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terça-feira, julho 17, 2018

Nostalghia - ERIC PONTY


À Andrei Tarkovsky
«Esta, que é a Profecia verdadeira,
Tão grave, tão discreta, tão elegante,
Disse Tarkovsky, tão alto e tão sincero,
Sempre com vestimenta arrogante,
Se mostra em qualquer ato que se fala,
Quando à sua conversão é importante.

Nunca declina ou serve a gentalha
trovadora, maligna e triunfalmente,
Quem não quer mais ignora menos fala.

Haja outra vera, ansiosa, torpe e velha,
Amiga da sonolenta e mortuária,
Que nem cigarro nem botequim deixa;

Não se alça dos mil há um conto do chão,
À grande amiga de alianças batismos,
E largando de mãos, corta deste cérebro.

ERIC PONTY

segunda-feira, julho 16, 2018

OS PÁSSAROS DE NOSSA SENHORA DO CARMO - ERIC PONTY

Á VILLA BOAS

Abrindo destas nuvens plenos vapores,
fechado nos flancos – deserto de cores,
Passeiam-se no teto afetiva razão;
São muitas suas aves, forçosos desvãos,
Tangíveis na terra, quais plenas das partes
retesam dos planos da imensa vastidões.
São aves, extensas, intensas de fúria,
Tão Meigas excitam, refazem finórias,
Tão leigas aprendem luz do esplendor:
dolosas empinam, domínio contentes!

Doido langor que toa no pico das crentes,
Pendão de rodízios, marmor do condor!
As sebes sozinhas, sem laços, com trilho,
As aves se alçando, abraçando-as ao frio.
Do intenso respiram de aragens das marcas:
Salsugem das serras das tíbias descendem,
Vultosas memórias inglórias lá fendem,
Ao puro herdeiro doído que se jaz ausente.
Domar pascer sebe desdobra-se dolente,
Doído conjuga a morada envolvente
Á Dolosa penhora, das nuvens gentis:
Os tenros montados domáveis afora
Das margens inglórias, que atestam embora,
À Dolência contorno da pomba feliz.

Destoa? – ninguém dobra: seu timbre tão longe,
À margem enfim tão: – de um pouso adiante
Se pretende por perto – repouso cinzel.

A Estátua da inércia pressente do plano
O Estático grito do surdo anteplano
Nestas curvas honestas do dobre gentil.
Atrasos da terra pariu do escrutínio
Nos chãos das estátuas de brusco domínio
Retesam do pleno, que obteve em lição;
Domínios das sebes do céu de esplendor,
Ciosas pertencem no plano do ardor,
Dos domos terrestres finórias função.
Acercam-se a pedra de casto marmóreo,
Do Dorido da forja passagem arbóreo
Ornada do nada com cenas tão grátis:
O justo, das sagas do crivo da serpente
transita marmor, reflui a sebe pressente,
Dormência dos dobres do bronze matriz.
Enquanto das estátuas com Letes vingança,
Inertes contritas da cândida das danças,
Do chão puro tecem furtivas no altar:
As pombas lhe cortaram, os dorsos que atingem,
Marmóreas das dívicias curvas ramagem,
Divina desta fonte tão límpido ar.


A Medusa das lápides marmo pendores,
Cercado de pedras — cobertos destas dores,
volteiam-se com os fardos altiva ilusão;
São muitos seus charmes, nos ânimos fortes,
Temíveis nesta terra, que em densos dos cortes
Espantam-se  nos corvos a imensa fusão.

São rudes, olhares, cobertos de fúria,
com pródigos mordem, já canta finória,
Já meigos se fundem à voz do pastor:
São todas tão tíbias, certeiras serpentes!
Sua marca lá toa na boca dos crentes,
junção de prodígios, de fúria e terror!


Nestas pedras sozinhas, silentes, sem brio,
Os dentes quebrando, lançando sombrio,
No Incenso aspiraram das liras que traz
Os pastores das terras que os fortes precedem,
Os vultosos tributos tão parvos se rendem,
O fardo de tão certeiro suspeito que jaz.


No centro do jardim se estende canteiro,
adornar se aduna o conspícuo carneiro,
Do limbo da penhora, dos lodos mais vis:
Os corpos já inertes praticam na aurora,
E os jovens tão inquietos, que a pétrea penhora,
Derramam-se nos mudos dum coro infeliz.


