, para voz e pequeno conjunto instrumental (piano, flauta e flautim, clarinete e clarinete baixo, violino, viola e violoncelo).
 

Se não foi um Fruto fundante, Pierrot Lunaire desempenhou extraordinária influência sobre outros compositores. O próprio Stravinsky, que compareceu em Berlim a uma das primeiras apresentações da obra (8 de dezembro de 1912), pagou-lhe homenagem direto em duas das Três Poesias Líricas Japonesas, para voz e pequeno conjunto instrumental.

O Poeta e Tradutor Augusto de Campos nesse importantíssimo e basilar ensaio sobre PIERROT LUNAIRE nós damos à notícia de John Cage:

John Cage dá um curioso e emocionado depoimento sobre o Pierrot e sua intérprete Maria Freund num artigo de 1949 sobre os Festivais de Música Contemporânea na Itália. Comentando o 23º Festival da Sociedade Internacional de Música Contemporânea (Palermo-Taórmina, 22-30 de abril) e o Primeiro Congresso de Música Dodecafônica (Milão, 4-7 de maio), ele escreve a propósito do primeiro: Se Acima de tudo isto e de tudo o que foi ouvido em Milão ergueu-se o Pierrot Lunaire de Schonberg como o monte Etna se eleva sobre Taórmina. Marya Freund, aos 74 anos de idade, cantofalou esta obra, acompanhada por um extraordinário conjunto italiano dirigido por Pietro Scarpini, que também foi o pianista. 

A performance, em 23 de abril, na Villa Igliea, em Palermo, foi tal que ninguém que a ouviu jamais a esquecerá. Uma espectadora que veio da Austrália disse que finalmente tinha entendido porque tinha viajado de tão longe. Este repórter se viu tremendo ainda por algum tempo depois e observou outras pessoas chorando. E natureza hemática dessa obra deu-se nessa ocasião um caráter quase oracular, de modo que parecia estar-se ouvindo uma verdade especial e profundamente necessária. O presidente do comitê internacional havia escrito esta mensagem de boas-vindas para os congressistas: 

Quando mais tarde, em nossas vidas, cada um de nãos tiver, como um suave leitmotiv na sinfonia das recordações, a visão desta Ilha Ensolarada num cenário de límpidos cãs©us azuis e harmonias celestes, nos sentiremos amplamente recompensados pela entusiástica preparação destes nove dias de retiro espiritual. Seus votos se tornaram realidade com o Pierrot Lunaire:

PIERRÔ LUNAR TRANSCRIAÇÃO AUGUSTO DE CAMPOS

A cantora não cantava nem recitava. Fazia qualquer coisa entre essas duas coisas. Era o Sprechgesang (cantofalado), uma prática vocal inaudita na tradição musical do Ocidente.

Os instrumentos crispavam de dissonâncias os breves melodramas fantasmagóricos, um dos quais, Galgenlied (Canção da Forca), durava pouco mais de 10 segundos. SENÃO era o poema de Número 12 aqui transcriado pelo Poeta e Tradutor Augusto de Campos:

A virgem hirta
de colo fino
ideia fixa
antes do fim.

Dentro da mente
como um espinho
a virgem hirta
de colo fino.

Como um caniço
de trança e fita,
carícia fina,
lasciva a fita
a virgem hirta.

Segundo o Poeta e Tradutor Augusto de Campos nos esclarece que esses problemas da tradução não são poucos. Segundo CAMPOS: Primeiro lugar, há a própria qualidade do texto utilizado por Schoenberg. NESSA versão alemã de uma adaptação livre, por Otto Erich Hartleben, de uma série de poemas do belga Albert Giraud, em formado de rondes, de treze linhas, com repetição da primeira na 7” e 13” como podemos ver muito bem expresso pelo mesmo.

Segundo o Poeta e Tradutor Augusto de Campos nos esclarece texto alemão não ao rimado como o original, e o ritmo, octossilábico no original, passa a ser mais variado, encolhendo-se as quatro sílabas no poema não 12, Galgenlied (Canção da Forca), ou espraiando-se ao nove no n° 15, Heimweh (Nostalgia). Para exemplificar o meu exemplo, parto de uma tradução trilíngue do primeiro Lied que na tradução de Augusto de Campos esse nos dá a seguinte versão de Otto Erich Hartleben (1864 - 1905):

Den Wein, den man mit Augen trinkt,
Gießt Nachts der Mond in Wogen nieder,
Und eine Springflut überschwemmt
Den stillen Horizont.

Gelüste schauerlich und süß,
Durchschwimmen ohne Zahl die Fluten!
Den Wein, den man mit Augen trinkt,
Gießt Nachts der Mond in Wogen nieder.

Der Dichter, den die Andacht treibt,
Berauscht sich an dem heilgen Tranke,
Gen Himmel wendet er verzückt
Das Haupt und taumelnd saugt und schlürft er
Den Wein, den man mit Augen trinkt.

 Bêbado de Lua

O vinho que meus olhos sorvem
a lua verte em longas ondas
que numa enorme enchente solvem
os mudos horizontes.

Desejos pérfidos se escondem
no filtro do luar que chove.
O vinho que meus olhos sorvem
a lua verte em longas ondas.

O poeta, no silêncio absorto
absinto santamente absorve
e o céu é seu, até que cai,
olhar em alvo, gesto tonto,
do vinho que meus olhos sorvem.

Para exemplificar o meu exemplo, parto de uma tradução trilíngue do primeiro Lied esse nos dá a seguinte versão de 1. Mondestrunken de Otto Erich Hartleben (1864 - 1905) em nossa tradução:

1 - ÉBRIO LUNAR

O vinho que se bebeu com os olhos,
À noite, a lua cai em ondas,
E uma enchente de maré primavera,
No horizonte silencioso.

