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quinta-feira, outubro 23, 2025

REI COPHETUA - ANDRÉ FONTAINAS.-TRAD. ERIC PONTY

 A GEORGES DESTRÉE.

As he out of his window lay
He saw a beggar all in grey...
ANCIENT BALLAD.


Teu braço direito na borda da janela aberta,
O rei negro Cophétua, com ar de tristeza,
Contempla, sem ver, a beleza outonal
Dessa massa verde do mar ao longe.

É assim sonha ao acaso em teu pensar inerte:
Nenhum amor move tua curiosidade,
Nenhum desejo, nenhuma memória despertada
Assombra o ócio de tua alma deserta.

Ele não ouves a canção melancólica e o роиx
Dos que mendigam diante dele, nem a tosse
Das crianças doentes, ressequidas por longa ida,

E, mesmo sem pensar nisso, irrefletido
Ele sente a chama em teu coração endurecido,
E queima teus olhos nos olhos do mais jovem.

ANDRÉ FONTAINAS.-TRAD. ERIC PONTY

 

      ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

SONNET- EMILE VAN ARENBERGH - TRAD. ERIC PONTY

 О meu peito, cansado da dúvida e da esperança,
O destino, sem te dobrar, só poderia te machucar,
Orgulhosamente aos olhos oculta tua alma,
Como uma fera ferida se esconde para morrer.

Enquanto os vivos, correndo em tuas passagens,
Uivam e cantam, levados pelo destino,
Sobre vãos ruídos, tuas dores e alegrias,
Levante seu silêncio e tua serenidade.

E doravante encerre tua altiva solidão
De tudo o que antes o movia: seja o mesmo,
Em tua alvura virginal, tua paz e a luz,

Para grandes montanhas, cobertas de neve e sol,
Sentindo o ar de Deus circular sobre teus rostos,
E calmo acima, mas tempestuoso aquém!

EMILE VAN ARENBERGH - TRAD. ERIC PONTY

  

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

NOSTALGIES - THÉO HANNON.-TRAD. ERIC PONTY

Nas florestas escuras da África indomável
Cujo olho dourado o sol não consegue entrar
Nas profundezas insondáveis e trágicas,
Nem o olhar da águia ou do condor,
Nas florestas escuras da África invencível,
No coração dos prados trêmulos
Livres e briosos, intensas feras selvagens se amam.

Longe de homens cruéis, sua paixão soberba
Germina e floresce como largas flores,
Flores ardentes incendeiam a grama
Onde a aurora semeou diamantes chorosos.
Longe dos homens cruéis, soberba paixão,
Com gritos longos e roucos
invejados pelos ecos dos picos e vales.

Mas um dia caçador chega para dispor seus ardis,
Ruindo esses reis em enxovias de ferro...
Brincadeiras de plateias que tremem em seus assentos
Logo morrem de vergonha em seu inferno.
Pois um dia caçador dispôs seus ardis para te,
Tigres, panteras e leões,
Apesar de gritos de raiva e suas rebeliões!...

Mas minha alma está cativa qual pantera.
É em vão que ela quer, com asas fundas,
Voar para além do oceano e da terra,
Ai de mim! ela desaba em nossos tetos.
Pois minha alma é tão cativa quanto uma pantera:
O preconceito, sob suas grades
A apresa, conferida à sinistra bourreaих?

THÉO HANNON.-TRAD. ERIC PONTY

 

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

SONETOS - HENRI DE RÉGNIER.- .- TRAD. ERIC PONTY

 É para ir até te, dorminhoca secular,
Que jaz aí melhor no fundo de covas secretas
Que cingi minhas pernas e lombos com couro
E o sol forte bateu em minha pele pálida.

O estorvo das brenhas desviou tua raiva,
A espuma ocultou de mim horizontes do mar,
O vale dos ardis, gordo com sangue dos andantes,
Abreviei passos recém-criados qual medo apressa!

Estava tão longe e além das noites, tão longe!
O castelo de mistério onde dormia o doce acurado
Que fez minha vida vagar, infeliz e vagabunda.

Que, à noite, caído sem forças, de joelhos,
Eu gritei para ouvir na floresta profunda
Batendo cascos vivos com chifres e roedores!

II

O fluxo de cabelos pesados é qual um rio negro
Sob um céu sem estrelas, sem noite caldaica.
E o pastor que ronda sozinho entre as noites
Sem saber que destino guarda tua aflição.

A triste carne que foge do abraço e do espelho
Parece ter medo de oferecer, estéril e nua,
Tua mentira aos olhos ávidos por vê-la
E treme por estar nua às mãos que a faceiraram.

Esse amor, que era um orgulho para ser sorrido
Está morto, e o velho sonho aberto para o império
De uma terra de pavões azuis, flores e florestas!

Um arrepio mútuo percorre nosso pânico
Para quem a sombra crescente dos ciprestes
Sinaliza a água do olvido do fatídico Letres!

HENRI DE RÉGNIER.- .- TRAD. ERIC PONTY

  

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

NOTES CURSIVES - ARNOLD GOFFIN.- TRAD. ERIC PONTY

Para amar genuinamente, é preciso esquecer muito. Oh, essa indulgência que não se recompensa em detalhes, essa mansidão calorosa e total, orgulhosa e discreta, a ponto de ignorar os deméritos do ser amado, impedindo-o de perceber a sua culpa. As remissões covardes e mesquinhas de que se orgulha aquele que perdoa, que lhe criam uma superioridade sobre o seu amigo, sobre o seu amante; quase uma espécie de chantagem! Graças amargas e pesadas! Estar a todas as horas, todos os dias, com as suas alegrias e as suas dores, à mercê de um olhar, de uma palavra ambígua ou venenosa que, arrancando-o da exaltação em que vive, o afastará e lhe lembrará: «Eis que pecou, mas EU, eu perdoei-lhe!»

II

Escrever obras tristes, dolorosas, sorridentes com um sorriso doentio e vingativo, e pensar que tão pouco bastaria para apagar o riso fácil dos céticos e dos zombadores, conferindo-lhes uma eloquência talvez eterna: um minuto dessa vil coragem física. Mas isso seria adquirir a glória a um preço demasiado baixo.

III

 Schopenhauer define a Piedade como um sentimento primordial, puro e espontâneo, sem outro motivo ou alimento além de si mesmo. Ele faz disso, creio eu, o fundamento da sua Moral. Abstraindo esses dois motivos bastante grosseiros e rudimentares: o do cristão e «faça aos outros o que gostaria que fizessem a si» — a caridade, praticada em segredo, sem qualquer ostentação filantrópica, sem qualquer esperança de recompensa, não derivaria ainda de algum egoísmo sublimado, de um amor-próprio mais infernal e condenável? Seria como um espelho bajulador que se apresentaria a si mesmo; um reflexo enobrecido, muito agradável ao orgulho íntimo do seu coração. A misericórdia, por mais obscena que seja a sua fonte, é louvável, pois os homens geralmente preferem complacer-se e glorificar-se no mal.

IV 

Assistir diariamente a funerais: a mais infalível das ginásticas misantrópicas. Mas, para penetrar no fundo da ignomínia mundana, mergulhar na lama, seria preciso ser, alternadamente, advogado, médico e confessor ou, mais simplesmente, tornar-se usurário e limitar o seu tráfico a esse tipo de penhores: as memórias de família! 


As litografias de Redon parecem, de certa forma, uma arte passiva; a colaboração excessiva imposta ao espectador explica a raridade das mentes que elas emocionam. Burlescos, esses desenhos, para as almas vulgares; elas riem deles, razoavelmente, aliás. Outros, diante destas gravuras arrepiante, embriagam-se com os seus sonhos, com alguns dos seus sonhos onde, na contemplação, os devaneios se projetam. É por isso que um álbum deste prestigiado aerolitógrafo é assinado. Uns se prendem ao sentido perceptível e palpável da obra e zombam; outros deixam sua imaginação fluir e se deixam levar por uma deriva suave e taciturna. 

VI

ÉTICA - ESTÉTICA - estas palavras parecem mais do que parônimas. Não é muito plausível que a vilania, a baixeza de alma do «burguês» seja gerada pela absoluta falta de sentimento de harmonia?
De todo o instinto de euritmia? Ou, melhor dizendo, a conexão se afirmar cada vez mais?
evidente da falta de inteligência artística e do estrabismo moral: o feio, físico ou metafísico, deve causar ao artista uma repulsa equivalente.
Os compromissos ambíguos, os acordos dissimulados, os enganos fraudulentos, inofensivos e mascarados pelo verniz ostensivo do «como deve ser», não têm nada que assuste a consciência em espiral do burguês. As infâmias mais repugnantes passam por uma espécie de incubação no seu cérebro; ali familiariza-se, legitima-as, com o tempo, e entrega-se a elas com prazer; elas mantêm-no aquecido!
A maioria, aliás, ignorante da hediondez dos seus cálculos detestáveis carregam alegremente essa sórdida bagagem moral.

VII

 Os incrédulos, esses lógicos de Panurgo, continuarão sempre a saudar com os seus risos estúpidos as curas operadas pela virtude de relíquias ou elogios quaisquer? «Vai», disse Jesus a Madalena, «vai, a fé salvou-te!». Essa promessa é verdadeira em suas duas interpretações, anagógica e literal: se um doente dúvida ou desconfia do seu médico, todos os remédios, por mais comprovados que sejam, permanecerão vãos e ineficazes. Ora, por que razão, sendo a confiança, pelo contrário, levada ao seu paroxismo; - o paciente, com uma fé total e profunda, juntando a mais perfeita e ardente fervor, - a convicção implícita, portanto, e salutar da preexcelência das relíquias; em outras palavras, se ele tem o desejo e a vontade contínuos e obstinados de curar-se. por que não poderia ele ser atendido? A fé o salvaria: um milagre, incontestavelmente; e o taumaturgo não seria outro senão ele mesmo.

VIII 

As fortunas exorbitantes e quase fabulosas acumuladas por certos ignorantes, absolutamente analfabetos (Mackey etc.). A inteligência lúcida, a energia invencível e rígida desses homens é indubitável; mas a sua total ignorância não seria, para eles, comparável às manilhas que se colocam nos cavalos? Ela os impede de se desviar do caminho direto que o seu objetivo ilumina, os livra de hesitações, escrúpulos, especulações vazias, os proíbe de dispersar a sua prodigiosa força de vontade. Eles possuem apenas uma ideia, simples, clara, precisa, uma ambição, mas veemente, mas tenaz, nada os distrai, e isso é irresistível.

