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segunda-feira, janeiro 22, 2018

Fragmentos do Narciso - Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

  I

Cur aliquid vidi ?

Que tu brilhas enfim, termo puro de meu corso!
Se tarde, qual d’um cervo, foge versos da fonte
Nem cessa ela nem tomba ao meio dos teus juncos,
Minha sede me chega mata a borda mesma d´águas.
Mas, a matar-me sede deste amor curioso,
Eu nem perturbo passar na onda misteriosa:
Ninfas! Se vós m’amais, faltam sempre dormir!
A menor ama ao ar vós fazeis todo latejo;
Mesmo, em tua escassez, nas sombras escapadas,
Si a folha apaixonada ocorrendo as ninfas,
Se bastam à rompe um universo adormecido...
Vosso sonho importaria ao meu encantamento,
Temor até ao estremecer d’uma pluma que sacode!
Guardam meu detidamente rosto por sonhar
Que uma ausência divina está só a conceber!
Sonhos das ninfas, céu, nem alta minha visão!

Sonham, sonham de mim!... São vós, belas fontes,
Minha graça, minha dor, serão coisas incertas.
Eu me busquei em vão este que tenho de mais caro,
Sua ternura confusa assombrasse minha carne,
Meus tristes olhares, inábeis meus charmes,
Onde d’outros que mim-mesmo. Fazendo-lhes lágrimas...
Vós abrandais, será, uma fronte que foi chorada,
Vossas calmas, vós sempre folhagens e das flores,
E de incorruptíveis alturas acossar,
Ô Ninfas!... Mais dóceis pedintes seduzir
Que me haveis versos vós d’invencíveis caminhos,
Soprais formosa imagem desordens humanas!
Felizes vós corpos fundos, água flutua e fundas!
Eu estou só!... Se o Deus dos ecos e as ondas
E se tantos suspiros permitem que lhe seja!
Só!... Mais coro este que se aproxima de si mesmo
Quando ele beira a bordo que bendita tua folhagem...
D´alturas, ar ia cessar a pura pilhagem;
Vozes das fontes mudam, me fala da tarde;
Ampla calma m’escuta, eu escuto esperança.
Eu atendo erva noturna cresce nas sombras santas,
E a lua pérfida elevando teus espelhos
Até em os secretos da fonte apagados...
Até em os secretos que eu temo de saber,
Até em seu recuo de amor de si mesmo,
Nada nem acaso escapa silêncio da tarde...
Noite chegou sobre minha carne lhes soprar amor.
Tua voz fresca à minhas vozes tremem conceder;
À pena, na brisa, ela parece mentir,
Tanto o estremecimento de teu templo tácito
Conspira ao espaço silêncio d’um tal lugar.
Ô doçura sobreviver à força do dia,
Quando ela se retira enfim rosa d’amor.

Todavia um pouco ardente, e fatiga, mas cheio,
Tantos erários ternamente acobertar
Por de tais lembranças que elas incendeiam seus mortos,
Sendo elas as fontes felizes rodeiam-se em ouro,
Depois se abris, fundem, perdem suas vindimas,
E se apagam em um sangue em que a tarde se altera.
Perdida si mesma ofertar se calma lugar!
A ama, até perecer, se deita por um Deus
Que ele pleito à onda, onda deserta, e digna
Sobre teu lustre, lisa destruição d’um cisne ...
À esta onda jamais não bebeu os teus rebanhos!
D’outros, aqui perdido, achar o descanso,
Nas sombras terrenas, clara tumba se abriu...
Mais se n’estes passos à calma, hélas! Que eu descubro!

Quando opaca delica ou dormir nesta luz,
Ceder meu corpo horror das folhagens abertas,
Então, vencedor sombra, ô meu corpo tirânico,
Repulsivos aos bosques lhes engrossa pânico,
Teus lamentos prontos de eternais noites!
Por inquieto Narciso, ele não está aqui entediado!
Todo me chama e me enlaça à clara luminosidade
Que meu aposto das águas a paz vertiginosa!
eu deploro teu resplendor fatal e puro,
Se debilmente de mim, esta fonte já cercada,
Onde pisquei meus olhos em mortal azul,
Os olhos mesmos e noites que lhe ama assombram!
Fortemente, profundamente, sonhos me veem,
Como eles se enxergam de uma outra vida,
Digam, me sigam eu passo este que vós crereis,
Vossos corpos de vossos feitos-ele inveja?
Altas, sombras espíritos, este labor do antigo
Que se fazem no amor que dia; fazem na mesma hora
Nem busquem passar vós, nem irem espantar aos céus
Os males dos seres que são uma maravilha:
Encontrais na fonte dum corpo delicioso...
Beneficiador vossos olhos perfeitos pressa,
Do monstro de amor feito vós por um cativo;
Errantes redes vossos largos cílios sedosos
São galhardos brilhos vós retende distraídos;
Mas nem vós acariciais passar mutação d’império.
Este cristal esta são corretas estancias;
Os esforçais mesmos de amor se esforçais
Nem sabeis da onda extrai que ela não se expira…

