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sábado, julho 27, 2024

Vinte Sonetos e uma Elegia Tardia - Eric Ponty

A nobre alma que parte de nós aqui,
Ao chamar pra a outra vida muito antecipada
se for estimada lá como deve ser
logo viverá a esfera mais benta do céu.

Se ela jazer entre a terceira grande luz
e Marte, a face cintilante do sol se ofuscar-se
enquanto íntimos dignos, aliados em torno dela, vêm
pra admirar a bondade sem limites com prazer.

Se ela parar de se erguer sob o quarto ninho
cada um dos outros três será menos justo,
pois tua fama gritará que só ela é a melhor.

Ela não viverá a quinta esfera de Marte,
mas se ela voar ainda mais alto, tenho certeza
que ela ofuscará Júpiter e todas os fadários.

II

Quanto mais meu último dia se aborda,
que serve pra reduzir a duração da miséria humana,
mais eu vejo feitos o tempo corre rápido e leve,
minha esperança nele é ilusória e vã.

Digo aos meus pensamentos: "Não temos muito que ir
falando de amor, pois agora o mais pesado,
mais sólido fardo terrestre, quão a neve fresca
está derretendo, o que enfim nos trará descanso:

"pois com esse peso cairá a expectativa esvazia
que nos manteve em êxtase por tantos anos
e todos os nossos risos, choros, raiva e medos;

"então reconheceremos. confessadamente como todos os
mortais estão lutando por um prêmio duvidoso
e ah, quantas vezes suspiramos embalde".

III

Apolo, se o doce desejo perdurar
que ardeu em ti na onda de Tessália,
e se aquelas queridas tranças douradas
não foram olvidados com o passar dos anos.

proteger o ramo ilustre e sagrado
onde fui apanhado que foram os primeiros,
da estação cruel com tua geada lenta
que dura enquanto oculta tua fronte.

Pelo poder de sustento no qual a espera do amor
em meio a tuas eras difíceis cultivou teu ânimo,
agora limpem o ar desse clima difícil;

então veremos um milagre juntos:
nossa dona sentada em uma clareira gramada
criando próprios braços tua própria sombra.

IV

Lento, meço trechos de terra esvazia
com passos vacilantes, só e aflito pelo apurado,
e sempre pronto para voar, fixo meu olhar
onde qualquer nota humana possa marcar a areia.

Não encontro outro disfarce para me esquivar
o reconhecimento franco das pessoas, caso olhem
minha expressão - toda alegria morta, num livro
que conta como estou me ardendo por dentro;

Portanto, acredito que o tipo de vida que levo
 é conhecido pelas planícies e colinas,
rios e bosques, embora oculto para os homens.

No entanto, nunca consigo achar trilhas selvagens 
que possam fazer com que o Amor fique para trás,
e assim nossa conversa eterna continua.

V

Revendo a última estrofe que compus
Pouso entre as mãos abertamente às sombras
E o olhar deixo a lide vagar pra o sol posto
Onde o véu é tapete negro de sombra e luz.

Uma placidez interior em mim ressoa,
Esta tarde esvaindo ao mês de abril
Nestas mansões do espaço, onde alma exposta
O sol, surgindo astro que transluz.

Acaso põe-se ás centenas a acende-las
E cada uma que a luz tinha de olcuto
Brilha ao meio dia, enche-se o véu dos astros.

E fitando-se dispersos infinitos,
Sei que apesar de nunca se ter crido,
Nos céus uma sombra há muitas eras escrita.

VI

Tua ereta rigidez do peito a espada nua
Contorno do ventre e nessa margem macia
Que a cobriu entre os marmoreos pedestais de estátua
E a luz do sol que espiou por meio das cortinas.

Desenhou-se coração dessa flor dessa mulher,
Na quentura do leito, em suave desalinho
Teu corpo se descobre! Ela, só então se ergueu,
Contorno do ventre e nessa margem macia.

Ao sol que a vem flama no leito ela desperta,
Despreocupada e só deixa cair dos linhos,
Da passagem, em decote, os seios em desalinho.

O teu corpo se descobre; então se erguer,
Entrevê-se o esplendor das formas arrogantes,
E à luz do sol que espiou através das cortinas.

VII

Mais tarde em tua lide, um dia, hás de cantar,
Relembrar da memória esta era de agora,
- mas o mundo é uma areira, onde as fontes do mar,
Apagam quase sempre as memórias de outrora.

Hás de em vão ao teu zelo, esse som suplicar,
Sem arrumares nunca o que tua alma arder,
- é que a lide é duma foz a viver sem parar
E a seguir sem retornar esse mundo afora.

Não existe duas vezes! O que flama presente,
Depois ser amanhã duma senha apagada
Que em vão procurarás rever inutilmente.

Está era tudo come. Tudo se consume,
E se um dia, talvez memória teu passado,
Não mais hás de erguer, vais se quer tua sombra.

VIII

Ante o que se deslumbrou do teu culto,
Sou surgindo de atônita vã pressa,
Revejo que uma auréola dessa graça,
Dissolver em lugar de treva em que oculto.

Estas em cada verso do meu vulto,
Sombras na minha lânguida pobreza,
Vou disperso por toda natureza,
Paira o deslumbramento do teu culto.

É tua vida finda a própria vida,
Já trazendo em mim tua alma florecida,
Mas, num mistério surdo  me faz sombra.

Tu és, às minhas mãos, vagas, vultos,
Feito um sonhar que nunca se sonhasse
Ou feito a sombra vã de um outro vulto.

IX

Sob o pálio de um véu formoso de caminhantes,
A galera passar de tirias cenas tesas,
Avaçando a dentro arfando esqueletos,
Cheia de um resplendor de areias coruscantes.

Sob um dossel de luto, entre espirais ebriantes,
De incenso a escultural primeva das primevas,
Cisma seios de prata, rosa correntezas,
Deixam sombra em jardins de folhas trepidantes.

Cantando harpas doiro às mãos de ancilas belas,
Branda passagem véu enfuna a purpuras dos vultos
E à tona de água alveja uma espumosa margem.

E a náiade do espirito ao rever frota ingente,
Trespassada, ri, erguendo unicamente,
Contra as tranças  de serpe a graça de um sorriso.

X

Vira a face se eu passo; e se contudo
Teu olhar perseguir meu vulto estica,
Que me estima, por certo não indica,
Porque sugere que me odeia tudo.

Frasco em taça recipientes licores,
Ambrosias de capitosos de vinhos,
Embriagadores sendo inspiração,
Cantado, decantado exaltam relevos.

Às vezes, eu também, velozmente,
Retorna a face, finjo, indiferente,
Nem pensar que ela existe segue.

Mas, vejo, de revés, que ela exista seguem
Que o teu olhar inquieto me persegue
Cabeça de mulher, quanto é profunda!

XI

Sentamo-nos a sós à beira luar. Os prantos
Padecemos sombras que a lua vai devorando
Trepidavam o céu e o oceano escuro em pranto
Trepavam-nos os pés de alvissimas escumas.

Várias conchas de pôr ele arrastava, em dramas,
Pela rabeira arminho e de alvoradas plumas;
Mui – frações de aurora iam-se acendendo em
Algúns pedaços do véu, iam na areira escura.

Enquanto, ela, padece, o olhar pousava em nada,
Na alva cor solar nas conchas, no veludo
Na arcada do celeste cheias de negros céus.

Via-lhe o luar veste, a espuma nos seus raios,
E fica vá admirando a concha dos olhares,
Que existem enclausurada dois breves véus.

XII

Se eu resistir a essas agonias amargas
por tempo regular, Senhora, então minha vida durará
até que eu veja o esplendor de teus olhos
ofuscar-se pelo avanço de teus últimos anos,

Teus cabelos ficaram prateados e cá são ouro puro
e teus vestidos verdes e guirlandas foram deixados de lado,
teu rosto alvejado, que agora mantém minha dor sem ser dita
enquanto o recato faz com que minhas queixas sejam adiadas,

então, enfim, o Amor me fará ter coragem de tentar
contar como tem sido - o sofrimento desses longos anos
que um a um os anos, dias e horas trazendo na alma.

Se o tempo atalhar meus doces desejos até lá,
podes pelo menos ajudar minha dor quando
buscou algum conforto em um suspiro tardio.

XIII

Só podes me ofertar o silente e a amargura,
Meu pobre amor de ti espera a indiferença.
Absolve meu amor; perdoa-me a doidice,
Quem tem feito que tenho, coração, não pensa.

Há muito pela lide eu andava à busca,
De alguém que viesse encher à luz minha descrença,
Foi então quem te vi, julguei que ventura
Pudesse ainda achar nesta jornada densa.

E foi assim que um dia eu fui transcendental,
Esperei no amor; e talvez por punição
Fizeste-me arder – mas não te quero um mal.

Deus pôs-me um coração com certeza enganado;
E é por isso talvez que ainda faça há poesia,
Advertindo sonhador do século ainda vindouro.

XIV

Tu tens do arquipélago os fios de lariço,
a carne trabalhada pelos séculos do tempo,
veias que apreciaram o mar de madeira,
sangue verde ruindo do céu pra a memória.

Ninguém pegará meu coração perdido
entre tantas raízes, no frescor amargo
do sol multiplicado pela fúria da água,
ali vive a sombra que não viaja comigo.

É por isso que tu saíste de igual duma ilha
povoada e laureada por cruzes e matas
e eu senti o cheiro dos bosques errantes.

Achei o mel escuro que aceitei no Lenheiro,
e toquei em teus quadris nas pétalas sombrias
que surgiram comigo e ergueram minha alma.

XV

A luz que se monta de teus pés até teus cabelos,
a eretismo que envolve tua forma meiga,
não é de madrepérola Lenheira, nem de prata apagada:
tu és de pão, de pão amado pelo fogo em brasa.

A farinha ergueste teu celeiro consigo 
e cresceu mais com a idade ditosa,
quando os cereais dobraram teu peito
meu amor era carvão ralando na terra.

Oh, pão em tua testa, pão em tuas pernas,
pão que eu devoro e que nasceu com luz,
tu és amada, estandarte desses Lenheiros.

Uma lição de sangue que o ardor lhe deu,
da farinha tu aprende-se a ser sagrado,
e do pão a linguagem e o aroma de trigo.

XVI

O doiro e as pérolas, as flores alvas e as encarnadas
que o inverno deve empanar e depois enfadar
se demudaram em espinhos afiados e empeçonhados pra mim;
Sinto tuas perfurações em meu peito feito de esperanças.

Isso, por si só, encurtará meus dias tristes,
pois uma tristeza tão profunda perdura por muito tempo;
mas culpo ainda mais esse teu copo assassino
que tu causas te com teu olhar amoroso.

Isso fez com que parecessem apenas um som oco
quando ele defendia meu caso, por isso ficou quieto,
pois tu mesma era o único fim de teu desejo.

Esse vidro foi fundido nos imos do inferno
e mergulhado no esquecimento eterno
onde nasceu o início de minha morte entre o orbe.

XVII

O amor trouxe tua cauda de dores,
teu longo raio estático de espinhos,
e fechamos nossos olhos porque nada,
porque nenhuma ferida nos separará.

Não é culpa de teus olhos esse choro:
tuas mãos não alastraram esta espada:
teus pés não buscaram estar passagem:
o mel melancólico entrou em teu coração.

Quando o amor, feito uma onda enorme
nos bateu contra a pedra dura de mármores 
nos amassou com um único grão de trigo.

Sendo que a dor caiu em outro rosto doce
e assim, à luz da estação aberta de inverno,
a primavera ferida foi consagrada pôr tuas mãos.


XVIII

A filha de Prospero já havia olhado para baixo
nove vezes para procurar em tua alta sacada
por aquela que uma vez o fez suspirar em vão
e que agora faz outra pessoa suspirar pôr ela.

Quando, cansada de buscar por aquele,
sem saber se ela se abrigava longe ou perto,
ela se mostrou a nós como alguém perturbado
com a dor de perder o que lhe é mais caro.

E foi embora em tua tristeza, sozinha,
não conseguiu ver o rosto que lhe rendia elogios,
se eu sobreviver, preencherá mil poemas;

e ela própria parecia estar mudada pela tristeza:
olhos estavam cheios de lamúrias quando chegou em casa;
e assim o céu jazeu como estava no firmamento.

IXI

Tu atravessa as montanhas com a brisa
ou a corrente repentina que desce da Neblina 
ou então teu cabelo latejante confirma a hora,
os altos ornamentos do sol na mata do Lenheiro.

Ele vai e vem compensando teu voo reto e louro
como se estivesse deslizando de um fio invisível
a elegância da dança, a sede de tua cintura de flama,
as fortificações do exército: a água que elas retêm.

O óleo e o laranja são teu arco-íris,
ele busca como um avião na grama,
com o rumor de um pico ele voa, ofuscar-se.

enquanto tu emerge do Lenheiro, nua,
e retorna ao mundo cheio de sal e sol,
estátua reverberante e espada da areia.

XX

Se eu cresse que poderia me libertar
do peso do amor com minha morte,
com minhas próprias mãos teria assente na terra
a desta altura, este corpo odioso e teu peso;

mas como temo que isso seria ir
apenas de choros em lamentos, de duelo em duelo,
deste lado da passagem que ainda está impedida
Eu fico metade, unicamente, e metade atravesso.

Sonhos furiosos, rios de amarga certeza,
decisões mais difíceis do que os sonhos de um martelo
fluíram para a xícara dupla dos amantes,

Porque a vida nos atinge uma cólera ou um rio
e abre um túnel sangrento por meio do quais olhos 
de uma imensa família de dores se abrem.

ELEGIA TARDIA

Tua memória emergir do refrão em que vivo.
O rio Lenheiro teu lamento obstinado ao luar.

Desamparado feito as docas ao alvorecer.
É o ensejo de afastar-se, oh descuidado!

Em meu coração estão aleitando cercos dos lenheiros
Oh sempre tina de destroços, toca feroz de náufragos.

Em ti se reuniram lutas e assomos dos séculos idos.
De ti, as aves de canto içaram tuas plumagens.

Tu engoliste tudo, num alcance dos séculos idos.
feito o luar, o tempo. Tudo que em ti era um naufrágio!

Era então a hora alegre da agressão e do beijo.
Dessas horas do estupor que ustão num fanal.

A brasa de um piloto, a fúria de um nadador marinho de azul,
a camoeca turva do amor, tudo em ti eras então naufrágio!

Na infância enevoada de minha alma, alada e ferida.
Descobridor confuso, tudo em ti eras então naufrágio!

Ficaste cega pela dor, agarrou-se ao desejo,
Sendo foi derrocada pela dor, tudo em ti imergiu!

Empurrei para trás a parede dessa sombra,
Afastei-me ainda mais do desejo e desse ato então.

Porque um copo, abrigavas uma ternura infinita,
e o olvido infinito ti esmagou feito um copo  de azul.

Era a sede e a fome, e foi-se o fruto azul,
Foi o luto e as ruínas, sendo tu o milagre.

Meu despojamento foi em ti o mais terrível,
o mais tumultuoso e ébrio, o mais tenso e tenaz.

Cemitério de beijos, ainda há fogo em teus túmulos,
até os cachos se queimam bicados pelas aves.

ERIC PONTY
ERIC PONTY - POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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