De anseios macabros e doces,
Nadar sem número nas ondas!
O vinho que se bebeu com os olhos,
À noite, a lua cai em ondas.

O poeta movido pela devoção,
Intoxicado com a poção sagrada,
Em direção ao céu ele se torna extasiado,
O vinho que se bebeu com os olhos.

2 – COLUMBINA

Pálidas flores da luz da lua,
De rosas milagrosas brancas,
Desabrochar nas noites de julho –
Oh, eu só quebrei uma!

Para aliviar meu sofrimento angustiado,
Eu procuro pelo riacho escuro,
Pálidas flores da luz da lua,
As rosas milagrosas brancas.

Todos meus anseios seriam agradados,
Que eu possa ser tão fabulosa secreta,
Tão feliz silencioso – desfolha,
Pálidas flores da luz da lua.

3 - O DANDY

Com um fantástico feixe de luz,
A lua ilumina os fláculos de cristal,
Sobre lavatório preto, alto sagrado,
Do Dandy Silencioso de Bergamo!

Em uma tigela de bronze de cor,
Ri-se intensa da fonte, som metálico.
Com um fantástico raio de luz,
A lua ilumina os fláculos de cristal.

Pierrot com a cara de cera,
Pensou e ajusta: quanto se maquilha hoje?
Longe impele o rubro e o verde oriental,
E pintou o rosto em estilo sublime!

4. Uma lavadeira pálida

Uma lavadeira pálida,
Lava panos pálidos à noite;
Braços nus, prateados e alvos,
Estirarmos nessa enchente.

Ventos rastejam pela clareira,
Em silêncio, movem a corrente,
Uma lavadeira pálida,
Lava panos pálidos à noite.

E a gentil dama do céu,
Delicada acariciada pelos galhos,
Espalhados nos prados escuros,
Com teu tecido de linho claro...
Duma lavadeira pálida!

5. Valsa de Chopin

Quão uma gota de sangue pálido,
Colorir os lábios de um doente,
Então, descansará nestes tons,
Numa sedução aniquiladora.

Acorde de luxúria selvagem [turbar].
Sonho gelado do desespero,
Quão uma gota de sangue pálido,
Colorir os lábios de um doente.

Quente e exultante, doce e languidez,
Valsa melancólica sombria,
Você nunca vai sair do meu juízo!
Quão uma gota de sangue pálido!

Segundo Poeta e Tradutor Augusto de Campos: Nem o original nem a versão alemã são literariamente muito fortes. O ciclo de poemas de Albert Giraud foi publicado em 1884, anos depois de Verlaine haver popularizado, em Fêtes Galantes (1869), tal tema de Pierrot e outras personagens da Commedia dell'Arte. Para esse ensaio trazemos em rara edição de Paul Verlaine de Fêtes Galantes (1869) com os dois temas citados pelo Poeta e Tradutor Augusto de Campos:

Se a esfumaçada luz dessa lua simbolista. E de Albert Giraud nem chegou as tais sutilezas musicais do Verlaine, nem se lançou tais às audácias e finuras da ironia do Laforgue, cujos livros Complaintes e L'Imitation do Notre-Dame la Lune, com seus sofisticados “lamentos do Lord Pierrot e suas epigramáticas litanias à Lua, seriam lançados em 1885 dos quais trazemos às seguintes traduções para esse ensaio:

Ô Sol! É Militar coberto por medalhas e pontas,
Que fizeste sem à classe, saberás que Vestais,
Há quem há Lua, de falaz dum olhar de felina,
Sendo dum roseiral divinal duma Única Catedral.

Saberás que dos Pierrôs, falenas lhe dominaram,
Ninfeias brancas, donde Gomorra jaze adormecida,
E dos Bem-aventurados que pascidos neste Éden
São renúncias, sempre. Primaverais, te execram!

E que te hão retirados os teus peculiares desprezos,
Segunda, Perdulário, Mascarra, Rastaqueras
Sendo está cascavel doirada, que te pôs tão reles
Sóis feita desta pobre Terra e tua ufana lunar.

Andas perseguindo dando crepúsculos inúteis
Nos dias desta ressaca das Festas Nacionais,
Adelgaçando estação ao soltares teus dramas,
Nessas grandes Apoteoses aos fins Umbilicais.

Achegas já, Febo! Deverias, deus do mal Despertar,
Observe-nos este Port-Royal que dos divinos estetas,
Que em teu Decamerão inventaram à luz da Lua
Diziam postar qualquer preço, sem mais, à tua cabeceira.

Ti ficaras muitos dias por durar, só eu percebi;
Porém cresceste na tribo das antigas tradições,
Do «Absoluto, ao que? », sonhando-se Amor e Arte,
Neste aglomerado Inorgânico que foste existir.

Ampara por hoje, vegete, ausente-se conformamos,
Com o refregaste nas colinas de Teu Papanatismo,
Isto que o Homem já te avisaste na frente do Poente,
Aposto há quem o jamais lhes tiveras desconfiado.

— Enterraste que lhe diziam ser duma frase estupenda,
Deste osso vistoso, porém, sem essência nenhuma,
Muita conversa vã, porém, tudo não sejais teatro!
A Pureza Febo, sem mais! Os comentários sobejam.


Ô Fantasma do Tempo, onde. Ser, foste castigado,
Com Febo, percorrei já!  Contestarás teu retorno
És deste antigo cresceste et multiplica mini,
Para ir-se inocular-se na tua frescura Lunar!

JULES LAFORGUE - TRAD. ERIC PONTY, L´Imitation do Notre-Dame la Lune

ERIC PONTY
POETA-TRADUTOR-LIBRETISTA ERIC PONTY

Nenhum comentário: