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segunda-feira, abril 16, 2018

ODE Á MADONNA DE SALVADOR DALI - ERIC PONTY



Á Piero della Francesca
I

Assomando-se ao céu da selva olvidar estrelas,
No silêncio, do Pastor ao canto, voz alada,
São entranhas da noite augusta. Cantam amores,
Aberto céu fechado o sol, branco, em chaves de ouro.

Incendeie-a; cantam trevas. Cantam à noite;
Entorpece sonho doce, rendem filhos da vida,
No seu regaço os acolheu todos embaixo,
Somente numa manta sombria qual folha delicada.

À Sombra não lhe tecem entre suas criaturas,
Nem lutam à luz; todos se abraçam regaço
Da boa mãe. Canta noite; seduz o sonho doce
Dos rendidos filhos da vida; cantam à noite,
Com canto verte doce olvido aos silentes peitos;

Canta à noite e com seu canto ergueu visões,
Que alma gozosa emitiu embaixo sol que céu lacra,
Qual silêncio mortal do meio dia emitir raio.

II

Tu conheces bem, mãe, esse antigo canto romance,
Está debaixo do sinônimo dos laureis brancos,
Embaixo Oliva, mirto, às saudáveis tentações,
Esta canção de amor já sempre se recomeça…?

Reconheces o templo de pistilo gigante,
Dos amargos limões verve com laivos de dentes,
Nesta gruta fatal incauta, em que tu adormece,
Deste pagão derrotado duma antiga semente…?

Voltaram, essas vestes que choraste, todavia,
Havendo retornar o tempo da ordem de outros dias,
À terra que se irritou debaixo dum sopro profético!

Não obstante essa sibila com seu rosto Divino!
Algo debaixo arco de Constantino dormiu:
—E nada hei perturbá-la Virgem ao pórtico severo.

III

Na via crua devastadora em torno de mim surgia efigie,
Altiva e clara, ô grão fruto, maçã majestosa,
Uma virgem atravessou, cuja fé fastuosa,
A coroa de tal fronte levantava e remexia.

Frágil e pobre, alçando sua Pietá escultural.
Eu rezava, fascinado em angelical postura,
De seus olhos do céu que alardeavam augura,
Na crença que deslumbra e do deleite tão natural.

Dum brilho… Qual à flama! Tão benta beldade,
Cuja vista me hei feito crer duma vez mais,
Não te admirarei nunca, senão na Eternidade?

Longe daqui! Já Mui tarde! Quem saberá jamais!
Pois tu seguias meu rumo, eu não sabia se iria,
Tu, hei quem eu tivera admirado, ô tu, bem o saibas!

IV

Foi num dia em que este sol empalidecerão,
Teus raios, que seu amor tão compadecido,
De quando, surgiu-me no eu desprevenido,
Vossos olhares, senhora, que me prenderam.

Em tal modo, olhares meus não entenderam,
Defender-se do louvor já se fez redimido,
Me julgava; em meu infortúnio de meu pranteado
Dum princípio que às comuns dores me obtiveram.

Louvar me alardeou de todo desarmado,
Sendo aberto ao teu coração deparou ao passo
Meus olhos, teu canto porta eu me embarquei:

Porém, ao meu parecer fé, não ficou honrado,
Ferindo com tua flecha naquele descanso,
Sendo há vós, amada, demonstrando arco luz.

 ERIC PONTY

domingo, abril 15, 2018

O CRISTO DE VELÁZQUEZ - (POEMAS) MIGUEL DE UNAMUNO – TRAD. ERIC PONTY


I

Não me vereis dentro de pouco ao Mundo,
Mas sim vós me vereis, pois, vivo e vivereis
Dizes-te; e olhaste: prenderam-te aos olhos da fé
No mais recôndito d´alma,
Sendo à virtude d´ arte forma
Te acreditamos visível. Varinha mágica
Nos foi o pincel de Don Diego Rodríguez
De Silva Velázquez. Por ela na carne
Te vimos hoje. És o Homem eterno
Que nos fez homens novos, sendo tua morte
Parto. Regressaste ao céu do qual vieste
Consolador, conosco O Santo Espírito,
Ânimo de tua grei, que é obra na arte
E tua visão nos trouxeste. Aqui encarnado
Neste verbo silencioso e branco
Que falou com linhas e cores, disse
Sua fé meu povo trágico. Sendo auto
Sacramental supremo, que nos põe
Sobre à morte bem na face de Deus.

II

Vento abismal da altura por dentre irmãos
Que já foram soprar o sobre hás d´ alma nos sacude,
E no trémulo espelho retratado
Também o mundo agita. Representam-nos
Qual de afogado nesta contorção tua imagem
Os que temblando ante à morte virão ao Juiz em Ti;
Mas este homem assentado,
Régio aposentador don Diego, intrépido,
De coração ao passo de andadura
Pelo comum rodeia de castelã,
Te vendo como sejas a Apolo,
Com à alma só atenta olhando a abastecer-se
Com a clara visão: que és a da arte
Á escola da eterna endeusadora.
Porque te veio com fé que se saciava
De ver não mais, n´alma bem contenta
Com ser a gota que espelha o Universo,
Infelizes olhos aos que ao virão qual vimos
O que não virão reis nem profetas
Nos dão teu brio ao pisar sobre escorpiões,
Dominando-lhe o poder do Tentador!
MIGUEL DE UNAMUNO
 TRAD. ERIC PONTY

MADEMOSELI DE PICASSO - TRAD. ERIC PONTY


I

São Versos louvor, conceitos esparsos,
Engendrados d´alma em meus zelosos,
Parte de meus doídos abrasados,
Com mais flores liberdade surgida;

Expostos ao mundo em que vão perdidos,
Tão certos olvidaste são trocados
Que só donde fossem já engendrados
Foram-se ao sangue versados pelo mundo:

Pois lhes furtais ao labirinto à Creta,
Ao Dédalo dos altos chamamentos,
Á fúria ao mar, às flamas ao abismo!

Se daquela áspide formosa aceita,
Deixa à terra, entreter os fortes ventos,
Descansareis em vosso centro mesmo.

II

Quando imagino meus breves dias,
Aos mui que ao tirano Amor me atreve,
E em meu cabelo antecipar à neve,
Mais que os anos, às tristezas minhas.

Vejo que são suas falsas alegrias
O Veneno no cristal razão bebeu,
Por quem o apetite voraz se atreve
Vestido em mil doces fantasias.

Que ervas do olvido há dado gosto
À razão, que, sem fazer seu artificio
Quer contrarrazão satisfazer-te?

Mas consolar-lhe pode meu desgosto,
Que és desejo do remédio indicio,
O Remédio de amor querer vender-lhe.

III

Musa se te aborreço, hei que há condeno
O que estes desta sorte em meu sentido:
Que infama ao ferro ao escorpião ferido,
E há quem o fora, mancha imundas cinzas.

Sois feita agulha mortíferos veneno
Que dana há quem o verte inadvertido;
É no fim, és tão mal e destemido
Que há um para aborrecido não sois bons.

Teu aspecto à minha memória ofereço,
Ao que com susto contradizer peço,
Por dar-me eu uma pena que mereço:

Pois quando ti considero o que disse,
Não só a ti, corrida, te aborreço,
Porém foste mim tempo que te quis.

IV

Em minha dor tão mortal tal ferida,
Dum agravo de amor me lamentava;
É por ver si minha morte se chegava,
Procurava que fosse mais crescida.

Tudo que no mal n´alma fez divertida,
Pena por pena em sua dor me somava,
Cada circunstância ponderava
Que sobravam mil mortes há uma vida.

E quando, ao golpe dum e outro me firo,
Rendido ao coração dava, penoso,
Senhas darem-se o último do suspiro.

Não sei com que destino prodigioso
Volvi em meu acordo e dizendo: Me admiro?
Quem louvar-te há sido mais que ditoso?
 
ERIC PONTY

AO BARROCO ESPANHOL - ERIC PONTY


I

Sendo limpidez céu luz formou pura,
Lucidez à lua tão claras às estrelas,
Clarezas formas efêmeras centelhas.
Que ao ar ergueu à destruição apura;

Ao que sendo raio de Sol, na pureza,
Lavoura custou ao vento mil querelas,
Já relâmpago se fez em suas ruelas,
Temerosa luz na relva fez-se obscura.

Todo o conhecimento torpe humano,
Se esteve obscuro sem que as mortais,
Plumagens pudessem ser, voo ufano.

Os pássaros discursos racionais,
Até que o teu, sumo, que lhes dê luz,
Sendo sujas às luzes celestiais.

II

Ser mesclada dor cores maravilha,
Divina protetora aparecida,
Que ser se passa prosa racional,
Apareceu ser prosa de celestial;

Sendo vez ao cristão (há quem nos fervilha,
Cerviz insurgente Salmos), ufana,
Até aqui inteligência reinante,
Sendo pura grandeza clamor sinal.

Já ao Céu, cujo clone misterioso,
Foi segunda vez sinais celestiais,
De silogismos cores claras assuma:

Pois não menos dê traslado formoso,
Ser cores teus versos tão imortais,
Qual maravilha tua cultura pluma.

ERIC PONTY

sexta-feira, abril 13, 2018

CANÇÔES DE PAUL CELAN - MICHAEL NYMAN - TRAD. ERIC PONTY


Á CANÇÂO DUMA SENHORA À SOMBRA



Quando silente chega decapitando Tulipas:
Afinal quem recebe por isso?
Afinal quem há se perde?
Afinal quem saiu à janela?
Afinal quem diz o primeiro nome dela?

É uma carreguei no meu cabelo.
Levo nas mãos quão se arrastam mortos.
Leva quão céu soprou meu cabelo no ano que amei.
Carregava consigo sua vaidade,
Esse ganha.
Esse não perde.
Esse não sai à janela.
Esse não pronuncia seu nome.

É uma que está nos meus olhos.
Tendo quem fechou às portas.
Carregava nos dedos quais anéis.
Levando quão fragmentos prazer e Zéfiro:
Sendo meu irmão deste outono.
Contar consigo os dias e as noites.

Esse é ganhador.
Esse não se perdeu.
Esse não chegou à janela.
Esse é quem anuncia o nome dela.

Sendo um que tem dito.
Carrega debaixo do braço qual um hálito.
Leva qual relógio na pior hora.
Leva de umbral em umbral, sem retirar.

Esse não ganha.
Esse perde, contudo.
Esse chegou à janela.
Esse é quem falou o primeiro nome.

Esse será decapitado com Tulipas.


CORONA
Minha mão traga outonal ramagem: Ser amigos.
Serenar tempos em as goelas conduzir-lhe passo:
Era regressará à casca,
Sendo Cristal Dominical,
Faz-se sonhar ao ser dormida,
No lábio falou-lhe o fato.
Meu olhar descende do sexo da amada:
Nós nos admiramos,
Nós dizemos sombrio,
Amarmos um ao outro Amapola e Memória,
Dormimos ao vinho das conchas,
Mar qual raio sanguíneo da Lua.
Somos cercados vitral, admirar à rua:
Sendo hora se ganhar um vintém!
É Tempo pétreo advindo ao florescer.
Inquietude lhe palpita ao coração.
É tempo é o de ser o Tempo.

SALMO
Nada nos chocará outra vez nesta terra e lodo,
Nada seduz nosso pó.
Nada.

Alada sejas, Nada.
Amor por ti ansiamos
Florejar.
Até
Mesmo à ti.

Um nada
Fomos, estamos, seremos
Sempre, florear:
Rosa de Nada,
De Nada Rosa.

Alma clara tem pose,
Ermo tal céu de estame,
Roja a corola.

Por púrpura palavra cantaremos
Sobre essa sobre
Esta espinha.

A TERRA ESTAVA ALI NELES

A TERRA ESTAVA ALI NELES
ESTES CAVARAM, APENAS.

CAVARAM E CAVARAM ASSIM PARTIRAM.
CAVARAM E CAVARAM E PASSARAM.
O DIA. Á NOITE. E NÂO DIFAMARAM DEUS.
QUE ASSIM SE OUVIU POR TODO NOSSO DIA.

CAVARAM E NADA MAIS OUVIRAM.
NEM SE DEMOTRAVAM SÀBIOS NEM IDEAVAM CANÇÔES.
NEM IMAGINARAM NENHUMA LÌNGUA.
CAVARAM APENAS.

VEIO UMA CALMA. CHEGOU TAMBÈM À TEMPESTADE.
DOS MARES TODOS CHEGARAM.
CAVO EU. CAVAS TU, CONTUDO. VAMOS CAVANDO UM POBRE HÀ MAIS.
E O QUE ALI CANTAVA DIZ: CAVEM-SE IGUAL ELES.

Ô UM, Ô NENHUM, Ô NADA, ÈS:
HÀ ONDE FOI ÀQUELE EXISTIA QUE NADA SURGIU?
TU PORÈM CAVAS. EU CAVO CAVANDO TAMBÈM IGUAL QUAL VOCÊ.
EM NOSSO DEDO DESPERTOU ESTE ANEL.
PAUL CELAN
TRAD. ERIC PONTY

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni - TRAD. ERIC PONTY



RIME
MIQUEL ÂNGELO

Michelangelo (1475-1564) nasceu em Caprese, nas vizinhanças de Florença, Itália, no dia 6 de março de 1475. Na escola interessava-se apenas em desenhar. Aos 13 anos torna-se aprendiz no estúdio de Domenico Ghirlandaio, em Florença. Em 1489 ingressa na escola de escultura de Lourenço de Medici, que o hospeda em seu palácio. Convivendo com a elite nobre e intelectual, se empolgando pelas ideias do Renascimento italiano.

Escultor, pintor, arquiteto e poeta, o conjunto da obra revela forte apego ao ideal do homem perfeito: "Belo, Bom e Verdadeiro". Teve grande paixão pela escultura, em 1501, iniciou a escultura de "David", o jovem herói bíblico que venceu o gigante Golias, onde tentou expressar-se no ideal de beleza física em plena exuberância das formas. Chamado, juntamente com Leonardo da Vinci, a decorar a "Sala Grande do Conselho, em Florença".

Michelangelo demostrava paixão à grandiosidade, principalmente na arquitetura. Em 1520 planejou o edifício e no interior da "Capela de São Lourenço". Em 1535, no pontificado de Paulo III, foi arquiteto, pintor e escultor do "Palácio Apostólico" e replanejou a "Colina do Capitólio em Roma", obra que acabou não sendo terminada. Em 1552 iniciou a reconstrução da "Catedral de São Pedro", mas só completou enorme cúpula.


O artista também foi dedicado à poesia, escreveu o livro "Rimas". Próximo da morte desabafou num poema "Na verdade, nunca houve um só dia que tenha sido totalmente meu".



Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, morreu em Roma, no dia 18 de fevereiro de 1564. O corpo está enterrado na Basílica de Santa Cruz, em Florença.


Esses Sonetos Michelangelo di Lodovico Buonarroti, são o maior conjunto traduzido em língua portuguesa. Optei por linguagem moderna não arcaica.

  3

Tão grato e feliz, ao teu feroz mal,
Ostentam e vencem lhe é concebido,
Ou laço, ao peito vou banhar frequente,
Contra vontade, só quando ti vale.

E se danoso suprimir à fecha
Ao signo meu cerne não foi mais junto
Ou saber golpear vingança si mesmo
De que belo olhar, fiar todos mortais.

Quantos laços até mesmo quão redes
Vagando passarinho maligna sorte,
Mora mui anos a morrer infeliz.

Tal qual mim, dona, Amor, como verás,
Para dar-me nesta época cruel morte,
Sem base de meu grão tempo qual vejo.

4

Quanto se goza alegre bem contesta,
Da flor sopra crina doiro guirlanda
Que um outro prévio há outro manda
Tendo qual primo foi beijar julgar.

Contenta tudo em torno aquela vesta,
Que cerra peito põe ao que se expanda,
Mas mais alegre que tira a que goza
Doirada ponta com si faz caráter.

Mas mais alegre que tira a que goza
Doirada ponta com si faz caráter
Que pressionar toca peito se liga.

Á sincera cintura que se amarra,
Meu igual enxuto da corrente sempre
Ou que fazeis coroa dos meus braços?

6

Senhor, vero é algum provérbio antigo,
Isto é bem que pode, mas não queres,
Tu dás crédito ao valor sua palavra
E premiado de ver o seu inimigo.

Eu sou e fui teu bom e servo antigo,
Que a ti são dados como os raios sol,
E do meu tempo não aumenta esmola
E homens gostam mais que fatigados.

Já esperava ascender para tua altura,
E gosto peso desta potente espada,
Pulsa necessidade e não voz do eco.

Mas o céu certa virtude despreza,
Localiza mundo, se dá que outro vá,
Ao prender fruto da árvore tão seca.

10

Fazer elmos dos cálices das espadas,
Ao sangue deste Cristo vende gamelo,
Cruz de espinhos seja um lance à roda,
Pureza de Cristo paciência ao cair.

Mas não chegue mais nesta província,
Que nem André sangue seu está estrela,
Depois que Roma vendeu a sua pele
E eis cada bem fechado nesta estrada.

Se eu haveria querer a perder Tesauro,
Por isto que essa obra minha partida,
Pudesse nem manto Medusa em Mauro.

Mas se alto céu pobreza estimada,
Qual fia nosso estado grão restauro,
Se outro signo apaga há outra vida?

23

Eu que fui já há muitos anos mil voltas
Ferido e morto não ganho exausto
De ti é minha culpa, do início alva,
Repreendê-lo a tua promessa tola.  

Quantas vezes ligada e quantas soltas,
Ao triste membro, sim incitando lado,
Que apenas posso retornar meio anco,
Banhando peito com mui dos choros.

De ti dolorido Amor, com triste fala,
Soltando teu poder, qual necessidade,
Pega-lhe Arco cruel, tirou-lhe voto?

Ao lenho incinerado da serra angústia,
Dentro dum correndo é grão vergonha,
Se perdeu firme cada destreza gesto.

34

Á vida de meu amor não é imo meu,
Que amor de que ti amo sem coração,
Onde a coisa mortal, plena dos erros,
Ser não posso, mas nem lhe pensei mau.

Amor nem repartir alma de Deus,
Me fez santo Olho e tua luz esplendor,
Nem pode vê-lo naquilo que moras,
De ti por nosso mal, meu grão desejo.

Amor nem repartir alma de Deus,
Me fez santo Olho e tua luz esplendor,
Nem pode vê-lo naquilo que moras,
De ti por nosso mal, meu grão desejo.

Como do fogo do caldo, eu divido,
Não posso dum belo eterno minha estima,
Que exalta, onde ela vem, mas semelha.

Por dentro meu olho tudo é Paradiso,
Por retornar onde alma fez Primeva,
Recorro ardendo sob os teus cílios.

17

Cruel, amargo, impiedoso imo
Vestido de doçura e de amar pleno
Tua fé ao tempo nasce, e dura menos
Ao doce vernal não fez todas flores.

Movendo o tempo e repartir-se às horas,
Ao viver de nosso péssimo veneno;
Como foice e não sejas como feno
. . . . . . . . . . . . . . 8

A fé é curta e graça não durável,
Mas de par seco par que se consuma,
Sendo pecado querer de meu dano.

. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
Sempre fazer nós faremos todos anos.