PIOR.
     Pior? …
           Qualquer repete pior…. Ô mosqueiros!
Ecos longínquos veloz a prenunciar teu oráculo!
De teu riso encantado, a rocha brisa meu imo,
E o silêncio, por milagre,
Cessai!... Fala, renascer, sobre a face d´água…
Pior?...
 Pior destino!... Vossos ditos, juncos,
Que devolve aos ventos minha queixa vagabunda!
Antro, que me pronuncia meu amor mais profundo,
Vós sois vãs vossas sombras voz que se mata…
Vós me murmurais, bosque!... Ô rumor murmuro
Dilacerante, e dócil ao sopro sem figuras,
Vôs, porém, leves agitam, bocejam augúrio…
Todo se mistura de mim, brutas divindades!

Meus secretos ares sonetos divulgados,
A rocha ri; árvore chora; por sua voz encantadora,
Eu nem depois até aos céus que eu nem me lamento
Pertencer são forças d’eternais atrações!
Infelizmente! Entre os braços que nascidos florestas,
Um terno clarão d’hora ambígua existe no êxtase…
Ali, d’um resto da tarde, se forma um noivo,
Nu, sobre o lugar pálido ou m’atira água triste,
Delicioso demónio desejoso e gelado!
Ei-lo, meu doce corpo de lua e dessas rosas,
Ô forma obediente às minhas promessas contrárias!
Que elas são belas, de meus braços lhes dons vastos e vãos!
Minhas lentas mãos, ouro adorável cansativo
Chamem cativo que lhes folhas enlaçadas;
Meu coração parido ecos clarão nomes divinos!
Mas tua me boca sendo bela mudez blasfémia!
Ô semelhante! … E, no entanto, mais perfeito que meu mesmo,
Efêmero imortal, se claro diante meus olhos,
Pálidos membros pérola, e estes cabelos sedosos,
Sinto ele que à tristeza amável, sombra lhe ofuscar,
E que a noite já nos divide sós, ô Narciso,
E desliza entre nosso deus o ferro que taça um fruto!
Que tens tu?

 Minha queixa está funesta? …
                                           O ruído
Do sopro que eu escrevo aos teus lábios, meu dobro,
Sobre a límpida lâmina feita correr turvo! …
Tu tremes!... Mas estas palavras eu expiro ao joelho
Nem são, no entanto que uma alma hesitante entre nós,
Entre frontes se puro e minha pesada memória...
Estou perto de te que eu posso te absolver,
Ô rosto!... Minha sede está num escravo nu...
Até estes tempos encantadores eu me sou ignoto,
E eu nem sabia passar meu caro e me juntar!
Mas te ver, caro escravo, obedeço ao seu menor
Das sombras em meu imo se fulgente ao pesar,
Vejo sobre minha fronte tempestade e os fogos d’um segredo,
Ver, ô maravilha, ver! Minha boca matizada
Trair... pintar sobre minha onda uma flor de pensamento,
Quais acontecimentos cintilam em olhares!
Eu lhe encontro um tal tesouro d’impotente e d’orgulho,
Que nula virgem jovem escapada ao sátiro,
Nula! Fugas hábeis, as quedas sem emotivo,
Nula das ninfas, nula amiga, nem m’atrai nulo
Como tu fazes sobre onda, inesgotável. Me!...

