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quinta-feira, maio 06, 2021

O CEMITÉRIO MARINHO - PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY - (DUAS VERSÕES) - Apressatação: João da Penha

          A poesia de Valéry

                O som e as ideias. A expressão e o conteúdo. São esses os elementos básicos de que a língua se nutre; sobre eles é que o tradutor se debruça e os que mais desafiam sua capacidade de fazer uma travessia - da língua-fonte para a língua-alvo - sem maiores sobressaltos. Vale dizer, escapar da pecha infamante, mas seguramente injusta, de que todo tradutor é um traidor. Alguns, não todos. O adágio célebre - traduttore, traditore - é sonoro, mas insisto, injusto. Se a traição não é ato digno de elogios, a quebra da fidelidade pelo tradutor nem sempre é dolosa. Culposa, talvez. Há atenuantes. É aceitável, mesmo que não preferível, uma tradução pouco rigorosa da obra de um autor como Halldór Laxness, de uma literatura quase inacessível, a islandesa, do que nada. Afinal, quantos falantes do idioma islandês há no mundo? E o que dizer de um escritor de língua tuva (ou tuvana), falada por uma etnia mongol? Como desfrutar da obra de artistas da palavra, escrita em idiomas de pouco ou nenhum trânsito fora das fronteiras de seus criadores, sem o recurso à tradução?
           Espinhosa, portanto, é a tarefa do tradutor. Um profissional da área, Geir Campos, também poeta, lamentou que os tradutores são sempre injustiçados, pois só se lhes apontam os erros, nunca os acertos. Millôr Fernandes, tentando consolar o queixoso, ponderou que acerto não tem graça...
           A lamúria vem de longe. Muitas décadas atrás, Valery Larbaud, poliglota autodidata, dominando seis idiomas, aprendidos ainda na juventude, autor da primeira tradução do "Ulisses" de Joyce para a língua francesa, notou que o tradutor não recebe reconhecimento pelo seu ofício, cabendo-lhe sentar-se no último lugar, vivendo apenas de esmolas (em alguns casos, a expressão pode até não ser apenas metafórica...), preenchendo as mais humildes funções, desempenhando os papéis mais apagados. "Servir", diz ele, é a divisa de um tradutor: "ele não pede nada para si mesmo e põe toda a sua glória em ser fiel aos mestres que escolheu, fiel até o aniquilamento de sua própria personalidade intelectual. Ignorá-lo, recusar-lhe toda consideração, não o mencionar na maioria das vezes, senão para o acusar - muitas vezes, sem provas - de haver traído aquele que quis interpretar, desdenhá-lo mesmo quando sua obra nos satisfaz" ("Sob a invocação de São Jerônimo", Editora Mandarim, 2001, p.13).
           Octavio Paz, por seu lado, no precioso opúsculo "Traducción: literatura y literalidad", observou que todo texto é único, mas é igualmente a tradução de outro texto, porque, argumenta o poeta e pensador mexicano, a própria língua já é uma tradução - primeiramente, tradução do mundo não-verbal; depois, porque todo signo e toda frase são traduções de outro signo e outra frase. Enfim, resume Paz, em certa medida toda tradução é uma criação, e, por isso, por si só forma um texto único.
           Traduzir é transfundir. É verter. É transvasar. O tradutor é um artífice; é o artesão que articula a passagem de um código linguístico a outro, que injeta o sangue de uma língua na outra. Esses são os procedimentos adotados por todo tradutor em seu mister. O tradutor faz as palavras translocarem-se de um código para outro. Uma boa tradução não é transparente, é translúcida. Quer dizer, embora deixe passar a luz, deve evitar a visão nítida do objeto, a língua-fonte, para iluminar por completo a lingua-alvo. A língua-fonte transparece. A língua-alvo aparece. E o tradutor consegue essa proeza quando alcança a suficiente correspondência entre as duas línguas. Ou isso, ou a tradução se resumirá à acomodação de um léxico a uma estrutura linguística que lhe é estranha; algo comparável a um músico que use harmonias jazzísticas para, por exemplo, encaixá-las na melodia do baião. Nesse caso, na mais amena das hipóteses, o resultado soará extravagante. E essa é uma das armadilhas da tradução, contra as quais somos prevenidos pelo mestre Paulo Rónai em seu clássico "A tradução vivida", entre as quais ele arrola as ciladas dos homônimos e dos parônimos, os perigos da polissemia, as ilusões do instinto etimológico e as emboscadas dos "falsos amigos"