42

Fala-me graça, Amor, se olhos os tens,
Chegando a ver dela beleza aspiro,
Se eu olho dentro quando eu me miro,
Vejo esculpido o rosto que faz desta.

Tu hás de saber que tu vens como dela
Tira cada minha paz onde eu me provoco
Nem quero pequeno um mínimo suspiro,
E nem meus ardentes fogos pedidos.

Beleza que tu vês é bem daquela,
Mas cresce melhor que um local sal,
Se por que olhos mortais d´alma corridos.

Ali se faz divina honesta e bela
Como igual duma tal coisa imortal
Nesta e não àquela que olhos teus percorre.

43

Razão comigo lamenta na dor,
Parte que espero amando essa feliz,
Com forte exemplo e com veras palavras
Minha vergonha fez recordar e diz.

Como nem reportar ao vivo sol,
Outro que morte? E não como feliz,
Mas pouca vantagem esta carece
Não basta outro apoio jaz vitória.

Conhecendo e dano e vero intendo,
Doutra banda refúgio outro coração
Isso me acidenta onde mais que rendo.

No meio das duas mortes, meu senhor:
Nesta não vou e nesta não compreendo
Coisa suspensa ao corpo alma morre.

47

Qual ministro suspirou meus tantos
Ao mundo aos olhos meus há se tirou,
Natura que faz dignar-se volver,
Resta-me vergonha e que vi em pranto.

Mas não como dos outros hoje honram,
Sol a Sol aos morreram e tiraram,
Morte com amor ganhou e tomou tirou,
Na terra viver no céu faz outro santo.

É coisa cria em morte iniqua e real,
Acabar ao som da virtude guarda
N´alma homens belos apures poderão.

Contrário d´efeito iluminam carta
Á vida dos que na vida não se aquecem
Mortal há céu destina não lauda parte.

58

Se imortal desejo alça e corrige,
Que de outros pensem tirar minha força
Talvez, todavia na casa do Amor
Farás pio desumano da guarda.

Mas porquê d´alma divina por lei,
Há longa vida corpo em breve morre,
Não posso sentir louvor ou valor,
É Todo descrever que todo não lê.

Coroa olear-me! E como será ouvida,
Casto desejo que imo dentro incende
Dal que sempre mesmos outros veem?

Á minha cara jornada está impedida,
Meu senhor, está mentindo eu aguardo
Dizer vero, mentiroso é que não crê.

59

Se um casto amor, da piedade elevada,
Se dita entre dois amantes iguais,
Se uma amarga sorte ao doutro cala,
Se uma alma anseio dois imos governam.

Se uma anima em dois corpos faz eterna,
Ambos alçando céu, sendo, com par asas,
Se amor dum golpe dum doiro da fecha
Vices de dois peitos ardem e discernem.

Se amar um outro, e não só há si mesmo
Dum gosto e dum deleite tal pagamento
Com um fim querer dum outro se põe.

Se mil e mil não seriam quatrocentos,
Ao tal nó deste amor e de tanta fé,
E Sol abjeto pode romper e escolher.

61

Se tivesse lhe crido em prima vista,
De que desta alma Fênix ao sol quente
Renovaria fogo meu costumava
Numa última d´era onde tudo ardia.

E mais veloz cervo lince do pardo,
Segue só bem e foge qual que dor,
Em ato, ao riso, as honestas palavras
Terás presa antes onde som já e tardo.

Mas porquê mais causar porquê vejo,
Aos olhos deste anjo alegre e tão só,
Á minha paz, meu repouso, minha saúde.

Talvez que prima este estado perigo,
Vê-lo, ouvi-lo, se será igual ao voo
Cansa me empenha à seguir tua virtude.

62

O Sol puro com ardor caçote ferro arde,
Ao conceito seu caro e bela aflição,
Nem sem fogo algum artista do doiro
Ao sumo grado seu refino e renda.

Nem há única Fênix se repreendeu,
Se não prima ardida onde ardendo moro,
Confio mais próprio ressurgir traz cores  
Que morte acresce ao tempo não se ofende.

Do fogo de que falo eu grão ventura,
Ainda por renovar haver in meu lugar,
Sendo já quase no número de mortes.

Ao ver se alça ao céu ascende por natura,
Ao teu elemento que eu converso in fogo,
Como vergonha cansada não me dou?

63

Sim amigo, pedra fria flama interna,
De que ao trato de que circunscrevê-la
Que arda e quebre em qualquer modo viva,
Prendendo com seu doutro loco eterno.

E se na fornalha dura, estais em verno,
Vencer não é mais valor que prima dá,
Como expurgada entre outra alta e deusa,
Alma nem céu transformasse inferno.

Á coisa trato de mim, se mim dissolve,
Em fogo que mim dentro oculto jogo,
Ardendo extinto haver mais vida posso.

Na Coroa viver, fez fumo e poeira,
Eterno bem ser anunciar o fogo,
De tal ouro e não ferro sem percurso.

66

Por que talvez doutra pena me venha,
Porquê dum outro golpe mais não ria,
Meu próprio valor sem outro guia,
Caduca é alma que se faz já digna.

Nem sei qual militar doutras insígnias,
Não hei de vencer ganhar mais confiança,
Se o tumulto de adverso dum grito
Não pela sobre possa teu não sustenha.

Por que talvez doutra pena me venha,
Porquê dum outro golpe mais não ria,
Meu próprio valor sem outro guia,
Caduca é alma que se faz já digna.

Á carne, o sangue, à lenha, dor extrema,
Justo a vós façais ao meu pecado,
De tal quando nasci e tal foste pai meu.

Teu Sol Bom à tua piedade suprema,
Socorra meu predito iniquo estado,
Ser preso à morte e distante de Deus.

72


Se não volto por olhos no imo olhar,
Outro sinal não eu mais manifesto,
Da minha flama, encurva basta isto,
Senhor meu caro, demandar piedade.


Força o espírito teu com maior fé,
Que não creio, se guarda em fogo honesto,
Que me arde, fé de meu piedoso e cedo,
Como graça abunda há que bem quer.


Ô feliz aquele dia se faz tão certo!
Medido em um momento em tempo e hora,
O dia e sol nessa sua antiga marca.


Acho tu sabes, não é por meu mérito,
Ao desatar, sendo meu doce senhor,
Por sempre que no indigno e pronto braço.


76

Não sei se é desta desatada da luz,
Do seu primo fator que d´alma sente,
Ou se desta memória que desta gente,
Alguma outra graça coração transluz.