II
Fonte, minha fonte, água friamente presente,
Doce águas puras animais, águas nasces complacentes
Que d’águas mesmas tentam seguir ao fundo à morte,
Todo está sonhado por ti, irmã tranquila da Sorte!
À pena em lembrança transformasse um presságio,
Que igual sem cessar em teu fugido rosto,
Enquanto de teu sono os céus te são encantados!
Mas se puro teu sois dos seres teu rumino,
Onda, sobre que os anos passam como as nuvens,
Que coisas, no entanto devendo ser conhecidos,
Astros, rosas, sessões, o corpo e seus amores!
Claro, mas se profundo, uma ninfa sempre
Roçando, e animando de tudo está que aproxima,
Nutrisse qualquer sonhado ao abrigo de sua rocha,
À sombra deste dia que ela pinta debaixo da madeira.
Ela sabe à jamais as coisas d’uma vez ...
Ô presença pensativa, água calma recolhida
Tudo uma sombra tesouro fábulas e de folhas,
Pássaro morto, a fruta madura, lenta abaixa,
E os raros clarões de claras argolas perdidas.
Tu consomes em ti dele perda já solene;
Mas, sobre essa pureza de tua face eternal,
Amor passa e perigo...

Quando às folhagens dispersas
Tremem, começando a fugir, choram de todas partes,
Tu vês da sombra amor se misturar ao teu tormento,
Amante escaldante e duro fingem à branca amante,
Vençam almas... E tu sabes segundo qual suavidade
Sua mão potente passa através espessura
Das tranças que se derramam em sua nuca preciosa,
Se repõem, e se remete forte e tão misterioso;
Ela fala aos ombros e reina sobre a carne.
Então os olhares firmes iguais ao eternal éter,
Nem observa, mas o sangue que doirado suas pálpebras;
Seu encarnado temível obscuridade às luzes
D’um casal aos pés confusos misturam, se mentem.
Elas gemem... A terra apela docilmente
Esses grandes corpos delicados, que lutam boca a boca,
E que, da virgem sabe atrever-se bater a camada,
Compuseram d’amor um monstro que ele se mata ...
Seu sopro nem faz, mas que dum feliz rumor,
Alma crida respirar alma toda que é lhe próxima,
Mas tu sabes melhor que minha, venerável fonte,
Quais frutas formando sempre eras encantado!
Pois, à pena ao coração calmo e tão contentes
D’uma ardente aliança se expirou em uma das delícias,
Desses amantes soltos tu contemplas às malicias,
Tu olhas brotar dos dias de mentiras tecidas,
Nascem mil maus demais ternamente entender!
Logo, minha onda prudente, infiel a si mesma,

Os Tempos levam estes doidos que acreditam são amigos
Repetem aos teus juncos de mais profundos suspiros!
Versos ti, tristes passam prosseguir-lhes lembranças ...
Sobre tuas bordas, confundir sombras de escassez,
Tudo deslumbra d’um céu de beleza lhes ferir
Tanto ele guarda clarão seus dias são mais belos,
Eles chegam bens perdidos acharem teus túmulos ...
« Esse lugar de sombras estanho quietas e nossa! »
« Outro deseja estes ciprestes, se ditam coração d´outros,
« E d’aqui, nós provamos respiração dos mares! »
Hélas! A rosa mesma esta amarga no ar com libor.…
Menos amarguras perfumes das supremas fumaças
Que abandonam ao vento das folhas consumidas!...
Ele respira este vento, caminhando são noções,
Comprimindo aos pés tempos d’um dia de desespero...
Ô marcha lenta, veloz, e igual aos pensamentos
Que conversam volta à volta as cabeças insensatas!
A carícia e a morte hesitante suas mãos tão breves,
Teu coração, acreditas se romper desviar caminhos,
Luta, e retiram a si tua esperança do abraço.
Mas seu espírito perdido corre labirinto
Ou s’ extraviam daquele que maldito o sol!
Sua loucura solitária, não importa do sonho,
Povo e trompa ausência; em tua secreta orelha
Em todo lugar uma voz que não aponta de igual.
Nada nem poder dissipar seus sonhos absolutos;
Sol nem pode nada contra este que não está mais!
Mas se ele arrasta em ouro seus olhos secos e fúnebres,
Ele se percebe em prantos defender suas penumbras
Mais caras à jamais que teus os fogos do dia!
E neste corpo esconde todas marcas de amor
Que porta amargamente alma que usa das horas,
Ardente dum secreto beijo que o deixa furioso...
Mas mim, Narciso amável, eu nem sou curioso
Que minha sozinha essência; do silêncio do vazio
Todos outros não para mim que um coração místico,
Todos outros não estão ausentes diante desta paisagem.
Ô meu bom soberano, caro corpo, não tenho que teu!
Mais belos mortais nem pode custoso que si...
Doce e doirado, este que é um ídolo mais santo,
Todas uma floresta se consuma, se cingi,
E frasco em azul vivente por tanto d’pássaros?
Este-ele veste mais divino favor das águas,
E d’um dia que se matou do mais adorável uso
Retorno aos meus olhos honoráveis de meu rosto?
Nasceu, pois, entre nós que sois a luz única
Da graça e do silêncio uma troca infinita!

