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quinta-feira, maio 02, 2019

avaliaçao de Jorge Antunes sobre Eric Ponty

Caro Eric:
 
Li os dois libretos e gostei muito.
Arquivos do Éden e "Petrarca" são ótimos.
Dariam belas óperas.
Seu texto é cativante e tem, nas entrelinhas, uma dramaturgia que floresceria com a música apropriada e moderna.
Espero um dia ter a oportunidade de musica-los.
Estou terminando, agora, a ópera "O Espelho", com libreto de Jorge Coli, baseado no conto homônimo de Machado de Assis. É uma encomenda do Theatro São Pedro, de São Paulo, para estreia em julho de 2016.
A questão é esta: compor ópera, com montagem e estreia assegurada e marcada.
Não seria possível compor uma ópera, ser saber se será estreada.
E o problema é atualíssimo.
No caso do libreto do Jorge Coli, tudo funcionou graças ao interesse da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo. O libretista é amigo do Secretário, e seguiu o financiamento.
Enfim, esperemos surgir uma oportunidade parecida, para nosso futuro trabalho conjunto.
Parabéns pelas poesias e pelos libretos.
Abraço,
Jorge Antunes
 
 Olá Eric:
Adorei Yannis Ritsos, em sua tradução.
Parabéns.
Todos os teus textos são ótimos, e carregam o "drama" que poderia dar origem a belas óperas.
Mas o problema é aquele de que te falei há quatro anos: apoio para  encenação.
Viajo no próximo domingo para a Polônia, onde acontecerá a estreia europeia de minha ópera Olga, na Opera Balticka Gdansk.

Começo a trabalhar em nova ópera: Leopoldina (baseada na vida da Imperatriz Leopoldina).
Ganhei o Prêmio Icatu de Artes 2020, com uma residência de um ano em Paris, para escrever essa ópera, que deverá ser estreada em 2022 nas comemorações do Bicentenário da Independência.

Abraço,
Jorge Antunes

sexta-feira, abril 26, 2019

Sobre o tema de Poe - Eric Ponty


Em uma noite pavorosa, inquieto
relei-a um vetusto livro quieto
quando eu cri escutar tão perto
dum estranho ruído, de repente
como si alguém tocasse suavemente
a minha porta: «Visita impertinente
É, ó disse é Sarah nada mais».
II
Ah! me acordo mui bem, era no inverno
e impaciente media o tempo eterno
cansado de buscar além da imago
nos livros a calma bem chora
a dor de minha morta de outrora
que habita com os anjos agora
e será para sempre jamais!
III
Senti ao sedento e rangido e elástico
rosar das cortinas, um fantástico
aterrorizado, como jamais
sentido havia, e quis aquele ruído
explicando, meu espírito oprimido
acalmar por fim: «Um viajador perdido
É, ó disse é Sarah nada mais».
IV
Já sentindo mais calmo: «Cavaleiro
exclamei, a dama, suplicar-lhe quero
os sirva excursar ante atenção
mas minha atenção no estava bem desperta
e foi vossa chamada tão incerta…».
Abriu então de par em par a porta:
Vi somente Trevas nada mais.
V
Observo ao espaço, exploro a treva
E sinto então minha mente povoa
turbava-se de ideias das quais
nenhum outro mortal as tivesse antes
e escuto com ouvidos ansiosos
«De outrora umas vozes sussurrantes
E a me murmurar Sarah nada mais.
VI
Volvo a minha estancia pavor secreto
e a escutar torno pálido e inquieto
e o mais forte golpear inda mais.
«Algo, me digo, toca em minha janela,
compreender quero o sinal arcano
e acalmar esta angustia sobre-humana»:
e a atmosfera e Sarah nada mais!
VII
E a janela abri: revolteando
vi então grande corvo venerando
Como pássaro uma outra idade.
Sem maior ritual entrou em minhas salas
com gesto senhorial e negras asas
e sobre um busto, no dintel, de Palas
posou tão rente e nada mais.
VIII
Admiro à ave negra, sorridente
ante sua grave e sério continente
e lhe princípio a falar demais,
não sim um deixo de intenção irónica:
«Ó corvo, ó veneranda ave anacrónica,
qual é teu nome na região plutónica?».
Disse-me o corvo taciturno: «Jamais».
IX
Neste caso ao par grotesco e raro
Maravilhei-me ao escutar tão claro
tal nome pronunciar-me,Sarah jamais
e devo confessar que senti susto
pois antes nada, creio, tive o gosto
dum corvo ver, apossado sobre um busto
com tal obrar nome: « Sarah Jamais».
X
Qual se houvesse vertido nesse acento
n´alma, silenciou ave e num momento
as plumas moveram já, demais
«outros de mim hão ruído e se me alcança
que ele partirá amanhã sem tardança
como me há abandonado a esperança,
Disse-me o corvo taciturno: « É Sarah Jamais».
XI
Uma resposta ao escutar tão turva
me disse, não sem inquietude secreta:
«É isto Sarah nada mais
quanto aprendi-o dum amo infortunado,
a quem tenaz há perseguido ao fardo
por só estribilho há conservado
esse dizer-me Sarah Jamais Sarah Jamais ».
XII
Rolei meu assento até ficar enfrente
da porta, do busto e tão de vidente
corvo, e então já se põe
reclinado na branda sedaria
exsuemos fantásticos me fundia,
pensando sempre que dizer queria
daquele soar Sarah Jamais jamais, jamais.
XIII
Largo tempo ficará assim em repouso
aquele entranho pássaro ominoso
mirando-o sem cessar, apático
ocupndo o divã de veludo a ver imago Sarah
dois juntos nos sentamos e em meu duelo
pensava que ela, nunca neste solo
o eu pudesse ocuparia mais.
XIV
Então aprecio-me ao aspecto denso
com o aroma de queimado incenso
e de um invisível altar;
e escuto vozes repetir ferventes:
«Olvida a de outrora, bebe o nepenthes,
bebe o olvido em suas letais fontes».
Disse-me o corvo taciturno: Sarah Jamais!
XV
«Profeta, disse, augir de outras idades
que arrojaram negras tempestades
aqui para minha enfermidade,
hospede desta morada de tristeza,
de fosco engenho da noite escura,
bálsamo fará ao fim a minha amargura».
Disse-me o corvo taciturno: Sarah Jamais
XVI
«Profeta, disse, o diabo, infausto corvo
por Deus, por mim, por minha dor acerbo,
por teu poder fatal, faz venal
diga-me si alguma vez a de outra
volverá a ver na eternal aurora
donde feliz com os querubins mora».
Disse-me o corvo taciturno: Sarah Jamais!
XVII
«Que seja tal palavra a porteira,
retornará a plutónica ribeira»,
gritei, «não me aqui volvas mais,
não deixes nem marca, nem uma pluma,
e meu espírito envolto em densa bruma
libra por fim do peso que lhe abruma!».
Disse-me o corvo taciturno: Sarah Jamais
XVIII
E o corvo imóvel, fúnebre e adusto
segue sempre de Palas sobre o busto
embaixo do meu fanal jaze final
Projeta mancha lúgubre na alfombra
e seu olhar de demônio assombra…
Aí! Minha alma enlutada de sua sombra Sarah
se livrará? Libertará jamais! Sarah Jamais!
Eric Ponty