Ou fama ou se sinal algum produz,
Aqui olho manifesto coração presente
De que se lancinando um não consente
Que é talvez ou que ranger me conduz.


Daquilo que sinto e que cerco e me guia,
Meco não é, nem só bem um tipo donde,
Falar mal possa, e, por um doutro mostre.


Isto senhor, me ocorre que vi viver,
Que um doce amaro um si e não me comove,
Tão claros serão que estado olhares Vossos.  

Michelangelo  Buonarroti

TRAD. ERIC PONTY

quinta-feira, abril 12, 2018

As VIDRAÇAS - Stéphafane Mallarmé - TRAD. ERIC PONTY

Á Prof. Maria Teresa
Qual dum triste hospital e dum incenso fedido,
Que se uniu na pureza banal cortina,
Versus bom crucifixo da parede oca,
Moribundo hipócrita levanta um velho.

Se fila partiu, aquém em se acender-se vício,
Que para ver o Sol sobre pedras, punidas,
São nestes pelos brancos de tísicas figuras,
São vidraças que um belo intenso raio verte.

E obtuso e teso e azul devorador acalma,
Tal jovem ela vai respirar teu tesouro,
Na pele virginal e de outrora! Enodoa
Dum longo beijo amargo morno xadrez doiro.

Ébrio, vivo olvidado horror aos santos óleos,
As tisanas, relógio são que dum leito inflige,
Tosse e quando à noite sangra dentre telhas,
É um céu, horizonte à luz desfiladeiro.

Vejo das galerias doiro, em soberbos cisnes,
Sobre um rio escarlate e perfumes dormidos,
Embalados lampejos fero em ricos raios,
Em grande indiferença pesada memória.

Se, pegando repugnância homem alma dura,
Oprimidas são graça ou seu só apetite,
Comem, e que obstinado à busca do estrume,
À servir à fêmea enfermeira aos pequenos.

Eu fujo e eu me atrelo em todas às cruzadas,
De se tornar de ombro à vida, abençoar,
Qual teu copo lavar nas eternas das rosas,
Na dourada manhã casta do infinito.

Eu me olho observo d´anjo! Eu morrer-te amo,
- Qual deste vidro quero à arte quer misticidade –
Ao renascer, portanto, meu sonho em diadema,
Este céu anterior ou flóreo pela à graça.

Mais, hélas! Aqui-baixo mal assinalada,
Vem me nausear à volta até este abrigo bom,
É vociferação impura da imprudência,
Dá coragem tapar ao nariz diante azul.

Este médio fez, ô me conhecer angústia,
De pregar-me cristal ao ser monstro do insulto,
De me esquivar com minhas asas duplas sem plumas,
_. Ao risco decair durante à eternidade?
 Stéphafane Mallarmé
TRAD.ERIC PONTY

quarta-feira, abril 11, 2018

Vergers (Elegia) ERIC PONTY


À Rilke
I
Esta noite em meu coração fez-se cantar
Aos anjos que lembrem de mim...
Uma voz, quase minha nessa relva
Sendo tentada excesso silente,
Subir e descer degraus
Não retornar jamais;
Voz terna e intrépida relva,
Em que ela se unirá
Num só coração?

II
A Lâmpada noturna serena qual confidente,
Não se ergue na vela frágil de meu coração
(Seria árduo faze-lo); porém costas verdura
Do lado estão suaves acesas
À memória de Virgílio
Sem Paradiso.

Também quais lâmpadas de estudante,
Que desejaria tal leitor,
de tanto em tanto,
Embora leitura, admira
Nessa relva
Qual carpete retumbar qual montanha!

(Simplicidade suprime há angelical
Benção.)

A Lâmpada noturna serena verdura
Iça-se aos homens num sermão
Dum ermo Serro!
ERIC PONTY

O Caminho do Bosque - Martin Heidegger - TRAD. ERIC PONTY


Na sua juventude Martin Heidegger seguia pelo "O Caminho do Campo" onde surgia em seguida detrás do portão do jardim do castelo sendo que este era cruzando pelos prados e campos sobre suaves ondulações que se amoldavam ao terreno, que se dirigiam até o Ehnried. Hoje em dia à cidade de Messkirch se estendeu até o Sul.

O Caminho de Campo foi um caminho vizinho com passeios, que estão ultimamente asfaltados e urbanizados terminando em duas escolas novas, entre elas: O Instituto Martin Heidegger. Só então o Caminho do Campo passou, agora ser também asfaltado, ao lado do Crucifixo dirigindo-se até o banco embaixo do velho robe na linde do bosque.

Fotografias demonstram-nos esse caminho do campo original e às devemos quase exclusivamente à senhora Elsbeth Büchin de Messkirch; pretendem servir como um mínimo auxilio ao leitor que possua uma ideia de como esse era em outros tempos. O Caminho do Campo de Martin Heidegger.

Hermann Heidegger

 O portão do jardim sai até O Ehnried. Os velhos arvoredos do horto do castelo encimam do muro observam-se aleijar-se, assim logo na Páscoa quando estes reluzem entre coisas espalhadas que brotadas nos prados despertados, qual ao Natal quando debaixo da nevasca desaparece detrás duma colina mais próxima.

          Á altura do crucifixo reluz até o bosque.
         Ao passo por sua linde, saúda a um velho robe debaixo do qual havia um banco feito de tosca madeira entalhadura.

    Encima de vez enquanto se encontrava algum outro escrito dos grandes pensadores que um jovem tropeça em intentar se decifrará. É quando os enigmas se juntam e não se vislumbrava qualquer saída, ali estava sempre O Caminho do Campo.
       Uma e outra vez o pensamento recorrente, ora sumido naqueles escritos ora em outras tentativas próprias, ou à vereda do caminho traçando através dos campos.que deste permanecem tão próximo de nós ao passo do pensador ao passo do camponês que, ao amanhecer, fazendo à sua marcha ao seguir sua trilha.

     O menino com os anos, tendo o robe do caminho então se desvia de suas recordações até os jogos da infância e das primeiras decisões. É quando às vezes esse robe, no meio do bosque, caía embaixo do golpe do machado, do pai, presunçoso, rastreava o bosque e dos dias claros ensolarados na procura do estéreo que se lhe havia advertido à sua tarefa.

  Ali trabalhava pausadamente durante os descansos de serviço no relógio do campanário e nas campainhas, que sustenham ambos em sua própria relação com o tempo e a temporalidade.