           "A tradução é fundamental desde a Torre de Babel, isto é, desde o momento em que as mais diversas línguas passaram a ser faladas em nosso planeta", esclarece outro mestre do ofício, Erwin Theodor ("Tradução: Ofício e Arte", Ed. Cultrix, 1976, p. 11).
           Numa das epístolas neotestamentárias, mais exatamente numa carta paulina (IICo 12:4), está dito que há palavras inefáveis, portanto fora da capacidade do homem de repeti-las. Mas, lembra Theodor, op. cit., p. 14, "existindo a língua, existe também a tradução". Logo, tudo, diante disso, é traduzível.
           Voltamos, então, ao problema da fidelidade.
           Pierre Menard, nos mostra seu criador Jorge Luís Borges, fracassou no intento de consagrar-se como um tradutor da fidelidade total. Quis reconstituir o Quixote de Cervantes, mas deu com os burros n'água.
           Brenno Silveira, como os já aqui citados, também tradutor e teórico da tradução de alto coturno, em "A arte de traduzir", adverte que a tradução não se resume a conhecer uma língua estrangeira e reescrever o texto em língua vernácula palavra por palavra, frase por frase. O tradutor precisa de outros atributos, como cultura ampla, não apenas literária, mas histórica, entre outros conhecimentos, além, claro, de talento artístico, pois traduzir é uma arte.
           A fidelidade de uma tradução, às vezes, se vê ameaçada por episódios biográficos do autor traduzido e ignorados pelo tradutor. Brito Broca, crítico literário dos mais afamados em sua época, comentando a tradução de Gondim da Fonseca para o soneto "Voyelles", de Rimbaud, em nota incluída no livro "Horas de leitura", INL, 1957, fez reparos à versão para o português do último verso. Com efeito, O l'Omega rayon violet de Ses Yeux, Gondim, escolhendo deixar de lado a homossexualidade do poeta francês e presumindo que o objeto de sua admiração fosse uma mulher, traduziu-o assim:
           "O, Omega, fulgor lilás dos olhos d'Ela".
           Ora, o verso não indica claramente a quem Rimbaud se dirige.
           Há defensores, na área da poesia, de uma coisa chamada "transcriação", processo que, alega-se, superaria os percalços do velho ato de traduzir. Tudo se resumiria, no caso, a priorizar a forma, relegando o sentido a um segundo plano. Aceita a tese, caberia ao transcriador recriar integralmente o poema. É uma escolha, claro, e, como tal, discutível.
           Eric Ponty não se alinha entre os transcriadores. Prefere simplesmente filiar-se ao grupo dos tradutores. E, assim como Renan recomendava escrever apenas sobre aquilo de que gostamos, Ponty só traduz os poetas de sua preferência. Paul Valéry é um deles. E se não é obrigatório, é recomendável haver afinidade entre o tradutor e a obra. E essa comunhão estética entre o tradutor e o traduzido, deixadas as possíveis diferenças de lado, está patente nos poemas aqui recolhidos.
           Valéry, devoto, à sua maneira, de Mallarmé, é poeta pouco afeito a facilitar a vida do leitor, pois a poesia, disse ele, n'a pas les moins du monde pour objet de communiquer à quelque notion déterminée. O poeta prefere, acima de tudo, os significantes. É poesia sobre poesia. O resto é com o leitor.
           Valéry viu a poesia como uma forma de a linguagem articular aquilo que os gestos, os beijos, as lágrimas, os suspiros só muito obscuramente conseguem exprimir. Sob o lema de Mallarmé, segundo o qual o ideal é sugerir e não nomear um objeto, pois nomeá-lo é quase anular o gozo do poema (para quê identificar um leque? basta sugeri-lo: Ce blanc vol fermé que tu poses/Contre le feu d'un bracelet), Valéry buscou extrair das palavras todo o seu poder de sugestão, embora, diferentemente de seu modelo, manteve a versificação tradicional.(Valéry, já houve quem o dissesse, não era verdadeiramente um modernista, nem no estilo nem na poética; quanto à Mallarmé, um dos bonzos dos modernólatras que cultivam a alegada crise do verso, uma espécie de S. João Batista das vanguardas poéticas do século XX, assim reverenciado por seus admiradores, sua leitura deixa sempre, salvo no leitor menos atento, o gosto de uma artificialidade lírica).
           Ainda caminhando na senda mallarmaica, o autor de Le cimetière marin desbastou sua poesia de toda forma de sentimentalismo, rejeição comparável a seu repúdio à egolatria romântica. Mas essa poesia, a de Valéry, carrega uma musicalidade ausente (ou pouco relevante) em Mallarmé e expressivamente atuante em Rimbaud e Verlaine. Aliás, é deste último o apelo: de la musique avant toute chose...
           E é esta música que o tradutor Eric Ponty capta.