IX

 As pessoas sensatas argumentam: a multidão é má juíza, concordo, e você a rejeita; no entanto, concorde que ela acaba por ter a última palavra no futuro! Não, esse raciocínio é falso e capcioso: a obra atual, contemporânea, submetida à multidão, está a ignora, a despreza, a aclama ou a vaiar: isso não tem a menor importância. Mas uma elite, sozinha, preocupa-se com as obras do passado, perpetua a sua glória — sempre depurada — ou rejeita-as para o esquecimento definitivo: os artistas vivos formam, consequentemente, o areópago que, sem temer aqui a inevitável acusação de parcialidade ou inveja venal, ratifica ou anula as decisões das gerações anteriores. O veredicto do tempo é, portanto, muitas vezes justo, porque é apregoado não pela maioria, mas pela minoria.


Esta experiência individual apaixonante e decisiva: descobrir um cérebro puro, uma inteligência nova, na plenitude das suas faculdades de entusiasmo, um ser sensível, compreensivo, mas de imaginação estéril; transplantá-lo, de repente, das terras clássicas de onde ele sairia, no meio da estufa superaquecida e ardente onde se erguem as vertiginosas floreiras das Flores do Mal; fertilizar o húmus, embriagado de seiva, desse intelecto com os fermentos exasperados da visão artística moderna; ler e comentar ao adolescente eleito as páginas da extraordinária antologia: Baudelaire, Poe, Huysmans, Dostoiévski, Villiers, Barbey, Verlaine, Mallarmé e esse monstruoso Maldoror; dar-lhe para folhear um álbum ideal: os primitivos, Goya, Vinci, Rops, Redon, Moreau; saturá-lo com alguma música tenebrosa, harmonias triunfantes e fúnebres. Maleficamente, sitiá-lo com circunvoluções savantes e complicadas, círculos cada vez mais concêntricos, desse maravilhoso feitiço; submetê-lo, finalmente, por uma cultura paciente e intensa, a uma espécie de desvio completo da coluna cerebral, um irreparável desequilíbrio; transformá-lo num ser saturniano, lunar, privado desse contrapeso todo-poderoso: a força criadora. E, acima de tudo, não se surpreender por amar o seu aluno, pois que desfecho se oferece a tal aventura?

XI 

Um sonho: Uma sala de cerimônias com uma arquitetura heterogênea, delimitada, de um lado, por inúmeras colunas policromáticas, nas quais se enrolam infinitas procissões hieráticas, teorias de bois Apis e sacerdotes azuis e vermelhos, e, do outro lado, por janelas leves com persianas mouriscas. No meio do pavimento de cerâmica púrpura, deslumbrante e lacado, sob um dossel cinza-pérola, adornado com tufos de penas de avestruz pretas, sentado num trono banal, - a cadeira dourada constitucional! - este bufão hediondo, pontifica, vestido com o seu traje verde e amarelo, a Toisa de ouro no pescoço, a cabeça coroada com a Coroa de Ferro. Dois negros brilhantes, sombrias tochas, contemplam-no, com os olhos arregalados de admiração atordoada e pavor. Diante deste monarca singular, todo ocupado em alimentar uma horripilante ara, verde, branco e vermelho, desfila uma numerosa comitiva, fantasmagórica, que o pássaro saúda com gritos agudos. Em frente ao estrado, essas multidões heroicas e teatrais param, ficam de frente e se prostram, mecanicamente, como figurantes de ópera, com uma expressão orgulhosamente servil. O hierarca não se digna a olhar para elas e irrita o seu augusto papagaio, cuja tagarelice se exaspera. De repente, uma agitação faz oscilar as multidões, um movimento de recuo, depois elas imobilizam-se de terror: fanfarras lancinantes ressoam, ecoando estridentemente na colunata.
Os negros caem de medo; a cacatua, empoleirado numa pata, numa atitude expectante, observa o seu dono e segue os seus gestos com visível ansiedade. Este, de repente, para significar, ao que me pareceu, a sua aprovação ao voto silencioso do povo, batendo com o seu cetro na crista despenteada do animal, clamou: - Que o Justo seja crucificado, mais uma vez! 

ARNOLD GOFFIN- TRAD.ERIC PONTY

 

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

ALEGORIA - ALBERT GIRAUD.- -TRAD. ERIC PONTY

 A LOUS DELATTRE.


Eu vejo, em um jardim frio
Cujos finos ramos negros
Sob botões rosas e azuis,
Dores de uma primavera ilusória,

Em um grande jardim sério
Onde, junto aos caramanchões cansados,
Choram misteriosos jorros de água
Qual o sangue de fontes feridas,

Ao som de rebecas doentias
E frágeis flautas dulcíssimas,
Uma procissão de crianças atrasadas
Passeando com suas graças doentias.

Eles se misturam em um carnaval
De as estações e de todas as fantasias:
Uns a pé, outros a cavalo,
Ou em carruagens póstumas.

Crianças doentes e curvadas
Sob capacetes e rondaches,
Menores que seus escudos
E mais leves que suas plumas!