           Com à certeza do robe dos meninos ao construírem seus barcos que, equipados com o banco de remeiro e o timão, flutuavam no arroio na fonte da escola. Os viajantes pelo mundo dos jogos algum alcançavam facilmente seu destino e conseguiam regressar sempre na orelha. Os delirantes destas viagens permaneciam ocultos em outrora apenas no visível do resplendor que acobertava todas às coisas. Olho e mão da mãe delimitavam seu reino. Como se sua preocupação não dita de velar-se por todas as criaturas. Aquelas viagens do jogo para um nos denunciam os passeios nos que toda orelha ficam por detrás.



         Entretanto à dureza e o odor da madeira do robe se empenharam em dizer mais perceptivelmente da longitude e da constância com àquilo que cresceram na árvore. O robe mesmo nos diz então que só existe um crescimento se tal reside em nós perdurando e que nós dará seus frutos; que é crescer é abrir-se na amplitude do céu e ao mesmo tempo arraigar-se na escuridão da terra; O todo genuíno sendo que esse prospera não só no homem ao se tornar ambas vezes destas coisas, dispostos às exigências do céu supremo e amparado no sentido da terra devastada.

TRAD. ERIC PONTY

ROMANCE SONÁMBULO - Federico García Lorca - TRAD. ERIC PONTY

À GLORIA GINER E A FERNANDO DOS RÍOS

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
O barco sobre o mar
O cavalo na montanha.

Com sua sombra na cintura
Ela sonha em sua varanda,
Verde carne, pelo verde,
Com olhos de fria prata.

Verde que te quero verde.
Embaixo da lua Gitana,
As coisas estão nos observando
E ela não pode olhá-las.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha,
Chega com o pez de sombra
Que abre o caminho de alba.

A figueira afronta-se seu vento
Com a lixa de seus ramos,
E o monte, do gato noturno,
Ergueu suas pitas agrais
Porém quem verá? E por onde…?

Ela segue em sua varanda,
Verde carne, pelo verde,
Sonhando no mar amargo.

Irmão, quero mudar
Meu cavalo a sua casa,
Minha sela está no seu espelho,
Minha faca por sua manta.
Irmão, venho sangrando,
Desde os portos de Cabra.

Se eu pudesse, mocinho,
Esse trato se encerrava.
Porém eu já não sou eu,
Nem minha casa é minha casa.

Irmão, quero morrer
Decentemente em minha cama.
De certo, se pode ser,
Com lençóis de Holanda.
Não olhas a ferida que eu trago
Desde o peito na garganta?
Trezentas rosas morenas
Leva em tua peixeira branca.

Teu sangue resume em cheirar
Ao arredor de tua franja.
Porém eu já não sou eu,
Nem minha casa é já minha casa.

Deixa-me então subir ao menos
Até as altas varandas,
Deixa-me subir! Deixa-me
Até as verdes varandas.
Até aos trilhos da Lua
Por onde retumba sua água.

Já sobem ante os irmãos
Até suas altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.

Tremulam-se nos telhados
As Lanternas de lata.
Mil pandeiros de cristais,
Machucaram à madrugada.

Verde que te quero verde,
Verde vento, verdes ramos
Os dois irmãos subiram.
O largo vento, deixava
Na boca um raro gosto
De fel, de menta e de manjericão.

Irmão! Onde estás, diga-me?
Onde está tua menina amarga?
Quantas vezes te aguardo!
Quantas vezes te esperara
Cara fresca, negro pelo,
Nesta esverdeada varanda!

Sobre o rosto de cisterna,
Se mexia na gitana.
Verde cama, pelo verde,
Com olhares de fria prata.
Um sincelo de Lua
Á sustenta sobre água.
A noite se possuo íntima
Como uma pequena praça.
Guardas civis machos
Na porta nos golpeavam.

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
O barco está sobre o mar.
E o cavalo na montanha.

Federico García Lorca
TRAD. ERIC PONTY

terça-feira, abril 10, 2018

A poesia de um filho da Hélade - JOÂO DA PENHA




           Em seu primoroso livro "A literatura inglesa", Anthony Burguess observa que as palavras podem ser usadas de duas maneiras: uma artística, outra não-artística. 

Dito mais extensamente: as palavras mesmas podem ser vistas duplamente e distintamente. Pois, primeiramente, podemos buscar seu significado consultando o dicionário, onde encontraremos sua denotação. Podemos, ainda, verificar a associação que a palavra adquiriu por meio do uso constante - teremos, assim, suas conotações.

             O escritor literário, prossigamos na trilha do romancista e ensaísta inglês, persegue as conotações, vale dizer, as maneiras pelas quais ele, escritor, pode fazer com que suas palavras nos comovam ou nos excitem. E o poeta, artífice da "mais alta forma de literatura", está sobretudo preocupado com as conotações da palavra. E isso, essa preocupação, distingue o poeta do cientista ou dos autores da literatura jurídica, profissionais compromissados com o significado denotativo da palavra; neste caso, cada palavra deve significar uma coisa determinada e apenas ela. É o caso desse poema, de cuja graça infinita nos traz à efigie dum Van Gogh, que nos adverte de que escutar uma voz interior dizendo ‘você não pode pintar’, então pinte e essa voz será enfim silenciada no sempre:

Com dom Van Gogh eu sonhava menino,
Suntuosidade da Holanda do passado,
Com Saltério dos Santos, das estrelas.
Cria meu desejo, debaixo lúmen douro.

Entre perfumes sons sagrada música,
Hereges infinitos, céus carnais.
Agora, mais calmo, igual já febril,
Sabendo que vida é sucinto pacto.

Tendo que refrear minha rara postura,
Sim resignar-me, empenhei, o bastante.
Sendo assim! Nobre seduz meu predicado.

Porém distante mim, com fiz, o amável,
Hoje aborreço igual à mulher formosa,
Cuja rima assonante a amiga sensata.


            Desde tempos imemoriais, assim trabalham os poetas, os verdadeiramente poetas. São artistas por excelência da palavra, da palavra conotativa. No Ocidente assim é desde que a luz da Hélade passou a iluminar esta parte do mundo que à palavra transcendeu o ser.

           A literatura grega é da literatura clássica por excelência, sentenciou, com todas as razões, o poeta Manuel Bandeira. A literatura de Homero, educador da Grécia, nos assegura Platão. Homero, como Orfeu, Museu, Lino, é uma figura lendária. O que sabemos do grande aedo   chegou até nós via uma ou outra tradição popular, ou por meio de especulações de gramáticos com base em passagens da "Odisseia" (ou "Ulisseia") e da "Ilíada". Muita e muita tinta correu sobre as origens de Homero. Sete cidades reivindicam ser seu berço natal. Camões, o poeta-fundador da língua portuguesa, descreve em "Os Lusíadas" a disputa:

 "Esse que bebeo tanto da agoa Aonia/Sobre quem tem contenda peregrina,/Entre si, Rodes, Smirna, e Colofonia,/Atenas, Yos, Argo e Salamina".

