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quinta-feira, dezembro 15, 2022

ELEGIAS DE KARINE - DE DEVOÇÃO E DE OLVIDAR - ERIC PONTY




 

I

Tu és tudo, minha, oh tu cume!
Tu estás no lar, e na guerra,
Nos véus, nos rastros, na terra,
No Lugar, no noturno, no dia!
Oh bruxa ventre mulher Nume,
Que minha palma declara adora,
Do véu sacro da virgem de lume,
Que se abrasa, e vigora a razão!
Tu és o perfeito perfume,
E do esmalte rubro das flores,
Vós sóis os licores fulgores,
Os céus firmam harmonia.

ll

Qual um paio clarão! Tu és a alegria, 
D’uma alma charmosa, E a cor lutuosa, 
A dor d’agonia, que escapa do peito, 
De quem vai direito à terra se baixar. 
Tu és qual deserto o tom lamentoso, 
E o eco choroso das vagas deste luar. 
Tu és a inocência, Sorriso da infância, 
Arcaico a prudência, marco o vigor, 
Herói sem demência, amor constância!

III

Breves instantes após corrido dia,
Se incômodos, plenas, de cansaço,
Inda o traço a sentir quebrado e manso,
Posso a ti me esfregar alegria.

Desta varanda aberta ao meio dia,
Do clarão em cheio a clarear terraço,
Vejo-te vir, escuto leve passo,
Na transcendência azul do meio dia.

Chegas. Opúsculo teu vivifica.
Mas é já tarde! Tão veloz flutuas,
Tornando chama à etérea imensidade.

E na pressa transcrevo apenas fica,
Sobre alvo véu, - rastro faces tuas –
Sombra dum pensamento, uma vaidade.

IV

Baixa em mim, calma angélica e impoluta!
Trazendo ermo sol da Primavera,
A fonte que a foz seca refrigera,
A pluma de romã carvalho, e a dor e a luta...

Muda essa ruela, constelada esfera,
Pena, em que hálito, solitária gruta!
Afronta meu seio! Ei-lo a toar... Avulta
Essa razão ansiosa, que te espera!

Chega tal qual em meu delírio insano,
A calma te sonha, glorifica e sente,
Gêmea, não: ser terrestre e sobre-humano!

Contudo acaso assim não és, retêm-te!
Não chegas! Aborde-a nesse ocre engano!
Deixa-a apartar-te na mão eternamente!

V

Oh que das flores amanhece o dia!
Porque entre flores nos madruga a Aurora,
Trazendo em laços esse Sol, que agora
Faça ser dar-se Sol da academia.

E vós da sorte estrela, a todos guia
Vende com flores tantas protetoras
Destas flores, pois sendo melhor afloras,
Sem vela, e sem vós mal parecia.

Ô Fêmea gentil, divos, resplendores,
Pavio a pavio lograis, que raiz mais bela,
Dos verdes vos dá mais superiores.

Oh quanto brilhareis! Que dais nela,
Soube recopilar com tais primores
Entre flores o Sol, Aurora e Estrela.

VI

Ausentou-se Prezada, e ocultou,
Raiz com que nas redes assistiu,
Tudo em relvas na ausência confundiu,
Porque gemido todo sol tragou.

Dizem Louvor de medo a retirou,
Tão afã, que a si própria se feriu,
Porque da imagem, que narcisa viu,
Só filha persuadir-se, que cegou.

Por retê-la na relva de olho mau,
Na região de Vênus a escondeu,
Ou em laivo, de que sabe a vau.

Quem sabe por arrobo assim céu,
Ou tesão embarcado numa nau,
Ou atada a um Pinheiro prometeu!

VII

Os ruídos surgem exalaram pompas, 
Passam na mensagem, surdinas trompas, 
Qual Minerva longo céu aposte logros! 
pascer, do sempre mármore do agro! 

Após ser do apesar, fulgidas Tebas, 
resguarda avantesma crê catacumbas,
Audácia pura fim ateando a bruma 
No inaudível do céu mausoléu duma.

Discreta fronte véu pastorear! 
Mitra apreciar essa luz que repousa, 
ópera gasta eterna ecoa-se à lousa. 

Ó templo anima abunda despejar! 
Aceder ouros climas vão acercava
friezas das minas, quisto nos transcreva.