Roitelets com gestos altivos,
Marquises mínimas e travessas,
Usando seus punhos infantis,
Em vez de periquitos, águias.

Mais do que um Carlos Magno unido,
Que se envergonha em seu robe,
Dá sua risada aguda
No bilboquê com o globo.

Um papa com olhos de quem não quer saber
Lança uma bolha com ar infantil
No nariz de um Triboulet sério
Cujo gorro tilinta nos azuis dos céus.

Juízes liliputianos,
Com perucas severas,
Em antigos Digestos
Folheando prímulas.

E sob seu gorro de linho,
Na mão, por meio dos quinconces,
Nossa Senhora do Trianon
Conduz uma manada de lobos e onças.

E assim eles seguem, silenciosos,
Ao longo das fontes feridas,
E os misteriosos rebecs
Sussurram seus pensamentos vagos.

Eles são muito jovens e muito vaidosos,
Encanto infantil, graça senil!
Ao mesmo tempo tristes e alegres,
Têm dez anos de idade, talvez mil.

É assim que eles são, pequenos abades,
Pequenas rainhas, pequenos príncipes,
E suas testas protuberantes
Martirizam seus colarinhos finos demais.

Seus grandes olhos, seus olhos estrangeiros,
Onde o ouro da noite palpita e afunda,
Banham-se com raios enganosos
Sua carne de lírios florescendo na sombra.

Sua alegria, qual um bando de pássaros,
Sangra e se engasga em seu riso,
E eu acho que vejo nos imos da água
Figuras dançantes de cera.

Projetos de meu cérebro cansado,
Desejos de sete léguas,
Caprichos de um sol gelado,
Tulipas negras, rosas azuis,

Então você nasceu, pequeno demais
Neste belo jardim de mentiras.
Filhos de meus orgulhosos apetites,
Fantoches de meus sonhos!

ALBERT GIRAUD.- -TRAD. ERIC PONTY

 

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

LEQUE- STÉPHANE MALLARMÉ.-TRAD. ERIC PONTY

Ó sonhador, pra que possa mergulhar
Em um deleite puro e sem passagens,
Saibas, por uma sutil mentira,
Mantenha minha asa em tua mão.

Um frescor de crepúsculo
Chega até te a cada batida
Cujo curso cativo te recua
O horizonte suavemente.

Vertigem! Aí vem o latejo
Espaço qual um grande beijo
Que, louco não nascer pra ninguém,
Não pode jorrar nem amortecer.

Sentes o paraíso feroz,
Como um riso enterrado,
Do canto de sua boca
Nos imos da dobra unânime!

O cetro das praias cor-de-rosa
Estancado em noites douradas, és,
Voo alvo e unido que te assenta
Contra o fogo de um bracelete.

STÉPHANE MALLARMÉ.-TRAD. ERIC PONTY

  

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

O universo é um livro e os olhos que o leem - Victor Hugo - Trad. Eric Ponty

 O universo é um livro e os olhos que o leem.
Aqueles que estão na noite têm razão quando dizem:
Nada existe! Pois eles estão num sonho.
Nada existe além dele, o brilho profundo,
E as almas, os grãos de luz, os mitos,
Os eus misteriosos, átomos sem limites,
Que se dirigem para o grande eu, o seu centro e o seu íman;
Pontos que atingem o zénite pela radiação,
Assim como uma peça de roupa que sofre com o carnal,
Abarcando de contínuo toda a extensão
A fórmula de carne própria a cada meio,
Aqui a seiva, aqui o sangue, aqui o fogo;
Blocos, árvores, garras, dentes, frentes pensantes, auréolas;
Regressando aos caixões qual se fossem alvéolos;
Morrer para se purificar, cair para se elevar,
Sem fim, perdendo-se apenas para se reencontrar,
Cadeia de seres que no alto a escada de ouro reclama,
Rumo ao eterno lar voador de chama em chama,
Recém-saído do perverso, bom saído do mau,
Ascendendo, subindo, ascendendo sem parar, e procurando-o,
E sempre se beirando, mas sem nunca o arrumar,
Ele, o ser que não se pode tocar, manchar, extinguir,
O que vê, o que vive, sem morte, sem noite, sem mal,
A ideia grandiosa por trás do imenso ideal!
A matéria não existe e apenas a alma existe.
*
Nada está morto, nada é falso, nada é negro, nada é triste.
Ninguém é punido, ninguém é banido.
Todos os círculos que estão no círculo infinito
Têm apenas o ideal nas suas circunferências.
Astros, mundos, sóis, estrelas, aparências,
Máscaras de sombra ou de fogo, rostos de visões,
Globos, humanidades, terras, criações,
Um universo onde nunca se vê nada a dormir,
Pontos de intersecção entre o número e a forma,
Choques do relâmpago poderoso e do raio belo,
Encontros da vida com a eternidade,
Ó fumo, ouve! E vós, ouvi, almas,
Que permanecerão apenas como sopros e chamas,
Espíritos puros que morrem e nascem sempre:
Deus tem apenas uma face: Luz! E tem apenas um nome: Amor! -]

- Victor Hugo - Trad. Eric Ponty

 

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

terça-feira, outubro 21, 2025

As joias - Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 A minha valiosa estava nua e, apreciando o meu peito,
Ela só guardou para si as suas joias sonoras,
Cujo rico apresto lhe dava um ar de vencedor
O que os escravos dos mouros têm nos seus dias felizes.

