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domingo, fevereiro 11, 2018

De Atlas - Jorge Luis Borges - TRAD. Eric Ponty

O totem

Plotino de Alexandria, conta Porfirio, se negou a fazer-se retratar, alegando que ele era somente a sombra de seu protótipo platónico e que o retrato seria sombra duma sombra. Séculos despois Pascal redescobriria esse argumento contra a arte da pintura. A imagem que vemos aqui é a fotografia do fac-símile dum ídolo do Canadá; é dizer, é a sombra da sombra duma sombra. Seu original, chamemo-lo assim, se ergue, alto e sem culto, detrás da última das três estações do Retiro. Se trata dum regalo oficial do governo do Canadá. A esse país não lhe importa ser representado por essa imagem bárbara. Um governo sul americano não se atreveria ao abuso de regalar uma imagem duma divindade anónima e tosca.
Sabemos destas coisas sem constrangimento nossa imaginação se compasse com a ideia dum totem no desterro, dum totem que obscuramente exige mitologias, tribos, encantações e acaso sacrifícios. Nada o sabemos de seu culto; razão de mais para sondá-lo no crepúsculo duvidoso.

 Jorge  Luis Borges


O Lobo

Furtivo e gris na penumbra última
Vai deixando seus rastros na margem
Deste rio sem nome que há saciado
A sede de sua garganta e cujas aguas
Não repetem estrelas. Esta noite,
O lobo é uma sombra que está só
E que busca da fêmea e sente frio.
É último lobo de Inglaterra.
Odím e Thor o sabem. Na sua alta
Casa de pedra um rei houve decidido
Acabar com os lobos. Já forjado
Havendo sido o forte ferro de tua morte.
Lobo sadio, há engendrado em vão.
Não basta ser cruel. És o último.
Mil anos passaram e um homem velho
Te sonhará na América. De nada
Pode servir-te esse futuro sonho.
Hoje te cercam os homens que seguiram
Pela selva os rastros que deixaste,
Furtivo e gris nessa penumbra última.
Jorge  Luis Borges
TRAD. ERIC PONTY

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