terça-feira, dezembro 25, 2018

A EFIGIE DE JOB - ERIC PONTY


Errante palmilhasse vagamente
uma paisagem de Minas, espessa,
e na torre da tarde um sino louco


se misturasse ao som de meus palatos
sendo pausado e seco; margens pairassem
no céu de cinzas, e suas nuvens pretas


sutilmente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda sêus montes
e de meu próprio ser desentranhado,


A efigie do Job jaz se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter olhado se carpia.


Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um tom que fosse impuro
nem um brilho maior que o ponderável


Pelas pupilas vastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela visão exausta de mentar


toda uma realidade que transcende
a própria epifania sua debuxada
no verbo do mistério, nos abismos.


Abriu-se em palma pura, e convidando
quantos pedidos e intuições restavam
a quem de os ter olhado os já perdera


e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e versos sempre repetimos
os mesmos sem Lenheiros tristes périplos,


convocando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o fato inédito
da natura mítica das coisas mistas,


assim me disse, embora voz alguma
ou tinir ou eco ou simples percussão
atestasse ninguém, sobre a façanha,


A outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de


teu ser contrito e nunca demostrou,
mesmo afetando dar-se ou refazendo,
e a cada instante mais se retraindo,


veja, repara, ausculta: essa miudeza
sobrante a toda auréola, essa abnuência
sublime e formidável, mas hermética,


essa fatal explicação da vida,
do perplexo primeiro e singular,
nem conheces jamais, pois tão esquivo


se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre tua crença para agasalhá-la.”


As mais soturnas fontes e edifícios,
que nas oficinas se colabora,
o que ideado foi e logo atinge


distância superior ao pensamento,
recursos que se erra dominados,
e as ilusões e os impulsos e os tormentos


e tudo que definha o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber


nos sons rancorosos dos saltérios,
retorna ao fundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,


e o absurdo original e seus enigmas,
suas vaidades altas mais que todos
monumentos erguidos à vontade:


e a memória do Deus, fez e o solene
sentimento tez forte, que padece
no talhe da existência mais gloriosa,


tudo se apresentou nesse relance
e me clamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.


Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e o preceito,


a esperança mais mínima — nesse zelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre raios do Deus inda se filtra;


como defuntas sanhas convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face


que vou pelas paisagens demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante em mim há tantas tardes,


passasse a comandar minha verdade
que, já de si volúvel, encerrava
semelhante a essas dores reticentes


em si mesmas feridas e fechadas;
como se um tom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,


baixei olhares, incurioso, lasso,
desdenhando olhar a coisa ofertada
que se abria gratuita a meu empenho.


A relva mais estrita já pousara
sobre a paisagem de Minas, pedregosa,
e a efígie do Job jaz, repelida,


se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que vertera,
seguia vagaroso, nos chão densos.
ERIC PONTY
POETA,CRÍTICO,TRADUTOR IVO BARROSO LADEADO ERIC PONTY