Quando lança, dançando, o som vivo e chistoso,
Este mundo resplandecente de metal e pedra
Me deixa em êxtase, e eu amo com fúria
Coisas em que o som se mistura com a luz.

Ela estava deitada e deixava-se amar,
E do alto do sofá ela sorria com satisfação
Ao meu amor profundo e doce qual o mar,
Que subia até ela como até a sua falésia.

Os olhos fixos em mim, qual um tigre domado,
Com um ar vago e sonhador, ela sentia poses,
E a candura unida à luxúria
Dava um novo encanto às suas metamorfoses;

E o braço e a perna, e sua coxa e seus rins,
Polido qual óleo, ondulante qual um cisne,
Passavam diante dos meus olhos arguciosos e serenos;
E o ventre e os seios, cachos da minha videira,

Prosseguiam, mais carinhosos do que os Anjos do mal,
Para perturbar o descanso minha alma se achava,
E para perturbá-la da rocha de cristal
Onde, calma e solitária, ela se sentou.

Eu acreditava ver unidos por um novo desenho
Os quadris de Antílope com o peito jovem imberbe,
O seu tamanho realçava o seu quadril.
Naquela pele morena e castanha, a maquiar ficava linda!

– E cuja lâmpada, resignada ao morrer,
Como apenas a lareira fulgurava o quarto,
Cada vez que ele soltava um suspiro vivaz,
Ele inundava de sangue aquela pele cor de âmbar!

Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

 

segunda-feira, outubro 20, 2025

Narcisse - IWAN GILKIN – TRAD. ERIC PONTY

No quarto macio, feito de pelúcia e de penas,
Onde sonha a brancura do arminho e do cisne,
Onde muitas opalas brilham qual um olho que pisca,
Onde, no enchimento, muitos diamantes se aclaram.

Com o aroma forte e virgem dos jacintos brancos
E narcisos orgulhosos morrendo em vasos,
Ao lado da cama órfã de carne e êxtase,
Cuja madrepérola avocava a madrepérola dos quadris,

Em frente ao espelho alto, sem outra moldura
Que as torrentes geladas das cortinas de seda,
- Numa piscina límpida onde nenhuma torrente ondula
Mas um jogo de reflexos verdes e rosa,

Uma jovem frágil e nua, com apenas dezesseis anos,
longos cabelos dourados encaracolados, rosto adorável,
Boca com asas de fogo, deslizando sobre o impalpável,
Está se contemplar tua beleza cândida e serena.

Com teus grandes olhos azuis banhados de luz
Ele olha incessante para teu doce seio,
Como um lírio intoxicado com tua carne divina
Que desmaia em uma luz quente e primaveril.

Ah, que sorriso voluptuoso e ardente
Tão desesperadamente resignado
E treme por todo esse corpo de porco,
Qual um beijo sem rumo que expira lenta!

Ame-se, prezada filha, ame-se, contudo, ama-se,
Por quem muitos desejos definham e se cansam,
Por quem muitos peitos jovens e ternos se quebram;
Ame a si mesma! Seu amor é o amor supremo.

Ame a si mesma! Que carne vale a tua carne? Que ser
É digno de beijar teus belos pés?
Somente em ti a beleza sobre-humana se adora
E tão-só seu sonho amoroso pode ser teu sacerdote.

IWAN GILKIN – TRAD. ERIC PONTY

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

domingo, outubro 19, 2025

DOIS POEMAS - Yannis Ritsos - Trad. Eric Ponty

 https://clubedeautores.com.br/livro/poesia-selecionada

Cor amarela
Na parede
Atrás dos banheiros
Urtigas
Você era amargo
Sábado à noite
Com os pequenos soldados
Com o saltério
Quão quando as gramíneas suspiram
E as palavras de pasmo

Kalamos, 7-5-78

Noite de domingo
Os ônibus se foram -
Oh quão afável de luto
(Ele disse assim)
Que completo
A Calma do adeus
Como sobre o mar
No olival
A voz de uma coruja atravessa
A voz do rouxinol

Kalamos, 7-5-78

Yannis Ritsos - Trad. Eric Ponty

 
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

sábado, outubro 18, 2025

Poemas - Victor Hugo - Trad. Eric Ponty

 Insondável, imutável, eterno, irrestrito;

Insondável, imutável, eterno, irrestrito;
Face da visão; ser sempre criador;
Centro; resplendor do temor sagrado;
Onipotência com deveres e leis;
Presença sem figura, sem limite e sem voz;
Sozinha, para o prisma com vastidão serena;
Olhando com ele olhar para um pulgão arrasta consigo,
O que um verme devora, o que um cirão constrói,
E o enxame de sóis na noite;
Vontade, da qual o mundo se ergue em jatos vivos,
Cujos materiais são a noite e o silêncio,
O vazio, o nada, o nada; e como tela
Com infinito refletindo por vagos Jeovás;
Pensamento que conduz, luminoso, a prodígios;
Eu, no abismo onde tudo caio, tonto;
Essência inexprimível na qual tudo se funde;
Um redemoinho de sombra e luz no fundo
De algo grande, esplêndido e escuro;
Uma floresta de faculdades sem número;
Ela está lá, formidável, única, ilimitada,
Comovendo os céus com sua enormidade;
E, sob o imenso e nebuloso pórtico do abismo,
No grau mais negro do caos, no topo,
Todos os seres criados, acima, abaixo, em toda parte,
Astros, globos, édens, infernos, todos fervendo,
Rochas, vulcões, montanhas, mares tempestuosos,
Almas, espíritos, multidões nebulosas,
A fera na floresta, o anjo no éter azul,
Curvem-se aterrados diante do horror de Deus.