João da Penha - Escritor e jornalista, traduziu os poetas russos Sierguei Iessiênin, Alieksandr Blok, Marina Tsviêtáieva e Anna Armátova


Esse teto, tranquilo de pombas,
Palpita entre os pinheiros e as tumbas.
O Meio dia justo nele encendei,
O mar, O mar, sem cessar empezando…
Recompensa após dum pensamento:
Olhar pôr fim à calma dos deuses.

Que labor dos relâmpagos consuma
Tanto diamante invisível espuma,
 E que paz, parece conceber-se!
 Quando sobre abismo um sol repousa,
 Trabalhos puros de uma eterna causa,
 Refúgio ao tempo é sonhar é saber.

Tesouro estável e Minerva templo,
 Massa de calma e visível reserva,
 Água que pisca, Olho que guardas
 Baixo um velo de chama tanto sonho,
 ó, meu silêncio! Nessa alma edifício,
 Mas alto douro com mil telhas, Teto.

Templo do Tempo, suspiro cifra!
A está pureza subo e me acostumo,
De minha marinha mirada encerra.
Qual minha oferta suprema aos deuses,
A centelha tão serena semeia,
N´ altitude soberano desdém.

Quão em fruição a fruta se deslace
Em sua ausência delicia se converte,
Então morre sua forma em uma boca,
Aspiro aqui minha futura fumaça,
E o céu canta à alma consumida
Mudança da orelha em seus rumores.

Olha-me a mim, que move, belo céu.
 Despois de tanto orgulho e tão extrema
 Ociosidade, mas plena de potência,
 A este brilhante espaço me abandono:
 Sobre mansões Mortos vai minha sombra,
 Que me somete ao seu brando vaivém.

A teias de solstício à alma exposta,
eu te sustenho, admirável justiça,
 Dessa luz: luz em armas sem Piedade.
 Ao teu lugar, e pura, te devolvo,
 Mira-te. Porém… devolver as luzes
 Uma adusta metade supõe na sombra.

Para mim só, em mim só, em mim mesmo
E junto ao um coração, do verso fonte,
Entre do vazio e do sucesso puro,
De meu brio interna espero o eco:
És a amarga cisterna que na alma
Faz sonhar, futuro sempre, um oco.

Sabes, falso cativo dos frondes,
Golfo glutão que de grelhas soltas,
 Sobre meu olhar, fúlgidos secretos,
 Corpo ao fim me arrastra a sua pureza,
 Que frente cá lhe inclina a terra óssea?
 Uma centelha pensa em meus ausentes.

Cerrado, sacro —fogo sem matéria—
Torrão terrestre à luz oferecido,
 Meu lugar este lugar: embaixo antorchas,
 Douros e pedras, dessas árvores úmbrias,
 Trémulo mármo abaixo tantas sombras.
 Mar fiel dorme cá, sobre minhas tumbas.

Ao idólatra aparta, cadela esplêndida!
Quando, sorriso do Pastor, eu só,
Apascento, carneiros misteriosos,
Branco rebanho tranquilas tumbas,
Alija-me às prudentes das pombas,
Os sonhos vãos, aos curiosos anjos.

O prevenir, cá, só és aspereza.
Nítido inseto que rasca aridez,
Queima ascende por todos ares todo:
Em que severa essência recebido?
Ébria essência ao fim, a vida é vasta,
E a agonia é doce, e Claro o ânimo.

Mortos ocultos! Estão bem: cá terra
Os reaquece e seca seu mistério.
 Sem movimento, acima, o Meio dia,
 Em si se pensa e convêm consigo…
 Testa completa e perfeito diadema,
 Sendo sou em ti à secreta mudança.

Eu, só eu, contenho teus temores.
Minha contrição, dúvidas, meus apertos
São defeito de teu grande diamante.
Porém em sua noite, grávida de mármo,
Um vago povo, entre raízes d´árvores,
Por ti se hão decidido lentamente.

