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domingo, fevereiro 27, 2022

Dez Estudos sobre a forma fixa - Eric Ponty

I
Sou tão exausto sol num feixe antigo,
Das culpas e mau uso em que existia,
Que temo de perder forças na estrada,
E de cair nas mãos dum Erébo.

Bem veio a libertar-me uma grande sombra,
Por suma e inefável cortesia,
Mas voou-me da vista dum nefasto,
E em vão a olhá-lo agora que liberto.

Mas sua voz inda por cá flameja,
- Vós que sofreis, na via tomai rito,
Vinde até mim, se o passo não encerra.

 II
Eu nunca fui de amar-vos contra fé,
Senhora, e quanto eu vivo isso vós digo,
Mas meu ódio de mim já me habilito,
E do choro contínuo estou já farto.

E antes a mim sepulcro em alvo dardo,
Que vosso nome por meu mal já grito,
Num mármore, onde fique sem meu látego,
A carne em que inda o posso ter comido.

E se este peito em amoroso véu,
Vos pode contentar, e sem mau olhar,
Dele querais agora haver ter fé.

Mas, se quer saciar-se farto fato,
Erra o vosso desdém perde o que vê,
Do que a Amor e a mim mesmo eu fico farto.

Que graças e que amor do que destino,
Me dão penas a modos duma pomba,
Que a repousar me ergam sobre a Terra?

III

Sempre terei em ódio aquela árvore,
De onde amor me traçou mim fados tais,
Sem terem sido alguns deles mortais,
Que é bom morrer, enquanto a vida é lesa.

Mas a prisão terrestre me é horrenda,
Causa, aí de mim, de mim fados a mais,
E mais me dói o serem-me fatais,
Se a alma ao coração ligada alva.

Mísera! Que devera ter ignora,
Por longa advertência que ora o tempo,
Não há quem revolta atrás ou freie ao menos.

E tanta vez a tinha eu advertido,
- Vai-te pois, riste, que não vai o tempo
Quem deixa atrás os dias mais que ternos.

IV

Tal como o bom archeiro que depõe,
A corda ao arco e mesmo ao longe triste,
Qual tiro vai ganhar e qual faz fé,
De que na alva a que apontara troca.

O tiro assim que vosso olhar se põe,
Senhora, dentro em mim olhas como é,
Certeira, e pela chaga vem até
Ao leito eterno choro descoloca.

E certo sou que haveis suspirar:
- Mísero desta lua! A que desejo acena?
Eis fardo de que amor o que matar.

Vendo agora prender-me flor tão plena,
Quando inda os inimigos vem matar,
Não é por morte, é sim por maior gozo.

V

Fugindo o cárcere onde amor me há fito,
Tanto ano a mim rezando o que quisesse,
Senhoras, fora longo se falasse,
Quanto em tal liberdade fui ser tido.

Dizia o coração não ter reposta,
Viver sozinho um dia; e eis me apetece,
O credo que tal máscara guarnece,
Que um mais tolo do que eu tinha iludido.

E a suspirar às vezes da estrada,
Disse: - ai! Pulo, cadeias, terra tal,
Mais flores me eram do que andar já pleno. –

Mísero eu, que tarde vi meu sal,
E hoje em quanta estiva libertado,
Das falhas de que eu mesmo me era vulto!

VI

Essa dama que amaste sem um vulto,
Subitamente a eis de nós na lida,
E tanto quando espero ao léu subida,
Tanto suas flores fatos foram suaves.

Retorna tu agora as duas árvores,
Do teu flanco que ela detinha na lida,
E à via dela vai sem perspectiva,
Nem de entraves terrenos mais te agraves.

Pois que a chama maior assim cai lento,
as outras faces deita em ágil sorte,
subindo pássaro réu e escorreito.

Bem vês que hora como corre à morte,
Toda a coisa criada e flama encanta,
Tem de ir mais ágil ao perigoso estreito.

VII

- Escreve, deu-me vã louvor das letras,
Escreve quando viste em farpas de ouro,
Diz-me qual sequazes descoloro,
E os faço almas- vivas num momento.

Houve numa era em ti tal sentimento,
Flamula exemplo ao amoroso céu,
Depois sais-me do chão por outro loco,
Mas te alcançou na busca o meu intento.

E se foi aos olhares me viste, lá,
Onde estivera o meu flanco reduto,
Quando abri de tua flama a carapaça.

Flanco me devolvem que espedaça,
Talvez não tenhas sempre a face enxuta;
Que eu me nutro de chama e o sabes já.

VIII

Cantai Mulher, convosco puro amor,
Chorais ouvintes cada em país seu;
Porque é já morto aquele ouviu,
No mundo pra vos dar fama e louvor.

Eu, quanto a mim, só peco à acerba dor,
Que não detenha choro e seja ao meu,
Suspirar tão formoso careceu,
De em desafogo coração me dar.

Chorem estrelas, rimas inda os astros,
Por o nosso amoroso mestre Mahler,
Recentemente ter de nós jazido.

Chorem irmãos que vão ser perversos,
Que jazeram tão doce luar ao céu,
E alegre-se o poente que já subido.

IX

Pois me é verdade à via da Mercês,
Caminho desespero eis-me no meu fado,
Olhares onde estava ( por que fardo?)
Reposta o galardão do que eu cria.

Nutro o frente a suspiros (mais não tem),
Existo pranto ao dolo destinado:
Nem mesmo isso corrói, que em tal estado,
Flauta do pranto mais do que se crê.

E somente da imagem eu me atenho:
E em vãos tão contrários, vento frágil,
Me ergue nesse luar e sem governo.

X

Eu cantaria de amor tão novamente,
Que arrancara ao dia por mil gemidos,
Ao duro peito, indo acender subidos
Gemidos mil de novo à fria morte.

E na face mudar vira frequente
E em pena olhares banharem movidos,
Qual sóis quem dos martírios foi nos dados,
E de sua pena tarde é penitente;

E as flores vermelhas entre as árvores,
Mover a brisa agora achar marfim,
Fez mármore que perto o tenha olhado;

E tudo o mais por que no cantar breve,
Não me reprovo de antes de louvor,
Por a razão mais arda ter chegado.

Tão cheio de erros parcos em vão saber,
Que eu mesmo nem sequer sei o que quero,
E já tremer Fastio ardo do suspiro.
Eric Ponty


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