 Janeiro voltou. Não tema, nobre mulher!

Janeiro voltou. Não tema, nobre mulher!
Não se importe com o ano que está 
passando e com aqueles que passarão!
Meu amor sempre jovem está medrando em minha alma;
Teu encanto sempre jovem está em flor em tua cabeceira.
Seja sempre séria e gentil, ó tu que eu idolatro;
Que tua humilde auréola deslumbre os olhos!
Como leite puro derramado em um vaso de alabastro,
Se encha teu coração religioso de dignidade.
Enfrente a passagem do tempo. tua beleza a protege.
Enfrente o inverno. Logo maio estará de volta.
Deus, para apagar a idade e derreter a neve,
Nos devolverá a primavera e nos deixará com amor.


Eu estava contando uma história

Eu estava contando uma história
Para quatro ou cinco crianças, um público seleto,
E eu estava, eu acho, no seguinte ponto:
"... Em um momento em que Deus estava de costas, o diabo
Entrou, silencioso e amigável,
Como muitas vezes faz, atrás do bom Deus;
Ele cortou um pedaço de tecido azul do céu,
E, para ocultar a fenda, botou uma nuvem sobre ela... "
Jeanne me obstruiu. - Vamos, Jeanne, comporte-se,
disse George, velado no demônio e em Deus;
Estamos ouvindo, fique quieta.
 - Jeanne não se arrenegar-se com isso.
- Pensei que o céu fosse feito de seda", disse ela.

Eu o amo, com olhos cândidos e ar masculino,

Eu o amo, com olhos cândidos e ar masculino,
Teu lenço siamês e teu pescoço bronzeado,
Com teu riso e tua alegria,
Entre a Liberdade, rainha dos olhos orgulhosos,
E a Fraternidade, doce anjo abrindo tuas asas,
Meu empate camponês!


Todos os homens são homens; e não mais do que os céus


Todos os homens são homens; e não mais do que os céus
A lei não tem margens;
Minha liberdade sombria sente o peso monstruoso
De toda escravidão.
Com cada prisioneiro eu me sinto enclausurado;
Suas correntes são nossas;
Guerra contra os reis! Libertação! Um povo oprimido
Oprime todos os outros.

Victor Hugo - Trad. Eric Ponty

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

sexta-feira, outubro 17, 2025

Michelangelo - Trad. Eric Ponty

 1534


Recebi o que tua gentileza me enviaste,
e já o li cerca de vinte vezes.
Portanto, use tua própria língua mordaz,
Como alento para um corpo que está saciado!

Aprendi isso desde que o deixei,
Que Caim foi um de teus ancestrais,
Tu não és real díspar de tua espécie:
O que serve a outros homens parece perda para te.

Vós sois aguerridos, cheios de cobiça, hostis ao céu,
O amor ao próximo é teu fardo,
E amigos são apenas para teu próprio dano.
E quanto a Pistoja, diz o poeta,
Pense assim, e pronto! Mas se tu disseres
De Florença, bem-dito, tu me enganarás.
Uma joia preciosa, de fato
Florença é, mas nunca poderá apreciá-la,
Pois quem é pobre em virtude não pode abranger.

Michelangelo - Trad. Eric Ponty


   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

terça-feira, outubro 14, 2025

"Unhas puras muito altas dedicando ônix - S.Mallarmé- Trad.Eric Ponty

"Unhas puras muito altas dedicando ônix,
Angústia, meia-noite, sustenta, lampadáfora,
Nosso sonho de véspera carvão pela Fênix
Que nenhuma ânfora cinerária recolhe.

No aparador, sala de estar vazia: sem ptyx
Abolida bugiganga sonora inanidade,
(Pois o mestre foi tirar flores do Estige
Único objeto com qual nada se honra).

Mas perto do vago cruzar ao norte, um ouro
Agoniza talvez de acordo com o cenário
Unicórnios rugindo fogo contra um nixe,

Ela, morta, ainda nua no espelho
Que, no olvido culto pela moldura, se fixa
Com cintilações assim que o septeto."

S.Mallarmé- Trad.Eric Ponty

  

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

segunda-feira, outubro 13, 2025

Ó Virgílio - Victor Hugo - Trad. Eric Ponty

 
Ó Virgílio, ó poeta, ó meu divino mestre!
Venha, deixar esta urbe com grito sinistro e vão,
Que, gigante e sem nunca fechar a pálpebra,
Preme uma cheia espumosa entre lados de pedra,
Lutécia, tão pequena no tempo de Césares,
E hoje, uma urbe cheia de carruagens,
Sob nome extasiante com o qual mundo a chama,
Mais fulgor que Atenas e mais vozerio que Roma.