         Por muito tempo, houve correntes que nos descreveram essas duas epopeias homéricas como uma coleção de rapsódias de autoria coletiva e totalmente anônima.  Wolf esposou tal teoria, acatada por muitos críticos mercê da grande erudição com que foi exposta. Mas houve quem dela discordasse, à frente um poeta do porte de Schiller, que considerava "bárbaros" os argumentos utilizados. Goethe, inicialmente, mostrou-se receptivo à hipótese wolfiana. Mais tarde, ficou convencido da unidade dos poemas, suficiente, a seu ver, para anular a tese de uma autoria múltipla.  O avanço da literatura comparada e o aprofundamento do método crítico - e sejam acrescentadas as estas descobertas arqueológicas - esvaziaram os esforços dos seguidores de Wolf em validarem a teoria de seu prógono. 

É a essa literatura grandiosa ora que lhe pertence.

        Sendo poeta. Quer dizer na prática mais elevada das formas literárias. É qual poeta grego. Herdeiro, portanto, de uma literatura que não teve mestres -  formou-os. Literatura que criou gêneros, forjou modelos. Poeta da erudição como nesse poema expressivo da alma de Hélade grega:

Fala: Confinar-me-ei outro chão, ir oceano.
De outra urbe terá de ser melhor paragem.
Sendo à cada ânimo meu é dito proferido;
Do meu coração — padecido — pregado.
Até porque minha alma finda o marasmo?

Olhe meus olhos, onde quis olhar certa vez,
Percebi ser negras ruinas da essência,
Passei tantos anos derruídos e gorados»

Não dirás aos chãos, não dirás outros oceanos.
Urbe ti acossará. Andarás nas vias pastoris.
Seguirás os arrabaldes até tua vetustez;
Entre muros iguais irás lamentar-se n´alma -
Sempre regressarás a urbe. Ser outra região —
Não ti espere absolvição sinal — É local.

       Como diáspora grega é Konstantinos Kaváfis, nascido no norte da África, na cidade de Alexandria. À Grécia, Kaváfis só foi umas poucas e breves ocasiões. Sua majestosa poesia só veio a público postumamente. Seus poucos mais de 150 poemas foram recolhidos por Aleko e Rika Singopoulos. E. M. Forster e T.S. Eliot fizeram enormes esforços em divulgar a poesia do grande grego quando este ainda vivia, mas o próprio recusou o favor, pois não considerava sua obra suficientemente amadurecida a publicação, além de desejar vê-la divulgada em seu idioma original antes de sair em tradução.

     Para gáudio dos admiradores da grande poesia, está poesia está entre nós. E publicando. Publicando poesia de alto nível.

      O poeta explorar a sabedoria de Atena, sendo que este explora:

Lira içou. Transcendência candura!
Igual canto Orfeu! A Lira pura orelha!
Tudo silencia. Tudo silente faz se ouvir
Surgindo princípio, do sinal, à mutação!

Bestas silentes sujeitaram clareza
Selva desatada em ninhos e jazigo;
Sons evidentes da astúcia coeva
O Medo amansava-se igual forma.

Sim ouvis. Ruídos, berros, brados sumidos,
Pequenos corações. Onde não há asilo,
Senão de onde acolher estrondo advindo.

Ser o refúgio volição obscuríssima
É um umbral brunas jaulas sombrias;
Tu lhes criaste à catedral nesse ouvido.

                 Um aspirante a poeta, Franz Xaver Kappus, trocando cartas com Rilke, submeteu seus poemas à apreciação do grande vate. Resposta de Rilke:
  
 "Perguntais se vossos versos são bons. Perguntais a mim. Haveis anteriormente perguntado a outros. (...). Ninguém vos poderá orientar e ajudar. Ninguém. Só há um meio. Entrai em vós mesmos. Pesquisai o fundamento que vos chama a escrever; verificai se ele tira as suas raízes do mais profundo de vosso coração, respondei a vós próprios se haveríeis de morrer, se vos fosse vedado escrever. E, sobretudo, isto interrogai-vos no maior silêncio da noite: devo escrever?" 
                  Kappus, ao que se sabe, não insistiu na poesia - tudo leva a crer que buscou rumos mais prosaicos na vida.

                  Ora, a poesia, em Rilke, tem algo de monástico, ascético, pois, ele nos advertiu, a cultivá-la é preciso “solidão, grande solidão interior. Entrar em si mesmo e, por horas a fio, não encontrar ninguém - eis o que se deve conseguir".

   Eric Ponty conseguiu praticar tão difícil exercício da alma artística. Por isso, se torna um poeta de alto coturno onde som, metáfora e música se fundem numa expressão profana artística, mas que tem algo de monástico, ascético.

                                             João da Penha
                                             Jornalista e escritor.

* Mantive, na citação, a grafia original das duas edições de 1572, ano da primeira publicação de "Os Lusíadas".

NUMA EMBARCAÇÃO NUMA PENEIRA - EDWARD LEAR - TRAD. ERIC PONTY

I

Partiram ao mar numa Peneira,
Que esses mesmos fizeram,
   Dum peneiro partiram ao mar:
Apesar de serem todos amigos que pudessem falar,
Numa manhã de Inverno, num dia de Tempestade,
   Em um peneiro partiram ao mar!
E quando o peneiro retornou e revolveu,
E cada um gritou: 'Serão todos afogados!'
Atraíram em voz alta,
"Nossa Peneira não sendo grande embarcação.

Pouco nos importa mesmo sendo vamos num botão!
Nós não nos importamos com um figo!
   Em um peneiro, iremos ao mar!
      Além sermos tão poucos, bem longe e aos poucos,
         Sendo nossas terras onde vivem os Cabecinhas;
      Suas cabeças verdes, e suas mãos azuis,
         E foram todos ao mar num peneiro.
II

Navegaram longe em uma Peneira,
Que esses mesmos fizeram,
   Em um peneiro navegaram tão veloz,
Sendo apenas um véu formoso verde-ervilha
Amarrada numa fita por uma vela,
   Em dum pequeno mastro de canal de tabaco;
E cada um disse, quem os viu ir,
- Não vão ficar logo aborrecidos, sabe?
Pois sendo céu escuro, e a viagem distante.