Eu vós saudais, jovem de minha alma e da onda,
Caro tesouro d’um espelho que reparto ao mundo!
Minha ternura vem beber, embriagar da visão
Um desejo sobre si mesmo ensaia teu poder!
Ô que teus meus desejos, vós sereis semelhantes!
Mas a fragilidade vossa fez inviolável,
Vós não sereis que luz, adorável da metade
D’um amor demais igual à mortiça amizade!
Hélas! A ninfa mesma separa de nossos charmes!
Depois-eu espero de ti que de veio dos alarmes?
Que ele é doce aos perigos nós decompomos eleger!
Se surpreendam sou mesmo e sou -mesmo nos alcançar,
Nossas mãos se entrelaçam, nossos maus entram-destruir,
Nossos silêncios muito tempo de sonhos se instruírem,
A mesma noite em prantos confundem nossos olhos cerrados,
E nossos braços fecham-se sobre os mesmos soluços
Apertam mesmo coração, d’amor pronto a se derreter...
Quita enfim o silêncio, atrevido enfim me responder,
O Belo e cruel Narciso, inacessível duma jovem,
Todo ornado de meus bens que são que ninfa defende...

III

.... Este corpo puro, está consciente pode seduzir?
De alguma profundidade sonhos-tu de m’instrui,
Habitante de abismo, anfitrião se precioso
D’um céu sombra mundo precipitado dos céus?
Ô fresco ornamento de minha triste tendência
Que um sorriso si próximo, plena confidência,
E que presta ao meu lábio uma sombra de perigo
Até me faz temer um desejo dum estrangeiro!
Que respira vem à onda ofertar esta fria rosa!...
« Eu amo... Eu amo!... » E aqui assim pois pode amar outra coisa
Que sou mesmo?...
               Teu só, ô meu corpo, meu esse caro corpo,
Eu te amo, único objeto que me defende dos mortos.
…………………………………………………………….
Sigo, ti sobre meu lábio, meu, em meu silêncio,
Uma preze ao deus comove de tanto d’amor
Sobre teu pedinte púrpuro ele hirto o dia!...
Fazes, basal feliz, Ô Pai de justas fraudes,
Ditos que dum clarão rosa ou d’esmeraldas
Que sonhos da noite vosso espectro recomeçou,
Puro, e todo igual aos mais puros dos espíritos,
Espera, ao seio dos céus, tu vives esse por favor,
Perto de mim, meu amor, propõe um leito de folhas,
Sair tremulo de flanco da ninfa ao coração frio,
E são deixados meus olhos, sem cessar de ser meu.

Terno tua forma fresca, e está mais clara tua casca...
Ô! Te apanhar enfim!... Pegar este calmo tronco
Mais puro que d’uma mulher não forma de frutos...
Mas, d’uma pedra simples este templo onde eu sou,
Onde ruminarei…. Ruminar teus lábios avaros!...
Ô meu corpo, meu caro corpo, templo arreda
De minha divindade, eu quero apaziguar
Vossa boca... Tão logo, eu quebrarei, beijo,
Este pouco nós defendemos da extrema existência,
Este tremulo, frágil, e devota distância
Entre mim mesmo e onda, meu amor, e os deuses!
Adeus... Sentido-tu tremes mil flutuantes adeuses?
Pronto venha estremecer a desordem dessas sombras!
A árvore cega versa árvore estende seus membros sombras,
E provoca horrivelmente à árvore desaparece...
Minha alma assim se perde em tua própria floresta,
Onde a potência escapa à tuas formas supremas...
Alma aos d´olhos negros, tocando negrume mesmo,
Ela se fez de imensa e nem reencontra nada...
Entre à morte e si, qual olhar este é teu!
Deus! De augusto dia, pálido e terno resto
Siga o dia consumir juntos a sorte funesta;
Ele abisma aos infernos de profundas lembranças!
Hélas! Corpo miserável, está tempos de se unir...
Incline-te.... Beijo-te. Treme de todo teu ser!
Inacessível amor que tu me vens prometido
Passa em um arrepio, brisa Narciso, e foge...

TRAD. ERIC PONTY



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