Também — ninguém diz: do pavor é ignoto,
Seu pétreo não fala: —  do corpo revolto
Precinte por pedra — da sina tão frágil;
Assim lá na terra do extrato mundano
formavam distinto do vil mais humano
As formas perfeitas mais  nobre de ardil.

Acaso desta terra padeceu parceiro,
Nos vãos dos carneiros: — no extenso pinheiro
Assola-se é certeza, que o teve em missão;
Convida dos ventres os vermes roedores,
Silentes se incumbem do acaso das flores,
A Estátua destes apreços honrosa junção.


Conservam cabelos do brio das serpentes,
Entesa-se a pétrea beleza dos crentes,
Adorna-se o ventre com cenas gentis:
A louca, entre os vagos olhares da beira,
nutrir-se da memória, do pétreo matiz.

 
Dos pássaros alentos Carmos senhores,
peleja das torres — dobrados pendores,
desdobram-se sinos mendigos da missão;
São muitos seus dobres, batidas dão fortes,
Tangíveis na serra, que aterram aportes
declaram-se as pombas à imensa ilusão.
São bronzes destes rústicos pertos de glória,
badalos que dobraram, encanta aforrai,
Já nas mágoas se rendem à luz do castor:
São brônzeos sibilinos, parceiros batentes!
Sua carga já coa falas amargas contentes,
À Função dos murmúrios, finória e negror!
Nos dobres caminhos, solventes, sem trilho,
Badalo anulando, traçando no atilho,
Intenso aspiraram das sortes que traz
louvores das serras que os nortes concebem,
passivo murmuro dobrar desprendem,
Á Batida ao badalo do peito detrás.
Poente da terra se esplende morteiro,
Que contorna que aduna o longínquo agueiro,
Do sino sonora, lados mais que cris;
O látego que adestro batida canora
E as pontas tão ferrenhas, contornam melhora,
Perfazem-se em dobro da seiva joliz.


Aterra que da serra feneceu primeiro,
À Razão das serpentes: — pretenso aceiro
consulta-se excerto, conteve em visão;
aragens das nuvens das torres condores,
Silêncio se incumbe do atraso de ardores,
Das serpes cabeça da honrosa Medusa.


Portanto das mulheres com leda vingança,
Afeitas aos ritos da cândida fiança,
Os homens já querem cativa acabar:
As pomas lhes podam, os ventres lhe atingem,
Candentes estupros nos púbis lhe cingem,
Sobrei-lhe ave de mente senil agitar.

Finada? — ninguém quer o candor marnoto,
Sua frágua condiz: — dum harmônico moto
Ferrugem por perto — dum dobre tão grácil;
Também lá na serra do estrato traz dano
Serranos dos instintos do grito germano
Dos dobres que confeitos do forte mandil,


Se conservam cabelos de pedra subúrbio,
Perseu destas agíeis da leveza conúbios,
Adorna-se os pés com aparos tão gráceis:
do elmo, entre os peitos de serpes prevíreis,
nutrir-se terrestres, que passam lentes,
Que levando à cabeça medusa serpentes.

Nestas fontes das águas de acenos das dores,
São Trazidos das margens – abertos de cores,
Passeiam-se nos tetos de cativa visão;
São das alvas suas aves, titânios das sortes,
De tão cálida terra, que imensas com hortes
Se planando nas plantas a crença expansão.
Revoltas, já inteiras, com mentes de fúria,
Já Sedentas empinam, já voaram história,
Já leigas aprendem à luz deste marmor:
São das aves cadentes, matilhas pendentes!
Suas asas já toam alvas sebes das gentes,
Se serão dos portentos, de injúria e clamor!

As aves que tão sozinhas, sem traços, sem rios,
São das asas quebradas, perdendo-as ao cio.
Deste imenso conspiram das pedras carcás
Silentes das terras que as fontes desprendem,
Terrestres limpados das pedras já pendem,
Aos puros das minguas suspeitos que jaz.
No centro desta tábua pretende abutreiro
De onde hora desdobra o silente morteiro
Do sino já que já hora, das torres anis:
As aves já plantadas praticam na aurora,
E o gesto imprecisos, restando-se agora,
Depenam-se entorno da fonte ardidez.

