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quinta-feira, agosto 20, 2020

Triunfos da Morte e do Tempo - [Após a Leitura do Cancioneiro e Triunfos] - Francesco Petrarca - Libretista Eric Ponty

 {. Abre-se à cena. Limbo do rio Letes. Aparece um rapaz rude com arco na mão e setas no seu flanco, nas costas apenas asas no resto está nu.}

Rapaz do limbo:
No tempo que restauram meus suspiros,
Pela doce memória que está entorno
Que fui há princípio aos seus longos martírios.

És que é senão Petrarca chega ao limbo,
por certo está à cata desta tua Laura,
cuja arca arde ainda versos à memória:

Vós escutais em rima esparsa soar,
em suspiros que eu me nutria em coro,
de que em meu primo juvenil do erro,
ficará em parte noutro aquele soar.

De vários estilos em que eu choro,
fazendo de vã esperança e vã dor,
por esta via por prova entenda amor,
confio trovar piedade, não perdão.

 Mas bem me vejo como o povo todo,
fábula foi grande tempo, onde espessa,
do meu modesto fato me envergonho:

Do meu divagar vergonho meu fruto,
me seduz a conhecer claramente
quando desejei o mundo breve sonho.

{. Entra-se à cena Petrarca combalido.}

 Petrarca:
Uma sombra enquanto meu outro malvado,
me vem encontra e chama pelo nome,
reconhece-me eu que te reconheça?     

Rapaz do limbo:
Ou que este por amar se consegue,
encontro assim amargo certa forma,
ligação que eu me porto, no ar opaco;

Dão para os olhos teus, mas vero amigo,
ti sou tendo nascido à terra toscana,
sou seu vero amigo, mas não inimigo.

No grande tempo é que eu me pensava,
verte-te entre nós que do primo ano
de tal presságio de tua vida dava,

fui bem ver, mas amoroso ofegar,
me espaventar se eu largar-me empresa;
porto ao peito o pano me esfarrapar.

 Petrarca:
E pelo novo está, que ardida presta,
faz da mente à língua, e, vós indago,
diga por cortesia, que gente é esta?

Rapaz do limbo:
De que há pouco tempo ti julgará,
si um deles por tal traço ti não sai,
primo mudará envolta dos teus velos,

que o nó que lhes falo se soltará,
do colo e dos teus pés mancos rebeldes
dizer por cortesia, que gente é esta?

Petrarca:
Este que ele que ao mundo chama Amor,
acre como vês, que verás melhor,
quando for teu como Nosso Senhor:

Era em torno do qual sol escondia-se,
pela piedade do Criador paraíso,
quando fui preso, e não me guardei,
que belo olhar vós outro duma dama.

Tempo não me parecia de atende-lo,
contra o golpe de Amor, porém impôs,
que nem duma comum dor iniciada.
Porém meu ornamento não lhe fui honrando,

Ferir de minha seta aquele estado,
e fui armado não mostrar puro arco.
E sem recear, sem mói e sem broquel;

Porém só ombros e braços tendo em mais
matizes mil, do que resto era despido;
pela piedade sol era vertido;

(interlúdio)
Ao cinto, incontáveis destes fatais,
uns unidos em duelo, outros lesados,
distintos mortos por raios mortais;

Progredi ansioso, fruto dos ouvidos,
de tão que perto fui daqueles dum
por seu jeito da vida desmembrados.

E então peguei a notar acaso dum
distinguir quatro-paus ali pudera
czar que jamais ao pranto dá jejum

Nem um que distingui; qualquer lá era
que aceitasse, logo trocara bem
extinção ou por xadrez atroz e fera!

Rapaz do limbo:
És nasce do ócio e da lascívia humana,
que nutrido de pensar doce suave,
qual é morto ao luzir, qual com mais grave,

Leis mandam tua vida áspera e acerva
vida nula acerta sombra de um Pã
somente mil cadeias e mil chaves.

Aquém infeliz distintos mim surgem
uma alma ao embate e pela alcunha
me flama expõe: - «Ansiando é que trazem»

Petrarca:
«Aprecia-me?», pois aqui abismou-me,
- «E quão, se eu não lhe distingo a ti?»
forma humana não carece pertencer-me?»

 Rapaz do limbo:
«Jazendo portanto, que deformou-me
atração das grilhetas e o ar cá
fato senhor e Deus da gente vã.