Já se hão anulado uma espessa ausência,
Roxa argila há bebido alva espécie,
O dom de vida há passado às flores.
Aonde estarão as frases familiares,
N´arte pessoal, às almas únicas?
Nas fontes do canto larvas filam.

Gritos, entre irritadas, mocinhas,
Olhos e dentes, arpados molhados,
Sendo amável que joga com o fogo,
Sangue brilhar nos lábios que se rendem,
Últimos dons, dedos defensores:
Baixa terra vão todo e entra em jogo.

E há um esperas um sonho tua, grão alma,
Que já não tenha está cor de embuste
Que nossos olhos mostram ondas e ouro?
Cantarás quando sejas vaporosa?
Tudo ouçam. Porosa é minha presencia,
E também à impaciência santa morre.

Fraca imortal dourada e negra,
Consoladora de laurel horrível,
Em seio maternal mudas à morte:
Belo embuste e ao ardil piedoso.
Quem não sabe e não foge do crâneo
Vazio, desse riso sempiterno!

Fundos pais, desabitadas testas,
Que sóis terra e confundis os passos,
Debaixo peso de pás tantas pás,
Não é pra dormentes abaixo lousas
O roedor gusano irrefutável,
Que não me deixa a mim. De vida vive.

Acaso amor, o ódio de mim mesmo?
Tão cerco desculpa seu secreto dente,
 Que pode pra lhe servir todo nome.
 Não importa. Sempre sonha, quer, toca,
 Vê: lhes gostam minha carne. Eu, vivo,
 Ai, de pertencer a este vivente!

Zenão, cruel Zenão, Zenão de Eleia!
Me há traspassado com flecha alada
Que vibra e voa, porém nunca voa.
Me creia o som e a flecha me mata.
Ó sol, Ó sol! Que sombra de tartaruga
Pra alma: si, em marcha Aquiles, quieto!

Não, não, de pé. A era, sucessiva.
Rompa o corpo está forma pensativa.
Beba meu seio este nascer do vento.
Uma frescura, do mar exalada,
Me trai Minh ‘alma. Salgada potência!
Ao reviver nessa onda, corramos!

Sim, mar, grão mar de delírios dotado,
Pele de pantera e clámide calada
Por tantos, tantos ídolos do sol,
Ébria carne azul, hidra absoluta,
Que te mordeu a cauda refulgente
 Num tumulto análogo ao silêncio.

Ao vento volve, intentemos vida,
Abre encerra meu livro ao ar imenso,
Com rocas se atreve a onda em polvo.
Voem, voem, páginas deslumbradas.
Ondas, rompem gozosos ao tranquilo
O Teto donde os foques picotei-a.
PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY
Tranquilo teto donde marcham pombas,
pinhos palpitam, dentre destas tumbas,
o justo meio dia compôs das luzes!
O mar, mar sempre do recomeçado,
Oh, recompensa, após de um pensado,
que um longo olhar faz sobre calma deuses!

Puro trabalho fim que se consuma
imperceptível brio diamante escuma,
qual paz parece para conservar!
E sobre abismo quando sol repousa
obras puras eterna desta causa,
Cintila tempo é saber sonhar.

Firme ouro, templo simples à Minerva,
massa da calma, e visível reserva,
água exigente olho guarda-se ao alto,
Tanto de repouso volta da flama,
Meu silente! . . . Edifício dessa d´alma,
acima d'ouro ou das mil telhas, Teto!

Tempo do templo, só suspira sumo,
é deste ponto alcanço me acostumo,
tudo resguarda olhar meu do oceano
do Criador de doação tão soberana,
cintilação semear-nos já serena,
é no desdém que me alço soberano.

Quanto fundida fruta desta essência
que dum deleite altera sua existência,
boca onde forma se faz morredor.
Aqui sou fumo vero eu meu assuma,
é canta do céu da alma que consuma,
a mudança das margens em fragor.

Belo céu, vero guarda céu alterável,
após de tanto orgulho do estranhável,
ócio total do pleno do poder.
Eu me abandono brio deste espaço,
mansões dos mortos, sombra minha ao passo,
que domestica frágil no mover.

Almas expostas tochas do solstício,
admirável justiça, eu lhe apoio,
das quais das luzes armam da piedade!
Eu me só rendo prima da pureza:
Que me resguarda!...Junto à luz beleza
suposto espectro triste da metade.