Para ti que na brenha faz, qual água do céu,
De folha em folha cai um verso místico,
Para ti, cujo pensamento preenche meu enleio,
Eu achei, em uma sombra onde a grama florida ri,
Entre Buc e Meudon, em profundo olvido,
- E quando digo Meudon, estou falando do Tivoli! -
Achei, meu poeta, um vale casto de encostas 
atraentes mexidas de forma despreocupada,
Um retiro favorável para amantes ocultos,
Feito de ondas dormidas e ramos curvados,
Onde o meio-dia banha em vão com inúmeros raios
De caverna e a brenha, frescos asilos de sombra!

Por ti, eu a busquei uma manhã, brioso e alegre,
Com amor em meu peito e a alva em meus olhos;
Por ti eu a busquei, seguido por aquele
Que aprecia todos os segredos que minha alma guarda,
E que, sozinho comigo sob os bosques peludos,
Seria meu Lycoris se eu fosse seu Gallus.
Pois ela tem em seu peito essa flor ampla e pura,
O místico amor da natureza antiga!
Como nós, mestre, ela ama essas doces vozes,
O som de ninhos felizes dos bosques enevoados,
E, à noite, no fundo do vale estreito,
As encostas arruinadas no lago chamejante,
E, quando o torpecer pôr do sol perde encarnado,
Os pântanos irritados com passos do viajador,
E a humilde palha, e a toca cheia de grama verde,
Que parece uma boca fresta com terror,
As águas, prados, montes, refúgios atraentes,
E os horizontes cheios de fulgor!

Mestre, já que estamos na era das pervincas,
Se quiser, toda noite, espalhando os ramos,
Sem despertar ecos para nossos passos perigosos,
Nós iremos, nós três, isto é, nós dois,
Neste vale selvagem, na solidão,
Sonhadores, admiraremos a atitude sigilosa.
Na clareira marrom onde a árvore com tronco nodoso
Assume um perfil humano e monstruoso ao crepúsculo,
Brotaremos fuligem, ao lado de uma cigarra,
Um fogo que se apaga sem um pastor para atiçá-lo,
E, ouvindo suas vagas canções,
Nas sombras, à luz da lua, por meio dos arbustos,
Gananciosos, poderemos dar uma espiada
Quais sátiros dançantes copiados por Alphésibée.

 Victor Hugo - Trad. Eric Ponty

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

domingo, outubro 12, 2025

No terraço das fênix em Jin Ling - Li Bai – Trad. Eric Ponty

As fênix soíam brincar
no Terraço da Fênix.
As aves se foram;
apenas o rio jaze fluindo.

As flores e a grama do Palácio Wu
foram pregados sob uma passagem só;
corpos da nobreza da dinastia Jin
são agora a sujeira antiga.

Uma metade dos três picos
está além do céu azul;
o rio é desconexo no meio
pela ilhota da garça branca.

O sol de regra está oculto
atrás das nuvens flutuantes.

Como posso não ficar triste
quando Chang'an está arreda de vista?

Li Bai – Trad. Eric Ponty

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Iniciação do dia - ERIC PONTY

 

Glória pascer do sol no terço de ouro em chamas,
Alva! Cidade luz, buganvília do dia,
Não louvo! nem a ti, da ramagem bravia,
Que a ti mesma te estruís na margem que inflamas!

Amo-te, agora hesitante em que se preludia
O adágio Minerva, – campa que te recamas
Do fruto e de esplendor, de estepes e auriflamas,
Sanjoanense que ris sobre a própria agonia!

Clamo-te, ó fronte triste, ó tarde infeta, que, entre
Primitivos clarões das estrelas, não sente,
Sob os véus do casario e da flama orvalhada,

Trazes a palpitar, como um bronze do outono,
Símbolo, alma nutriz da estátua e do sono,
Luto passagem da vida e iniciação do dia.

ERIC PONTY
  
 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

O SONHO DO CURIOSO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 A AUGUSTE POULET-MALASSIS
 [Paris,] 13 de março de 1860.
 


Aqui estão mais alguns versos. Já temos vinte e cinco peças, sem contar três poemas iniciados | Dorothée, ideal da beleza negra, — La Femme sauvage, dedicado a uma pequena amante, — e Plutus, o Amor e a Glória), enfim, um prefácio iniciado, tudo isso em Honfleur. Como lhe disse, terei absolutamente de voltar lá no final deste mês; pelo menos para organizar o livro, e se estas últimas peças não estiverem terminadas, sacrificá-las-ei, mas com pesar. Acabei de reler estas vinte e cinco peças; não estou totalmente satisfeito; há sempre pesadões e violência de estilo. — A esse respeito, recebeu Obsessão e Um fantasma? O que acha dos dois últimos tercetos do primeiro soneto de um fantasma? Eu virei e revi a coisa de todas as maneiras. Quando o chapéu ficou bem grande, reconheci a senhora tal. Isso é francês, mas isto:

ao leve deslumbre oriental, (êxtase do espectro) 
Quando atingiu a tua plenitude,
eu reconheço qual um belo visitante.