Ver-me assim como sombra permiti-me
tolda-te às vistas; mas teu vero próximo
estou toscano quão tu surgi-me»

Petrarca:
Á tua arenga e o arrazoar remotos
saíam-me quem à face me escondia;
e ao ar franco se acertou comigo.

Se de tão longe forma parecia,
rapaz recear, sem mói e sem broquel
que tu fazes aqui mortos envoltos.

Rapaz do limbo:
«Há bem que eu refletia que eu estava
olhá-lo entre nós, que imaturos anos
tua existência esse agouro de ti dava.»

«E é bem exato, mas receei danos
desgosto querer, peguei lado à coisa; 
mas sorvo esfarrapado n´alma e os panos.»

Petrarca:
Portanto falo lhe; sem qualquer grosseira,
Fado-lhe, rindo ao que eu lhe redarguia:
-ó filio, que tal flama tens ligada!»

Não no atingi então, porém eu já noto
teu discurso tão duro em minha nuca,
nem mais vivo mármore que se nota.

Rapaz do limbo:
E antes trocarás pelo teu conselho
do essa liga de que eu te penso há
teu junto pé insurgentes desprender.

Mas por contentar teu anseio poeta,
E falarei de nós e deste máximo 
portanto nos tira fado e alvedrio.

É este há quem o orbe chama Amor:
acerbo o vês e mais verás ao certo
como for teu quando é nosso penhor.

Bardo pequeno e fero velho perto:
quem prova dele o sabe e coisa chama
bem largo a ti será: eu só te esperto.

Petrarca:
Que a infinita providência da arte,
Demonstrou admirável magistério,
de quem me fez este outro hemisfério
e Júpiter fez brando mais que marte.

Vindo tornar fulgurada esta carta,
muitos anos gosto selado verso,
fez Giovanni duma rede de Pedro,
meu reino do céu, fez-se tão de perto.

De se nascendo em Roma foi-me graça,
A Judeia sim, tanto servia ao status
humilde exaltar sempre por favor.

E cá um carente povo um sol faz fato,
Tal qual há casta e logo agradecia
Onde bela dona do mundo nasce.

Rapaz do limbo:
Brotou folga e lascívia compassiva,
de ditados se alimentou, afetuosos, 
Senhor e Deus da gente vã se criva.

Dum por ele feneceu, outro mais graves
regra desvia à vida bruta e exacerba 
logo sob mil algemas e mil claves.

(Passam duas sombras)
O que em tão grandioso e tão altivez
aspecto eis à frente é César, Egito
Cleópatra uniu-se em nata em cobre;

Como dele se vence é reto dito,
se pisa o orbe e outro o há coberto,
exista tua vitoriosa honra por alvo;

o mais um é teu filho; e por amar
é trazido precisamente: César Augusto,
Lívia a distinto, a pedido, há tirado.

Escuta choro e o chorar do bramido
das almas abrasar cruéis espírito
oferecem àquele tal modo às guias.

Não posso alcunha há todos refletir:
não são só mortais, há em grande parte
divos a rechear mato e o umbroso mirto.

Petrarca:
Quando em novo suspiro chamar vou,
no coração nome que tem me escrito,
láudano isolado urdir do anterior,
em teu primeiro doce acento soa.

Vosso estado real, que encontro, pois,
desfolha alta impressão do meu valor,
mas: basta grita um fim falar de amor,
digna reverência do amor excelente.

Que quase louvor ensina há narrar,
dá voz mesma voz deste meu chamado
que digna reverência do amor digno.

Se minha força Apolo se designa,
Que dizer sou sempre dum verde ramo,
com essa língua mortal presunçosa.

Rapaz do limbo:
Olhar Juno zelosa e o douro Apolo
que gastava desvaler idade e arco 
que lhe calhou já no tessálio polo.

Que te falarei? Num só minuto abarco:
De Barrão cada deus encarcerado
e de logros e ardis sem ser parco.

Desse cruel amor que ao teu retira.
E um há quem belo nome que se adequa.
E com ele o zagal que pôs na mira.

Tua bela face e em tormenta deu prestes 
e disso o orbe todo que se revira.
Escuta dos outros prantos tão agrestes!

