IV
Encanto
derrotado, por que gastas
Tua herança
de postural só em ti?
Natura
não presenteia apenas nada:
Tão
só prestando há quem dão sem fim.
Por
que, então, beleza egoísta, abusas,
Da largueza
com que te hão munido?
Efêmero usuário, por que apuras,
Tamanha
suma e não obtêm respiro?
Sendo
tu único cliente é tua pessoa,
Acabarás
findando tu encanto;
Assim,
quando por fim chegue tua hora,
Com
que reserva farás guardar saldo?
Sem
uso, tua beleza é coisa morta;
Ao usar,
se converte em teu testamento.
V
As
horas obsequiosas talharão,
O
rosto que cativou os olhares,
Serão as mesmas que, como dos tiranos,
Desgracem o que agora irradia graça.
O tempo inexorável transfigura,
Ao agraciado estio em tenso inverno:
A seiva gelada, os ramos desnudos,
O belo embaixo neve, ao campo ermo;
Se à essência estival não permanece,
O Cativo em seu cárcere cristalino,
A beleza seu efeito, ambos dois morrem.
Há um tempo, sem deixar memória viva,
As flores, ao que hibernem, destiladas,
Não iluminam mas conservam sustância.
WILLIAM SHAKESPEARE
TRAD. ERIC PONTY