Silentes – tão enfim pasce a sebe nonato,
Que da treva condiz: – de um voo semoto
Desprende por tão perto – dum voo senil;
Portanto neste pétreo se criva no plano
São formatos instintos da paz de sulano
Os laços perfeitos dobre bronze do ardil.
Acasos desta terra também agoireiro.

Nos chãos terrestres: – paradas aguaceiro
Sustenta deste teto, reteve adesão;
Revidam-se das margens aguados açores,
Ciosas se incumbem do plano destas flores,
Dos cântaros já prestos que dá honora junção.
Acercam-se da chuva na casta nogueira,
Entesa-se nesta horta da embira faceira,
Contornam com às folhas de verdes cantis:
Tão justos, entre as asas do voo candeia
trespassam a madeira, que a selva ideia,
Os charmosos das asas de páreo petiz.
Entrando-se dos alvores com lida da lança,
Se refeitas ao pétreo da cândida trança,
As aves que já cantam cativas dobrar:
A como elas partem, os voos lhe atingem,
Sustentam nas aragens no plano da margem,
Saltitam nestas fontes de límpido par.


ERIC PONTY

domingo, julho 15, 2018

No. 2. Sagesse - PAUL VERLAINE - TRAD. ERIC PONTY


II

Eu havia penado como Sísifo,
E trabalhado como Hércules,
Contra à carne que se rebela.

Eu havia lutado, havia assestado
Golpes a destroçar montanhas,
E combatido como Aquiles.

Esquivo amigo que me guias,
Tu sabes bem, coragem ímpio,
Se empreendermos estas campanhas,

Se temos descuidado com algo
Nesta guerra esgotante,
Se termos trabalhado bem.

Tudo em vão: ao rude gigante
Por todas partes ao meu esforço
Opunha sua atmosfera de astucia,

E sempre um covarde amparado
Em meus propósitos, que lhe espia
Entregava às chaves da cidade.


Fosse minha sorte má ou boa,
sempre uma parte de meu coração
abriria sua porta a da Górgona.


Sempre o suborno inimigo
Sabia envolver em seu labor
Inclusive à vitória e a honra!


Eu era o vencido a quem assediam,
presto a vender cara seu sangue,
Quando, branca na vestimenta de neve,

Tão bela, com à frente humilde e altiva,
Uma Senhora Vinho, sobre a nuvem
E com um signo afugentou à carne.

Em uma tempestade incógnita
de raiva e gritos inumanos,
E desgarrando sua garganta nua,

O Monstro retomou seus caminhos
Pôr os bosques cheios de amores atrozes,
E a Senhora, juntando às mãos:

«Minha pobre combatente que afundas,
disse, em vão este dilema,
Trégua a vitórias desgraçadas!

«Te chega um socorro divino
De que sou segura mensageira
para tua salvação, ao fim possível».

—«ô minha Senhora cuja voz querida
Alenta a um ferido ansioso
de ver terminar a guerra cruel,

«Vós que haveis em um tom tão doce
Quando me anunciais a boa nova,
minha Senhora, quem sóis?».

—«Eu havia nascido antes de todas causas
E também verei o final de todos
Os efeitos, estrelas e rosas.

«Ao mesmo tempo, boa, sobre vós
homens débeis e pobres mulheres,
Choro. e os encontros loucos.

«Choro sobre vossas tristes almas,
Tendo amor por elas, tendo medo,
por elas, e por seus desejos infames.

«Isto não é que seja felicidade.
Cautela, Alguém a quem amo o disse,
cautela, temor ao que te suborna,

«vigiai, temor do Dia Supremo!
Quem sou, me perguntavas.
Meu nome submete até aos anjos,

«sou o coração da virtude,
sou a alma da sabedoria,
Meu nome incendia o Inferno pertinaz,

«sou a doçura que reconstrói,
Amo a todos e não acuso a nada,
Meu nome, é chão, se chama promessa,

«Sou o único hospede oportuno,
Eu digo ao rei a linguagem verdadeira
Da manhã rosa e da tarde escura.

«Sou à ORAÇÂO, e meu fruto
Sendo teu vicio na derrota aos mais distantes.
Meu requisito: «Tu, sejas prudente».