Sempre haverá casos embaraçosos. Continuo a duvidar que possamos fazer dois volumes em seis semanas. Teremos de pensar mormente nos Flores, em cartazes, anúncios e propagandas. Se me acham indiscutível, e se têm medo de De Broise, eu investirei o meu dinheiro. A natureza inteiramente impopular do meu talento impede-me de descuidar os meios grosseiros. (Citações algumas semanas antes da venda, cartazes, anúncios e propagandas durante a venda.) Ontem à noite, dei este soneto a Nadar; ele disse-me que não compreendia nada, mas que isso se devia sem dúvida à escrita e que os caracteres tipográficos o tornavam mais claro. Quanto à segunda peça, dedicada a Guys, ela não tem com ele outra relação positiva além desta: é que, como o poeta da peça, 47 geralmente acorda ao meio-dia.

 O SONHO DO CURIOSO

Ao Sr. FÉLIX NADAR. 

Tu me conheces, como a mim, dor saborosa? 
Mulheres soem dizer a respeito: "Que homem 
singular"? - Eu estava prestes para morrer. 
Isso estava então escrito em minha alma, 

Desejo mexido com horror, um mal particular;
Quanto mais a ampulheta fatal se despejava, 
mais amarga e amena se tornava a minha tortura; 
todo o meu peito foi carpido do mundo familiar.

Eu era qual na Infância, ávido pelo fisco., 
odiando a cortina qual se odeia um obstáculo. 
Mas então uma ideia estranha me congelou:
 
- Eu estava morto, divina! e a terrível alva o tinha. 
- O que", eu disse a mim, "é tudo o que há para fazer? 
A tela estava içada e eu ainda estava esperando.

Em relação a Méryon, entende por comprar placas, comprar as placas de metal ou o direito de vender indefinidamente as provas? — Compreendo que receie conversar com Méryon. Deveria tratar do assunto por carta (20, rue Duperté). Aviso-o que o grande receio de Méryon é que um editor altere o formato e o papel. | Quanto ao caso Daumier-Crépet, boa ideia. Nós concordamos.

 Quando recebi minhas provas? 
Quando você vem a Paris? 
E a varíola?

Não recebi nenhuma notificação dos correios. 
Todo seu. 

CH. BAUDELAIRE-TRAD.ERIC PONTY.

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

sábado, outubro 11, 2025

AS AVES - VICTOR HUGO - TRAD.ERIC PONTY

 Sonhei em um grande cemitério deserto;
Ouvi o concerto de minha alma e dos mortos,
Entre as flores da grama e as cruzes do jazigo.
Deus quer que o que nasce saia do que rui.
E a sombra me encheu.

Ao meu redor, muitos,
Alegres, sem se importar com minha testa abrumada,
Neste campo, leito fatal da última sesta,
Francisco pardal estava enfeitando.

Era a ultravida incitada pelo momento.
Eles iam e vinham cantando, voando, pulando,
arranhando a morte com as garras afiadas,
alisando bicos nos narizes tristes das estátuas,
Batendo nos jazigos, aqueles grãos misteriosos;
Levei a sério esses barulhentos alados;
Gritei: "Paz aos mortos! Vós são harpias.
- Nós somos pardais", disseram pessoas ímpias.
- Silêncio! Vão embora!", repeti, não muito caritativo.
Fugiram; eu era o mais forte. Eu era o mais forte,
Um deles ficou para trás e, com música,
Ergueu cauda e disse: - O que é esse velho clássico?

Todos foram embora, furiosos, xingando,
Gritando e fazendo cara feia para o gigante,
Um azevinho negro que ponderava em um jazigo, 
um homem sábio,
Parou-me de repente pela manga quando eu passava,
E me disse: - Essas aves estão fazendo seus afazeres.
Deixe-os em paz. Precisamos desse raio.
Deus os envia. Eles trazem vida ao cemitério.
Homem, eles são a alegria de toda a natureza;
Eles tiram seu murmúrio do riacho, seu brilho
Da estrela, sorriso da manhã enlevada;
Onde quer homem sábio ria, elas levam alegria,
E trazem para nós; sombras ardem quando as veem;
Eles enchem bicos com gritos de crianças escolar;
Por meio do homem e da grama, e da onda, e dos prados,
Saqueiam a alegria no imenso universo.
Eles têm essa razão que parece doidice para ti.
Eles têm pena de nós que definhamos longe delas;
E quando estão cheios de jogos e canções,
Églogas, beijos e todas as fofocas
Que os ninhos em abril fazem sob sombras verdes,
Vêm correndo, alegres, atraentes, leves e barulhentos,
Jogamos tudo em nossos buracos assustadores;
E viemos, de palácios, de bosques, de chalés de palha,
Para evacuar toda essa luz em nossa noite!
Quando maio as traz de volta para nós, ó sonhador, dizemos:
"Tudo se moveu, pedras, montes, gramados;
O menor arbusto fala, e a grama fica em êxtase;
O salgueiro-chorão canta ao concluir sua sentença;
Confessam os teixos, agora tagarelas;
Falam da vida com os carros funerários;
Das mortalhas supino pomposas retiram o fecho;
Eles não se importam com o mármore; sabem soletrar;
E eu, o velho cardo mal-humorado,
Diante de quem as mentiras mostram sua feiura,
E não se importa em me tratar qual um convidado,
Acho certo, amigo, que ao ler em voz alta
O epitáfio do morto é sempre bom e belo,
Fazem o jazigo explodir em gargalhadas.

VICTOR HUGO - TRAD.ERIC PONTY

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA