Tudo aquilo que nossa
civilização rejeita, pisa em cima
serve para poesia.
Manuel de Barros
Todas estâncias cujas metáforas possam ser
Traduzidas numa linguagem atemporal
Não servem para a poesia.
O medo e a temeridade diante de se
Dissipar o ente numa cama de hospital
Não servem para poesia.
O sussurro dos mortos perto do amanhecer
É por demais bizarro
Não servem para poesia.
O canto do meu galo Zé no porão ainda pouco
Bicho inútil para espantar escorpiões
Não servem para poesia.
Aquela orquestra de violinos tocando em Auschwitz
É um ato bárbaro, e isso corrói
Não servem para poesia.
O entristecer do sino brônzeo rompido
Da igreja de Nossa Senhora do Carmo
Não servem para poesia.
A matéria de Heidegger sobre Holderlin
É por demais hermética
Não servem para poesia.
A serventia e a idiotice de Alexandre
Diante da Bíblia, seja por demais patética
Não servem para poesia.
A tonalidade ocre das sombras no jardim
Talvez sejam por demais pictóricas
Não servem para poesia.
A finitude e ancestralidade são requintes
Talvez duns poucos, talvez duns ninguém
Não servem para poesia.
O suor e o mal-estar do meu corpo
Sejam por demais asquerosos
Não servem para poesia.
O fadigo de uma criança morta num lixo
Sejam demais para uma reportagem
Não servem para poesia.
A hermenêutica e a matemática
Talvez sejam por demais exatas
Não servem para poesia.
Minhas fezes e minha urina semoventes
Sejam por demais banais
Não servem para poesia.
O discurso intervalado uma discussão
Talvez sirva de matéria de composição a Cage
Não servem para poesia.
O embate entre Arnold Schœnberg e Stravinski,
Talvez sirvam de matéria de embate no eixo
Não servem para poesia.
A morte de Sócrates e Jesus Cristo
Sejam por demais atemporais
Não sirvam para poesia.
O debate sobre língua dos linguistas
Seja por demais objetiva e acadêmica
Não sirvam para poesia.
Esse enunciado seja por demais
Frugal e metido a besta
Não sirva para poesia.
ERIC PONTY
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