{Sai o Rapaz do Limbo deixando Petrarca só}

Petrarca:
Ocaso vindo empós o arrepiador caso
que o sol esvaeceu e o foi repor no empíreo, 
ser como ofuscado me ofereceu azo,

no ar lavrava estival geada ao léu
com donzela Títono, alvo Dilúculo, 
são as ideias dúbias tirar céu,

porque há mim, idêntico àquela hora,
de brotos de Oriente tão laureada,
dentre mil laureias vem uma consorte,

e aquela pose, já de tanto ansiada,
arengas e perpétuas me distendia,
e em candura sem fim meu busto nada.

{Entra Laura do Limbo que se senta perto dum Loureiro.}

Petrarca:
Admites à primitiva que da via
banal germe que teu passo saia?
Qual jovem espírito apercebia,

Portanto, em sinal humilde e ajuizava,
parar e se sentar lá, pensativa,
espectro dum loureiro e duma faia.

«Se minha aparição nobre se esquiva
não me distingo?» e minha oração geme,
«Mas, exoro, diz se está finda ou exista?»

Laura do Limbo:
«Conviva sou eu, tu inda findas-me agora», 
«e hás-me sê-lo findo até o meu ensejo
 de torcer do piso a derradeira hora»,

Preciso é tempo e longo é desejo;
seja igual a arenga mais apoucada, 
também do tempo vir que perto vejo,»

Petrarca:
«No fim chama que também serena
a história, e sabe-lo demais,
Ah!, diga-me findar traz ampla cena.»

Laura do Limbo:
«Enquanto detrás do vulgo tu vais
e do conceito tua ilude e pura,
tu ser ditoso não irás ser jamais.

Consorte é fim duma cana tão escura
para às almas belas; às mais penosas,
que deitaram no limo à tua jura.

E se ora meu findar te é tão dorido,
teu ser regozijaria, se notasse
a milésima parte deste meu encanto.»

Petrarca:
Se extravio da folia do meu desejo,
seguindo segundo fuga e retorno,
dos laços de amor ligeiros se soltam
vai adiante do meu lento caminhar.

Que quando reclamando teu envio,
pela escura estrada, minha escolha,
nem me vale espera, dar-lhe à volta,
que amor pela natura se fez resto. 

E, pois, freio força que se recolhe,
E me levanto em senhor de mim próprio,
Que meu mau grado a morte me transpõe.

Só por vir do louro donde se colhe,
da erva amarga, minha dor atraí,
custando aflige-me por me conforta.

Laura do Limbo:
"Infeliz daqueles teus dias reconta,
e crê mil anos dum! Vã lida breve, 
que a si no chão quem nunca se afronta,

cata ao oceano e às bordas já atreveu,
donde ficasse mesma maneira tinha;
só fala nela ou dela arenga escreveu!"

Petrarca:
«Ah, consorte, pela fé que te foi,
acho, ao mesmo tempo que se desponta,
e mais o rosto quem tudo percebe,

Um pouco vez Amor em vossa fronte
fez nascer cruz ao meu martirizar,
sem trocardes vossa alta coisa honesta?

Vosso desprezo meigo e o doce irar,
meigas calmas soberbas olhar escritas,
me tiveram pendente o desejar»

Laura do Limbo:
«Nunca olhar acaso deste meu rosto
além de ti meu espírito seria;
porém azeitei à chama com meu posto

nem para te valer, e a mim, tinha
mais uma porta, e nossa nova fama,
nem a mãe punindo é aquém continha.

Que número de vezes me disse:
"Este tanto ama, melhor tanto alarde;
 e capaz é que eu proveja, que disse;

Mais mil ocasiões ira se apiedou
meu rosto, a queimar de Amor na essência,
mas querer pretexto não triunfou.

A seguir, ao ver dor bater-te então,
às tuas vistas voltei docemente,
por nossa lida e nome em aclamação.

E se existiu ardor tão amor veemente, 
com rosto fala saudar-te me pus,
pede em temor, que ora tão dolente.

Foi contigo esta minha criação e arte;
bondosos amparos, desprezos tais;
o consegues e o atraíste em muita parte;

que eu vi tuas vistas umas vezes mais
recheados de queixa e disse: "Este ao fim
jazida e o não acodem, vejo-o jamais."

Então do meu auxílio honrado, cravo;
como acicates davas ao teu flanco
há mim cri: "Ajusta mais árduo travo."

Igual, ardente, rubro, frio alvo,
riste, ou cedo, já tens livre passagem,
me regozija, e o cansaço teu estagno.

