P/ Carla ZL
Qual Pallas palmilhasse densamentePassagem de Carla de tão amorosa,
Qual no olhar tardio da cena rouca.
Se misturasse ao tom de seus encantos
Que era pausado e surdo; manhãs pairassem
No céu de zimbro, e suas cores brancas.
lentamente se abrem diluindo
Da escuridão maior, vinda das gentes
e de meu próprio ter desenganado
A Miragem da Carla se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de a ter olhado me carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir luz que fosse tão impura
nem um clarão maior que o aceitável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do aspecto,
e pela mente exausta de mentar.
toda uma realidade que transcende
a própria efígie sua debuxada
na face do mistério, nos abismos.
Abriu-se em alma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
Há quem de os ter olhado os já pudera.
e nem desejaria recobrá-los,
se desvão e para sempre repetimos
mesmos sem rotineiros ristes périplos,
convidando-os a todos, numa sorte,
a se aplicarem sobre o rosto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim disse, senhora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a façanha,
Há outro alguém, diuturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca demonstrou,
mesmo afetando dar-se ou se adendo,
e cada momento mais se retraindo.
olha, ressalta, ausculta: essa pureza
sobrante a toda fábula, sapiência
altiva e formidável, mas hermética,
Graça fatal explicação da vida,
esse traço primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo,
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
Abre então teu preceito a agasalhá-la.”
As mais soberbas mentes e edifícios,
que nas oficinas se colabora,
o que atestado foi e logo se atinge.
instância superior ao pensamento,
os recursos que erra tão dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser campestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às santas bocas se embeber.
nesse tom rancoroso dos mistérios,
dá volta a Pallas e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas vaidades altas mais que todos
monumentos erguidos à vaidade:
memória dessas deusas, e o solene
sentimento de sorte, que floresce
na face da existência mais gloriosa.
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
Da esperança mais mínima — esse anseio
de ver desvanecida a relva espessa
que entre raios do sol ainda se filtra;
como defuntas graças convocadas
presto e fremente não se produzissem
Sendo de novo tingir a neutra Carla.
que vou pelas passagens demonstrando,
e como se outro ter, não mais daquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si solúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes,
em si mesmas repletas e fechadas;
como se um tom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando solver a coisa oferta
que se abria gratuita a meu empenho.
O clarão mais estrito já pousara
sobre a passagem Carla, tão amorosa,
e a Miragem da Pallas, repelida.
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que jazera,
passei vagaroso, de olhares densos.
ERIC PONTY
POETA-TRADUTOR-ENSAISTA ERIC PONTY
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