MOÇAS BALZAQUIANAS SOLTEIRAS SANJOANENSES
Caríssimo Cipriano Augusto,
Deixei seu e-mail por muito tempo sem resposta, mas isso não significa que a olvidei. Pelo contrário, ela é do tipo de e-mail que alguém relê quando depara no meio da sua contrapartida, e eu o reconheci nela como se pessoalmente quando a leio, como agora, na grande paz desta distância, fico estremecido por seu admirável acurado com a vida, sinto que nunca um homem poderá dar uma resposta às perguntas e aos anseios que têm vida no fundo do seu ser. Pois mesmo os melhores erram nas palavras quando elas devem significar o que há de mais leve e quase indizível. Apesar disso, acredito que você não precise ficar sem uma solução, caso se atenha às coisas que lhe são análogos, nas quais meus olhos alertam agora, por exemplo, nesse poema de sua lavra:
Cidade atroz,
Rouca voz,
Que será de nós?
Busque compor com eles algum tipo de eucaristia bucólica e devotado, que não careça ser corrompida à medida que mesmo se demuda cada vez mais. Ame neles a existência em uma outra forma e seja compreensivo com pessoas mais envelhecidas que receiam a solidão na qual tem fé. Evite nutrir aquele drama que sempre há entre pais e filhos; ele dissipa muita força dos filhos e consome o amor dos pais, um afeto que atua e acolhe, mesmo que não seja condescendente. Não reivindique deles consulta algum e não exponha com apreensão alguma, mas creia em um amor que foi guardado como um espólio, confie na ocorrência de que há nessa afeição uma força e uma bendição, das quais não fugirá para ir muito bem longe.
Se ativer à natureza, ao que há de mais simples nela, às pequenas coisas que quase não vemos e que, de maneira inesperada, podem se tornar grandes e colossais; se tiver esse amor pelo ínfimo e buscar com toda simplicidade alastrar-se como um funcionário a confiança do que parece pobre - então tudo se tornará mais fácil, pleno e de algum modo reconciliador, talvez não no campo do entendimento, que fica para trás, espantado, mas em sua consciência mais íntima, no campo do zelo e do saber.
Não averígue agora os contragolpes que não lhe podem ser dados, porque não poderia vivê-las. E é disto que se trata, de habituar-se tudo. Viva as perguntas. Talvez acerte, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a habituar-se as respostas. Talvez já traga consigo a probabilidade de erguer e formar, como um modo de habituar-se notadamente afortunado e puro; eduque-se para isso. Mas abrigue com grande fé o que surgir, e se vier apenas de seu anseio, se for derivado de qualquer obrigação de seu íntimo, aceite-o e não o abomine. Mas é difícil a nosso encargo, quase tudo o que é ajuizado é complexo, e tudo é sério. Se conhecer apenas isso e chegar a apoderar-se, a partir de si, de sua acomodação e de seu modo de ser, de seu conhecimento numa relação inteira própria (não contida pelo ajuste e pela praxe) com a concupiscência, então não carece mais ter temor de se perder e se tornar aborrecível de sua melhor posse com certeza à poesia fruirá em você!
ERIC PONTY
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