Petrarca:
"Consorte, fora amplo fruto de toda
à minha fiúza, assim eu cresse", falo-lhe
vibrando e sem minha face esgotada.

"De rara fiúza! Ora eu, se o não alcançasse,
confiança não fosse, que não diria?
Respondo, qual se aberta se deitasse.

Laura do Limbo:
"Se no orbe de meus olhos aprazia
a tua visão, oculto; e o doce engodo
que o espírito unido que lhe trazia;

bem quanto o soberbo nome, se é de todo
perto que longe e certo que lhe usasse;"
nem jamais em teu amor quis mais que o modo.

E só gorou, enquanto em sinal riste
ao sair querias o que eu sempre vi,
e a alma claustra ao todo povo abriste.

Daí minha frigidez, inda a alterar;
que o acordo no mais aconteceu como
é de Amor, ao ser honrado em si.

Quase igual brasa amor nos acertou,
ao aquém abones vi tua brasa insana;
porém revelou-se já, outro a encobriu.

Tu de exorar favor estavas louco,
eu escondia ao sentir de rubor temor
um tão amplo anseio conselho pouco.

Não é mínima o dó se num é ledo,
nem máximo por pisar lamentando;
que fato não transtorna em falso enredo.

Não se mordeu ao menos o véu porque,
teu ditado, e eras coevo, eu aceitei,
mais não arrisca falar o amor seduz?

Tua era a essência, velei meus olhares
e te pesa da maldade, se o mais
te oferecia e o aquém te puxei!

Nem achas que por sacar, à vontade
antes mil vezes, pude repeti-las
mais milhares, a admirar com piedade!

E os brilhos deles eram já serenos
só sempre afixar, só que as receeis,
Dos arrogantes ditos que destilas.

Também te falarei por não deixar
Sem mais uma terminação ao ser
Afável ouvir, tendo eu ido ao além:

Na cabal coisa mais muito beata,
Numa só a mim mesma desagrada,
Ao chão muito avaro origem me ata;

pesa que no fato não surgi mais certa
do teu ninho tão flórido: mas foi
bem suntuoso o solo em que te olhei;

que do cerne que meu só guia há ido,
houvera ir-se a outro canto, além-mundo,
glória menos viva eu lá ter sido."

"Porque seja igualmente foi louvor
que ainda me adota; mas ao gozo afeito,
não notas como horas fogem em dor.

Nota como que a Alvor do teu áureo feito
aos letais causa o dia e o sol se divisa
já por fora do mar até ao leito.

{Desaparece Laura do Limbo. Petrarca encontra-se só. O cenário do limbo rio Letes também desaparece. Ilumina-se um livro com uma pena. Petrarca vai pegá-lo e anota.}

Petrarca:
Logo que sob o empíreo só fugidias,
prófugos fatos vi, mais que enleados, 
indago ao espírito: «De em que confias?»

Respondeu: «No Deus, que nunca há retido
por preencher à promissão a quem o crê;
mas assisto-me do orbe qual zombado,

Conheço quem sou e sei quem eu fui até,
e noto cursar, melhor voejar, tempo,
e me queixo do que não sei bem de quê,

quando ao dolo é só meu e mais há tempo
acendi à visão por que o fim precate,
que no fato já há demais me atempo.

Porém tarde nunca vem perdão nobre;
dele almejo também tenha função
em mim mais saudável e perambula.»

Tal adágio e objetado: e se não
são duráveis coisas às céu dirige,
depois muito volver que fim trarão?

Isto refletia, ao ser mais interior
na ideia o juízo, ver julguei um orbe
moço, em idade inativo e já eterno.

E o Momento a romper tudo tão preste,
e a Morte em ensejo teu de tão avaro, 
presos hão-se findar, aquela e este

E esses que a Fama fazer jus à rara,
que o Tempo usou e em lívidos aspectos
travam Tempo e Morte suntuosa cara,

oriundo, o olvido e destes vãos crepúsculos,
mais soberbos do nunca, deixarão
à morte em furor e a teus dias tão nulos,

mais imatura idade em nata irão 
com eterna graça de eterna fama
E antes que número recomporão,

está a que gemendo o orbe nos clama
com minha fala e com cansada pena;
só por vê-la completa o céu reclama.

{Tudo desaparece.}

POETA,TRADUTOR,LIBRETISTA ERIC PONTY


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