Ó para meu eu, mim, para mim mesmo,
da fonte poema, do imo de tão próximo,
dentre da vida mais me envolve puro;
Eu espero do eco do amplo minha interna,
amarga, sombra do som da cisterna,
tocar-me d´alma d´oco do futuro!

Sabes tu, falso preso da folhagem,
comedor golfos magros da linhagem,
são meus fechados olhos fascinados,
corpo me arrasta até fim folgaria,
que fronte o atrai está terra de ossaria?
Uma centelha pensou se ausentados.

Ferido sacro, pleno fel conduz,
fração terrestre oferta para luz,
que o léu me fez, domínio destes círios;
Composto douro, pedras, cedros umbrias,
que mármor tremam sobre estas úmbrias;
Mar fiel dorme sobre cemitérios!

Cão arreda deste crente do esplendor!
Qual solitário riso do pastor,
perpétuos dos carneiros misteriosos
branco rebanho calmas destas tumbas,
distantes as prudentes alvas pombas,
sonhos altivos, anjos tão curiosos.

Aqui vindo futuro lenta moleza,
é claro inseto arranha-se na frieza,
todo queimado vence aceita ar,
que não sei da severa da existência...
A vida vasta livre desta ausência,
e amargura é doce alma clarear!

Mortos ocultos são bem territórios,
é lhes aquecem secam seus mistérios,
do meio do alto, meio alterações,
ajuízam de si, acenam de si mesma...
Fronte finda perfeito do diadema,
Eu sou de sua da oculta mutação.

Tudo é meu conter de suas coações!
Lamentos, dúvida, entre minhas pressões,
são das falhas extensas do diamante…
Noite doridas são pesados mármores,
erram o povo tronco destas árvores,
extraídos outra vez partir errante.

Eles têm fundo espessa desta falta
argila rubra bebe a branca casta;
Dom da vida passou a floração!
São dos mortos dicções familiares,
Arte pessoal das almas singulares?
Larva mudada fia lamentação!

Gritos tão de agudos, moças iradas,
olhos dos dentes, pálpebras miradas
seio encantado face deste fogo,
do sangue fulgiu lábios se renderam,
últimos dons, os dedos que acorreram,
De tudo que há na terra esvai vai jogo!

Você boa alma espera sonhos danos,
das cores aura são dos sempre enganos,
olhos de carne onda, se fez aquém ?
Atraíram quando for tão vaporosa?
Vá! Tudo evade! Minha está porosa,
santa impaciência morreu também!

Magra imortal sombria deste doirado
consolador do medo do laureado,
da morte seio fez tão maternal,
bela mentira dó que desta acusa!
Que nem conhece, quem que lhe recusa,
crânio vazio de riso de eternal!

Profundos pais, de testa inabitada,
embaixo pesos tantas já pazadas,
terra confunde passam do jamais.
Roedor do vero verme irrefutável,
é ponto desta tábua do dormível,
viver da vida não se ata jamais!

Amor, por mim, eu mesmo será cisma?
Dente secreto está que me aproxima,
dos quais os nomes ele convencer!
Importa! Vê! Sonhando quer pegada!
Manta de carne agrada até camada
vivente eu deste volto pertencer!

Zenão! Cruel Zenão! Zenão d’Eleia!
Mas furo deste dardo se volteia
vibrar nem voa, mais voeja do jamais!
Som me infantil me mata dardo fuga!
Ah! Sol... Qual sombra desta tartaruga
Aquiles d´alma grande passo mais!

Não! Não! … Levante! Tempo do exaustivo!
Confine corpo, forma, pensativo!
Beba do meu seio vento nascente!
Oh frescor, deste mar tão de exaltado,
Torna minha alma! Fonte do salgado!
Corram voltando d´onda do vivente!

Oh! Grande mar delírios de doirados,
Pele pantera, Clâmide em tornados,
dos mil e mil dos ídolos sol qual,
da livre carne azul, de Hidra absoluta,
remorso da brilhante cauda solta
tumulto paz idêntica tão igual!

Levanta vento! …. Qual viver tentar!
Abre e fecha meu livro, imenso ar,
O pó saltou da pedra jorra a rocha!
O nada desta folha de extasiada!
Rescindam brancos! Quebrem d’água alçada!
Tranquilo teto de onde vela cocha!
PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY
POETA,ESCRITOR,LIBRETISTA ERIC PONTY

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