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sábado, dezembro 17, 2022

MIRAGEM DE PALLAS - ERIC PONTY

 P/ Carla ZL

Qual Pallas palmilhasse densamente
Passagem de Carla de tão amorosa, 
Qual no olhar tardio da cena rouca.

Se misturasse ao tom de seus encantos 
Que era pausado e surdo; manhãs pairassem 
No céu de zimbro, e suas cores brancas.

lentamente se abrem diluindo
Da escuridão maior, vinda das gentes
e de meu próprio ter desenganado

A Miragem da Carla se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de a ter olhado me carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir luz que fosse tão impura
nem um clarão maior que o aceitável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do aspecto,
e pela mente exausta de mentar.

toda uma realidade que transcende
a própria efígie sua debuxada
na face do mistério, nos abismos.

Abriu-se em alma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
Há quem de os ter olhado os já pudera.

e nem desejaria recobrá-los,
se desvão e para sempre repetimos
mesmos sem rotineiros ristes périplos,

convidando-os a todos, numa sorte,
a se aplicarem sobre o rosto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim disse, senhora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a façanha,

Há outro alguém, diuturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca demonstrou,
mesmo afetando dar-se ou se adendo,
e cada momento mais se retraindo.

olha, ressalta, ausculta: essa pureza
sobrante a toda fábula, sapiência
altiva e formidável, mas hermética, 

Graça fatal explicação da vida,
esse traço primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo,

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
Abre então teu preceito a agasalhá-la.”

As mais soberbas mentes e edifícios,
que nas oficinas se colabora,
o que atestado foi e logo se atinge.

instância superior ao pensamento,
os recursos que erra tão dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos 

e tudo que define o ser campestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às santas bocas se embeber.

nesse tom rancoroso dos mistérios,
dá volta a Pallas e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas vaidades altas mais que todos
monumentos erguidos à vaidade: 

memória dessas deusas, e o solene
sentimento de sorte, que floresce
na face da existência mais gloriosa.

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

Da esperança mais mínima — esse anseio
de ver desvanecida a relva espessa
que entre raios do sol ainda se filtra;

como defuntas graças convocadas
presto e fremente não se produzissem
Sendo de novo tingir a neutra Carla.

que vou pelas passagens demonstrando,
e como se outro ter, não mais daquele
habitante de mim há tantos anos, 

passasse a comandar minha vontade
que, já de si solúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes,

em si mesmas repletas e fechadas;
como se um tom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando solver a coisa oferta
que se abria gratuita a meu empenho.

O clarão mais estrito já pousara
sobre a passagem Carla, tão amorosa,
e a Miragem da Pallas, repelida.

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que jazera,
passei vagaroso, de olhares densos. 

ERIC PONTY
POETA-TRADUTOR-ENSAISTA ERIC PONTY

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