—«Sim, minha Senhora, e sejas me testemunha».
PAUL VERLAINE
TRAD. ERIC PONTY

sábado, julho 14, 2018

Os Diálogos de carmelitas - Francis Poulenc - TRAD. ERIC PONTY

Os Diálogos de carmelitas (título original em francês, Dialogues des Carmélites) é uma ópera em três atos com música de Francis Poulenc e libreto em francês do próprio compositor e Emmet Lavery, baseado em um texto de Georges Bernanos, quem por sua vez se inspirou em um relato de Gertrud von le Fort. Se estreou no La Scala de Milão em 26 de janeiro de 1957.
Os Diálogos contribuíram na reputação de Poulenc como um compositor especialmente de bela música vocal. Os diálogos estão em grande medida no recitativo, com uma linha melódica que segue estreitamente o texto. As harmonias são suntuosas, com os ocasionais motos arrebatados que são características do estilo de Poulenc. Os profundos sentimentos religiosos de Poulenc são particularmente evidentes no magnífico solo à cappella de Ave Maria no o Ato II, cena II, e à Ave verum corpus no Ato II, cena IV. Durante à cena final da ópera, que têm lugar na Place da Nação, o som distintivo da lâmina da guilhotina descendendo se escuta amiúde sobre à orquestra e o canto das freiras.

RECOLHIMENTO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY


Sê cordata, ó minha Dor, e fica-te mais serena. 
Rezingavas a Tarde; eis que ela vem baixando: 
Sobre os cidadãos um véu de almas se tenciona, 
Alguns causando a desgosto, a paz a outros trazendo.

Enquanto das fatais desta afluência ignóbil, 
Sob o açoite do Delícia, verdugo horrendo, 
Contrições colhe à festança e ávida se punge, 
Dá-me, ó Aflição, mão; vem por aqui, cruzando.

Raspas. Vem ver arcarem se os Anos calhados 
Nas varandas do empíreo, em trajos antiquados; 
Brotar das águas Saudade acolhedora;

O Sol que numa arqueada estertora se aninha, 
Qual difuso sudário a arrojar no Oriente, 
Escuta, ô prezada, a doce Noite vianda.

CHARLES BAUDELAIRE
TRAD. ERIC PONTY

terça-feira, julho 10, 2018

SONETOS -

13

Se fores tu e eu! Porém, aí, amor,
Tu só serás teu tempo então vivas;
Desponte a abandonar esta ilusão
E chega em outras tuas feições finas.

Assim conseguirás que não termine
Esta beleza que detenhas, posto
Que quando o doce ramo te imite
Serás de novo tu, ao que hajas morto.

Tão digna residência não merece
Que um mal tutor a deixe abandonada
Expensas do inverno e suas correntes.

E o frio eterno morte vácua qual tua.
Não derrotarás, pois, amor, há dar-lhe
Ao teu filho o que tu tiveste: um pai.


WILLIAM SHAKESPEARE
TRAD. ERIC PONTY


segunda-feira, julho 09, 2018

A JOVEM PARCA - PAUL VALÈRY - TRAD. ERIC PONTY


Quem chora ali, sem não é simples vento, nesta hora
Só com diamante extremo? …  Com diamante extremo
Porém quem chora, tão próximo a mim momento de chorar?

Esta mão sobre meus traços que ela sonha rogar,
Distraidamente dócil, tem algum fim profundo,
Aguarda de meu marasmo uma lágrima que derrete,

E que de meus destinos, lentamente dividida,
No é mais puro silêncio limpar um coração certo.
A ondulação me murmura uma sombra me reprove,

O, aqui abaixo, oculta em suas gargantas de roca,
Como decepcionada e bebida amargamente
DUm rumor vago de canto e de constrição…

Que fazes, enrizada, e esta mão glacial,
E que gemido duma folha jaz manchada,
Persiste entre vossas, ilhas de meu senso nu? …

Cintilar, aliada por esse céu desconhecido…
DO imenso racimo brilha para mi sede de desastres.
Todo-poderosos estrangeiros, inevitáveis astros

Que se dignam alumbrar ao temporal distante,
Eu não sei que de puro e de sobrenatural;
Quem entre os mortais os submergis até as lágrimas,

Esses soberanos estalidos, essas invencíveis armas,
E os lances de vossa eternidade é própria eternidade,
Estou só com vocês, tenebrosa, atrás deixar,

Meu leito; e por cima do escolho mordido por a maravilha,
Interrogar ao meu coração a quem desperta a dor,
Que crime por mim ou sobre mim é consumado? …

… O se me persegue o mal dum sonho cativo,
Quando (o veludo dum sopro voou ao ouro das lâmpadas)
Com meus fortes braços apresentei meus sinais,

E, largamente, de minha alma contemplei os destelos?
Toda? Porém toda minha, amante de minha carne,
Endurecida por um escalafrio sua entranha extensão,

E em meus doces laços, com meu sangue ungido,
Me vejo verme, sinuosa, e adorei ver-me assim,
Dos meus olhares, minhas profundas florestas.

