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terça-feira, janeiro 09, 2018

Canto I - Dante Aliguiere - Trad. Eric Ponty

A metade do caminho desta vida
Eu me encontrava em uma selva escura,
Com a senda direita já perdida.

Ah, pois dizer qual era é coisa dura,
A selva selvagem, áspera e forte
Que em o pensar renova a coragem!

É tão amarga que algo mais é morte,
Mas por tratar do bem que ali encontrei
Direi de quanto ali me deu na sorte

Repetir não sabia como entrei na via,
Ela, pois, me vencia sonho o mesmo dia
Em que o veraz caminho abandonei.

Mas atrás chegar ao cerro que subia
Ali onde aquele vale terminava
Com pavor a minha alma confundia,

Ao olhar a cumpre, vi que me estava
Vestida das extensões do planeta,
Que o bom caminho a todos assinalava.

Ficando a apreensão um pouco quieta
Que de meu coração dolorido
Em o lago durou a noite que me inquieta.

E como aquele que com alento ardido,
Do oceano saído a ribeira dum rio,
Olhar a água que quase lhe há perdido,

Minha alma, que fugitiva então era,
Voltou-se a contemplar de novo o passo
Que no atravessa nada sem que morra.

Atrás repousar pouco corpo cansado,
Meu caminho segue por um tal deserto,
Mais abaixo sempre o pé que não dá passo.

E, apenas o caminho me ouve aberto,
Um leopardo leviano ali surgia,
De pé manchado todo recoberto;

Parado em frente minha, frente me havia
Cortando desse modo meu caminho,
E eu, para volver, já me retornava.

Era ao tempo primeiro matutino
E se eleva ao sol com suas as estrelas
Que estiveram com o quando o divino

Amor movia daquelas coisas belas,
E esperar bem podia, e com razão,
Ao que a fera esbravejava visse,

Agora da aurora e a doce estação;
Mas não sem temor me produzisse
A efígie, que vi então, que dum leão.

Me pareceu contra minha viesse,
Alta a testa e com alongados olhos,
Que parecia que o ar lhe temesse

E uma loba, que todas suas garras
Guardar semelhava em sua brancura
E há muitos procurou duelo emboscada,

Me chegou de inquietude com a bravura
Vinha reluzir em sua perspectiva
E perdi a esperança desta altura.

E, como a aquele que goza na jornada
Dá ganância e, quando chega o dia
De perder, chora sua alma contristada,

Assim a besta, que havia me vencia,
Me esforçava sem trégua, lentamente,
Ao lugar em que ao sol não se brilhava.

Então me deslizava ao pedinte,
Já me olhava sendo descoberto
Há quem por mudo porque silencia.

Quando ao contemplei no grande deserto,
«Tenha piedade —eu lhe gritei— de minha,
Já sejas sombra ou sejas homem certo! ».

Respondia-me: «Homem não, que homem já fui,
E por pais lombardos sendo gerado,
Dá mantuana pátria. Eu nasci qual filho

Abaixo Júlio, ao que tarde, e hei morado
Na Roma regida nobre Augusto,
A que a falsas deidades hei adorado.

Poeta fui, cantei então ao justo homem
Filho de Aquiles, que de Troia vindo
Quando o soberbo leão ficou robusto.

Mas por que moves em teu amargo sino,
Por que não vai ao monte complacente
Que de todos os gozem sendo caminho? ».

Es tu aquele Virgílio e essa fonte
De quem brota caudal da eloquência?
Lhe respondi com vergonhosa frente—.

Dos poetas a honorável e ciência,
Vaga-me ao largo estudo e grão amor
Com que busquei em teu livro sapiência.

Olhava teu mesmo mestre, teu meu autor:
És tu somente aquele do que hei tomado
O belo estilo que me dirá honradez.

Olhando besta havia atrás me encontrado,
Sábio famoso, e arrojando-me seu ultraje;
Por ela penso e venhas me hão observado. »

«Te convêm empreender distinta viagem
—Me respondeu me olhando que chorava—
Para deixar este lugar selvagem:

Que esta, por a que gritas, besta brava
Não cedeu a nada ao passo por sua via
E com a vida de que planeja acaba;

Sendo sua natureza tão ímpia no trato
Nunca sacia sua consciência odiosa
E, detrás comer, tendo fome, todavia.

Com muitos animais que se desposa,
E muitos mais serão até ao momento
Em que de Lebre morte espantosa.

Não serão terra e ouro seu alimento,
Senão amor e sapiência reunida;
Tenderá entre mago, mago nascimento.

Verá Itália suas forças ressurgidas
Por quem, virgem, Camila falou morte
E Euríalo, Turno e Niso, em feridas.

Dum povo e doutro lhe encherá, de sorte
Que fará de dar com ela no Inferno,
De que a inveja primeira que a diverte

De onde, por teu bem, penso e discerno
Que me sigas e eu lhe serei teu guia,
E hei de levar-te até ao lugar eterno

Onde ouvirás espantosa gritaria,
Verás almas tão antigas dolorosas:
Que segunda morte choram a porfia,

Verás gentes também que são grandiosas
No fogo, que esperam conviver
Dum dia com suas almas venturosas

Das quais, se aspiras a ascender,
Mais que a minha existe uma alma pura:
Com ela, a irei-me eu, te verei ir;

Que aquele imperador que aí na altura,
Posto que fui rebelde a sua doutrina,
Que eu não cheguei a sua cidade busca

A todo desde ali regi e domina,
Ali estão sua cidade e sua alta sede;
Feliz aquele há quem ali destina! ».

Dizendo eu: «Poeta, pois eu sou pode
Aquele Deus tu nunca terás conhecido,
Deste mal livre, e de outro maior, fique;

Leva-me onde agora hei prometido,
E as portas de Pedro vejas um dia
E a os de ânimo triste e afligido».

Ao eco ao andar, e eu detrás seguia.

Trad. Eric Ponty

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