E se lhes acontecer algo podem dar extremamente errado
Em uma peneira navegarem de forma tão veloz!
Além ser tão poucos, bem longe e tão poucos,
São destas terras onde vivem os Cabecinhas;
Suas cabeças verdes, e mãos são azuis,
E foram ao mar num peneiro.

III

A água logo adentrou embarcação, fazendo deles,
   A água logo entrou;
Então, mantê-los secos, se enrolaram com os pés
Em um papel rosadinho todo dobrado puro,
   E eles o prenderam com um alfinete.
E passaram à noite num vaso de louça,
E cada um deles disse: "Como nós somos sábios!
Embora o céu esteja escuro, e a viagem seja longa,
No entanto, nunca podemos pensar que erramos
ou estivéssemos erramos,
   Enquanto rodada em nosso Peneira nós giramos! "
      Além de sermos poucos, bem longe e tão poucos,
         São terras onde vivem os Cabecinhas;
      Suas cabeças verdes, e as mãos são azuis,
         E foram ao mar num peneiro.

IV

E por toda à noite esses navegaram;
   E quando o Sol enfim postou,
Assobiaram e cantaram numa canção à luazinha
No som que ecoou dum gongo cúprico,
   Na sombra das montanhas marrons.
Ô Tambor! Como estamos felizes,

Quando vivemos numa peneira numa jarra de louça,
E durante toda à noite, ao luar pálido,
Navegamos afastados duma vela de ervilha,
   À sombra das montanhas, marrons!
Além sermos poucos, bem longe e sendo tão poucos,
Sendo às terras onde vivem os Cabecinhas;
Cabeças são verdes, e às mãos são azuis,
         E foram para o mar num peneiro.

V

Navegaram ao Mar Ocidental, que estes mesmos fizeram,
   Numa terra coberta todas árvores,
Compraram duma coruja, num carrinho tão útil,
E duma libra de arroz, e duma amora azeda,
   E uma colmeia de abelhas prateadas.
Navegaram ao Mar Ocidental, que estes mesmos fizeram,
   Numa terra coberta todas árvores,
Compraram duma coruja, num carrinho tão útil,
E duma libra de arroz, e duma amora azeda,
   E uma colmeia de abelhas prateadas.
Sendo compraram porco, e alguns marinheiros,
Em uma linda arara com garras de pirulito,
E quarenta garrafas de groselha,
E sem fim dum Queijo azedo.
      Bem longe e sendo tão poucos, além de tão poucos,
      Sendo às terras onde vivem os Cabecinhas;
      Cabeças são verdes, e ás mãos são azuis,
         E partiram ao mar num peneiro.

VI

E em vinte anos todos retornaram salvos,
   Em vinte anos ou mais,
E cada um lhes fala: "Quão alto tornaram!"
Sendo foram aos lagos, e à zona tortuosa,
   E as colinas Nascidas da Lua;
Beberam então à saúde, deram-lhes festa
De bolinhos feitos de levedura bela;
E todos falam: "Se nós apenas vivemos,
Nós também partiremos ao mar num peneiro,
 Nessas colinas Nascidas da Lua!
      Além de tão poucos, estão bem longe e são poucos,
         São terras onde vivem os Cabecinhas;
         Cabeças são verdes, e às mãos azuis,
         E foram ao mar num peneiro.
 EDWARD LEAR
TRAD. ERIC PONTY

segunda-feira, abril 09, 2018

AO TOQUE DA ORAÇÃO - MIGUEL DE UNAMUNO - TRAD. ERIC PONTY

E Campainhas do passado que não passa,
Lhe dais língua de bronze, peregrino,
Que uma vida descanso aqui, em minha casa,
Os ouço me chamais; de meu caminho.

Retorno à vista ao céu donde incendeia,
Destas nuvens o sol ali adivinho,
O que antes de ser fui, quando minha massa
Era parte deste ígneo torvelino.

Ao findar-se oração nada fez sombra,
Ao seu irmão de aliado, os receios,
E com à luz morrem, morre o cego brio.

Desta cega batalha e na alfombra,
De Deus se abrem as flores destes céus,
De que caem à esperança qual rocio.

MIGUEL DE UNAMUNO
TRAD. ERIC PONTY



SONETO - MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA - TRAD. ERIC PONTY

Pois vens que não me hão dado algum soneto
Que se ilustre este livro de abertura,
Vim há vós, pluma, meu mal podado,
E fazer-lhe, algo careça de discreto.

Se é haveis se escuse o temerário aperto,
De andar convosco de outra encruzilhada,
Mendigando alambazas, desculpada,
Fatiga e impertinente, eu os prometo.

Todo soneto e rima ali se achega,
E adorna-os de umbrais sejam dos bons,
Ao que adulação sejam ruim casta.

E dai-me há vós que desta viagem tenha
Do sal com um pãozinho pelo menos,
Lhes marcando por vendível, bastou.

MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA
TRAD. ERIC PONTY


SOR JUANA INÉS DE LA CRUZ - TRAD. ERIC PONTY


Do que nunca suficientemente alardeava, harmónica Fénix do indiano Parnaso, A madre Juana Inés de la Cruz, religiosa professa do convento de São Jerónimo.


Que importa no pastor sacro, que à chama
De teu obrar negar queira desta vitória,
Se, quando mais apaga tanta glória,
Mesma luz às recordações da chama.

E se de cada marmo mundana clama
De seus brasões indelével história,
Por que sirva de letra a tua memória
O que de pedra ao templo de tua fama?

Que da sagrada cifra, que venera,
O discurso nas pedras, comedido,
E na duração eterna persevera.

Isenta-lhe livre do escuro olvido,
Alardear-te porás, do culto ribeiro,
Que só ti lhe constróis este sentido.


SOR JUANA INÉS DE LA CRUZ
TRAD. ERIC PONTY

SOBRE À PAZ - John Keats - TRAD. ERIC PONTY

Ô Paz! Com tua presença bendizes moradas,
Da Ilha rodeada de guerra, apaziguando
No plácido semblante nossa última angústia,
Fazendo que sorria este triple reinado?

Convocar tua presença júbilo, e convoco
Aos doces irmãos que te esperam; completa
Meu gozo: que não fale prima esperança,
Que seja tua favorita à ninfa dos montes.

À liberdade de Europa proclama destino,
Inglaterra. Ô Europa! Não olhem tiranos
Deves cobiçar-te teu anterior estado.

Das cadeias rubras, gritas tua liberdade;
Das normas teus reis, sujeita influente.
Passado horror invadirás tua sina!

N: Keats celebra à Paz de Paris de 1814

John Keats
TRAD. ERIC PONTY