Perseguia uma serpente que acabava de morder-me.
PAUL VALÈRY
TRAD. ERIC PONTY
POETA, TRADUTOR,LIBRETISTA ERIC PONTY

sábado, julho 07, 2018

Relado à Academia (FRAGMENTO) - Franz Kafka TRAD. ERIC PONTY

Honoráveis soberanos da Academia!

A mim representa um grande honor seguir sua convocação a apresentar um malfeito à Academia sobre minha anterior vida siamesca.

Entretanto, por desgraça, não posso corresponder aos seus requerimentos nesse sentido. Já se hão cumprido quase cinco anos desde que me separei de minha condição de primata, um período de tempo que, talvez, considerado no calendário, possa resultar breve, porém que fui infinitamente largo de recorrer, sobre todo neste modo em que eu lhes falei, acompanhado cada trecho por homens exímios, conselhos, ovações, música orquestral, ao que no fundo sempre estive só, pois todo meu acompanhamento, para dizê-los com linguagem figurada, se mantida detrás da barreira. Toda essa atividade houvera sido impossível se eu, por obstinação, houvera desejado seguir prisioneiro as minhas origens e a minhas lembranças juvenis.

Precisamente renunciar a toda obstinação constituiu o mandamento supremo que eu mesmo me impus; eu, num modo livre, me submeti a essa situação. Por esta mesma razão, sem problemas, nas lembranças se desvanecem cada vez mais. Se em um princípio, neste caso de que os homens assim o houvesse desejado, havendo se houvera mantido aberto o caminho de regresso através da grande porta que o céu forma sobre a terra, meu desprendimento progressivo e violento se havia tornado mais estreito e asfixiante; me sentia muito melhor e mais adaptado no mundo humano, à tormenta que vinha fazia minha desde meu passado se havia suavizado; agora só é uma corrente de ar que me esfria na província, e a chuvarada na longínqua  por ele que sopra esse ar, e que eu também atravessasse, se há fronteira tão pequena que, se minhas forças e vontade bastarem para regressar, tinha que desprender-me ao pé para poder passar. Dito com toda sinceridade, por mais que me goste de empregar efígies a estas coisas, dito com toda franqueza: Sua condição simiesca, senhores, no caso de que tenham algo similar as suas espadas, não lhes pode ser mais estranha que a mim a minha! Porém a todo aquele que anda por a terra, lhe conquista a casa: tanto ao pequeno chimpanzé como ao grande Aquiles.

Franz Kafka
TRAD. ERIC PONTY

SONETOS - WILLIAM SHAKESPEARE - TRAD. ERIC PONTY


IV
Encanto derrotado, por que gastas
Tua herança de postural só em ti?
Natura não presenteia apenas nada:
Tão só prestando há quem dão sem fim.

Por que, então, beleza egoísta, abusas,
Da largueza com que te hão munido?
Efêmero usuário, por que apuras,
Tamanha suma e não obtêm respiro?

Sendo tu único cliente é tua pessoa,
Acabarás findando tu encanto;
Assim, quando por fim chegue tua hora,

Com que reserva farás guardar saldo?
Sem uso, tua beleza é coisa morta;
Ao usar, se converte em teu testamento.



V
As horas obsequiosas talharão,
O rosto que cativou os olhares,
Serão as mesmas que, como dos tiranos,
Desgracem o que agora irradia graça.

O tempo inexorável transfigura,
Ao agraciado estio em tenso inverno:
A seiva gelada, os ramos desnudos,
O belo embaixo neve, ao campo ermo;


Se à essência estival não permanece,
O Cativo em seu cárcere cristalino,
A beleza seu efeito, ambos dois morrem.

Há um tempo, sem deixar memória viva,
As flores, ao que hibernem, destiladas,
Não iluminam mas conservam sustância.

WILLIAM SHAKESPEARE
TRAD. ERIC PONTY