VIII

Palma suave leito enrugado,
Em que as estrelas adormecidas,
Haviam deixado pingentes
Ao subir rumo ao céu!

Tal era esse leito
Descansadas se reencontram
Claras e incandescentes
Entre os astros amigos
Em seu impulso sempiterno?

Ó leitos de minhas mãos,
Abandonados e frios,
Ligeiros de pesos ausentes
Destes astros brônzeos.

IX

Rupestre penúltima palavra,
Dirás que será nossa miséria
Porém entre a consciência mãe
A última será de formosura!

Pois tentamos resumir
Todos esforços de desejos
Que nenhum gosto amargo
Poderia conter.

X

Se cantamos a um deus,
Esse deus nos responde com silêncio.
Nenhum de nós avança
Senão existia aquele deus silencioso.

Este diálogo imperceptível
Que nos faz tremer no íntimo
Se volta com a herança dum anjo
Sem ser nosso.

XI

Ele que tem razão do centauro,
Que saltos cruzam as estações,
Do mundo recém-nascido
Ao que anseie com força.

Está tão só o hermafrodita
Tão completo em sua morada.
Por todos lados buscamos
Metade perdida dos semideuses.

XII

Ó belo corno inclinado,
Desde onde? Ficava a nossa espera
Tu, que não passa mais que pendente
Em forma de caliça, transforma-te!

Flores, flores, flores,
Que ao cair lhe fazem o leito
As margaridas redondas
De tantos frutos maduros!

E todo esse fim,
Nos ataca e balança
Para castigar a insuficiência
Da plenitude de nosso coração.

Ó corno demasiado amplo,
Que milagre te operaste!
Ó corno da caça, que tocas
Coisas ao sopro do céu.

XIII

Assim como uma copa veneziana
Sabe ao nascer neste gris
E da claridade incerta
Da que prenderá.

Assim tuas ternas mãos,
Haviam sonhando
Ser uma lenta balança
De nossos pretórios instantes.

XIV

Doce pastor que sobrevive
Ternamente em suas funções
Levando sobre o ombro
Uma trouxa de ovelha.
Doce pastor que sobrevive
No amarelado marfim
Ao seu papel de pastor.
Teu rebanho abolido
Dura tanto como tu
Nesta lenta melancolia
De seu serviçal figura
Que resume no infinito
A trégua de ativas defesas!

XV

Eu indago Amarílis, tu infeliz,
agravar aos deuses deem maçãs,
atrelar sobre Albas tão nativas
Tityrus partiu a casa pinhos confins
Tityrus, o vero maio, vera água,
Aqui ficaram atraídos a ti!

Logo que nos raspar a mão da sorte,
ou seja, nesta serra, ou noutra terra,
Nossos laços terão, farão a corte
De esgotar os dois a mesma terra.
Na calpa, cingida de ciprestes,
Predirão dos vocábulos os louvores:
“Quem ansiar ser ditoso nos amores,
Adote dos moldes nos deram destes.”
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

Alvedrio que ainda tardio, não alçou
olhos sobre mim em minha fadiga,
Do feitio minhas barbas põem-se
branquear-se corto com tesouras.
Mas ela ainda lance os seus olhos 
sobre mim, chega-se após longo tempo!

Apesar muitos leitores aceitem
dos meus mais alvos versos 
destorcidos cidades inférteis, jamais
minha mão veio à Vila Rica em cobre.

XVI

Quando ficar velha, hirta à lareira, 
vendo fronte fios do círio de crepúsculo, 
vai-se olvidar-me versos dadivosos, 
Ronsard fez com louvor igual destreza.

Não será mais qualquer donzela, 
ao fim labor adentrar no sono, 
ouvirá ecoar sibila versos 
louvaram-te dum dia em teu nome imortal.

Sob a terra, à Alba sombra etérea
jazerei ausente! E junto à lareira,
idosa, soluçará meu amor
na briosa simpatia.

Viva, se me escuta, não espere o amanhã: 
hoje angarie as rosas sutis dessa vida.

XVII

Eu, Karine, não sou algum barqueiro, 
que viver resguardar alheio prazo;
De tosco fardo, confissões grosseiras,
Dos rios pelos e dos sóis jazem amado. 
Tenho próprio missal e nele insisto; 
dão-me versos, efígies, culto, leite; 
de brancos carneirinhos tiro tíbia, 
E mais às finas lãs, de que me avisto. 
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

Eu vi-lhe meu aspecto numa fronte:
são fatos inda não está contado; 
São louvores que habitam este monte 
veneram a força de meu estado.
Com tal certeza bulo a margenzinha
Que invídia até tem a própria cistite
Ao som puro convênio à foz campestre; 
nem verso letra que não seja minha, 
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

Mas tendo tantos dores da ventura, 
Só afeto lhes flor, pastora pura,
Logo que me abateu me apanha
Que esperas do que lenho ser penhora.
É boa, minha Karine, é boa ser dona
De um estranho, que furte monte e arado; 
mas já, linda pastora, o teu passado
Acode mais dum gado e fulge mais trono. 
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

A tua visão alastrar-se foz divina,
Há quem a foz do Sol em vão em treva; 
Rosa-da-china ou rosa suave e expira
Te ganga as faces, que são cor da aragem!

As tuas penugens são uns lírios d’ouro;
Teu gentil corpo fragrâncias apavora. 
Ah! Não, não fez o véu, linda pastora, 
Para auréola de Amor igual fisco!
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

Alterar viveiro muito conquanto
do fio, sobre o palco levantado;
Revogue, apronte a surto homicida,
Sem trocar uma rês, o nédio fardo.
Já posto bens, Karine, não sucinto
Nem me pega a paixão, que o mundo devasta; 
para durar feliz, Karine, chega
Que os olhos mexas, e me dês sorriso. 
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

Irás a entreter-se na metáfora,
Aguentada, Karine, no meu abraço;
Aqui sossegarei a ardente testa, 
repousando leve sopor jaz teu laço; 
enquanto a pugna atira os louvores, 
E acoplados veem à surdina, 
esvairei teus cabelos de menina, 
na estirpe escreverei os teus condores. 
Perdões, Karine bela,
Perdões à má fortuna!

XVIII

Vasto esplêndido céu justo do mundo, 
amplo repouso! Céu elevar-se fundo,
meu pomposo! Edifício a pascer palma, 
soberbo apura mil dos templos, alma!

Estação da morada anseia furto,
qual flama pena aprumo no vão surto,
tudo protege olhar vazio do vulto,
Noz cinge Altíssimo do ser ao culto.

Cintilação pastar-se tão serena,
despojado refém se ouve sua amena,
pena vazada bronze anexo cena.

Ô Proeza atração que transtorna a fera,
fez seu tom vero brônzeo rente ao fundo. 
Qual do eco o sino prato fastio era.

XIX

Nos seixos é nome
obteve mais dela
há surpresa altivez
resume renome
tez costume ela!
qual laço quebrado
pinta gosto rês.

São seixos têm honra
de quem dança dorso
ser despir que fala
tanger luminosa
rubra melindrosa
aboca segura
lucro tanta alvura!

Antes que profundo
ainda olhar fundo
cativando assim
de pele Sahara
templo rosa inunda
transpuser aos seixos
fez sorte zombar.

XX
Acercar-se um dia Amor a tornar rende, 
retrograda este ímpio do penhor,
que receia, e, que não querem, o prende, 
desta alegria penar par louvor.

Se atrair chama minha que se renda,
Fé, e o enorme e infindo se despe amor, 
vossa certeza, vosso vício pendam, 
compungir tarde donde alguém se prenda.

E eu estou lhe atraindo este alvedrio, 
caso viver o lacre sevo pio,
é provisório brando à noiva idade.

E desejo pensar reto céu escolta,
vendo quiçá do anjo homem crueldade, 
ter vossa do meu ser vendeta volta!

Quisera eu meigo amada Karine rês, 
olvidar-se de mim senhora três,
desejo plácido ave aflora à tez,
sutil advém voltar amores vez.

XXI

Exausto vida ponho máscara Alba, 
floresta cinge flores pias de adoba, 
sôfregos pedem vão perdão da alcoba, 
sonha-lha mais que fogo clama arriba!

Pássaros, credos, sós, sem voo saga, 
extasiados seres dragam à vaga,
reunidos lajens funda efígie rara.

Só coração se pasce campo vágado,
eis aqui perto aguagem quieto arado, 
este quis o céu reto te faz o planado.

ERIC PONTY
POETA-TRADUTOR-LIBRETISTA ERIC PONTY

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