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domingo, fevereiro 11, 2018

De Atlas - Jorge Luis Borges - TRAD. Eric Ponty

O totem

Plotino de Alexandria, conta Porfirio, se negou a fazer-se retratar, alegando que ele era somente a sombra de seu protótipo platónico e que o retrato seria sombra duma sombra. Séculos despois Pascal redescobriria esse argumento contra a arte da pintura. A imagem que vemos aqui é a fotografia do fac-símile dum ídolo do Canadá; é dizer, é a sombra da sombra duma sombra. Seu original, chamemo-lo assim, se ergue, alto e sem culto, detrás da última das três estações do Retiro. Se trata dum regalo oficial do governo do Canadá. A esse país não lhe importa ser representado por essa imagem bárbara. Um governo sul americano não se atreveria ao abuso de regalar uma imagem duma divindade anónima e tosca.
Sabemos destas coisas sem constrangimento nossa imaginação se compasse com a ideia dum totem no desterro, dum totem que obscuramente exige mitologias, tribos, encantações e acaso sacrifícios. Nada o sabemos de seu culto; razão de mais para sondá-lo no crepúsculo duvidoso.

 Jorge  Luis Borges


O Lobo

Furtivo e gris na penumbra última
Vai deixando seus rastros na margem
Deste rio sem nome que há saciado
A sede de sua garganta e cujas aguas
Não repetem estrelas. Esta noite,
O lobo é uma sombra que está só
E que busca da fêmea e sente frio.
É último lobo de Inglaterra.
Odím e Thor o sabem. Na sua alta
Casa de pedra um rei houve decidido
Acabar com os lobos. Já forjado
Havendo sido o forte ferro de tua morte.
Lobo sadio, há engendrado em vão.
Não basta ser cruel. És o último.
Mil anos passaram e um homem velho
Te sonhará na América. De nada
Pode servir-te esse futuro sonho.
Hoje te cercam os homens que seguiram
Pela selva os rastros que deixaste,
Furtivo e gris nessa penumbra última.
Jorge  Luis Borges
TRAD. ERIC PONTY

De Atlas - Jorge Luis Borges - TRAD. ERIC PONTY

A deusa gálica
Quando Roma chegou a estas terras últimas e ao seu mar d´aguas doces indefinido e sendo interminável, quando César e Roma, esses deuses claros e altos nomes, chegaram, a deusa de madeira queimada já estavam aqui. A chamariam Diana o Minerva, de maneira indiferente dos impérios que não são missionários e que preferem reconhecer e anexar as divindades vencidas. Antes ocuparia seu lugar numa hierarquia precisa e seria a filha dum deus e a mãe de outro e a vinculariam aos dons da primavera ao horror da guerra. Agora a cobiça se exibe dessa curiosa coisa, dum punhado. Nos chegando sem mitologia, sem a palavra que foi sua, porém com o olvidado clamor de gerações hoje sepultadas. É uma coisa direita e sagrada que nossa ociosa imaginação possa enriquecer irresponsavelmente. Não oraremos nunca as pregarias de seus adoradores, não saberíamos nunca os ritos.
Jorge  Luis Borges
César


Aqui, o que deixaram os punhais.
Aqui essa pobre coisa, um homem morto,
Que se chamava César. Lhe hão aberto,
Chagas na carne os metais.
Aqui a atroz, aqui a destemida
A máquina usada fazer a glória,
A escrever e executar a história
E que para se goze pleno da vida.
Aqui também outro, daquele prudente
O imperador que se recusou lauréis,
Que comandou batalhas e navios
E foi horror e foi inveja da gente.
Aqui também o outro, o sucessor
Cuja grande sombra será a orbe inteira.

Jorge  Luis Borges

TRAD. ERIC PONTY

sábado, fevereiro 10, 2018

Torquato Tasso - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Descrive la bellezza de la sua donna e il principio del suo amore, il quale fu ne la sua prima giovinezza.

Era da idade de meu alegre abril,
Por anseio d´alma ainda menina,
Me indagava qual bela despertava,
De aprazer em aprazer do gracejo.

Quando me olha dona mui parecidos,
Nem a tua voz é cândida qual de anjinhos,
Ali não mostraram ser quase já eleita,
Mostrar-se por dar meu formoso estilo.

Maravilha nova! Está meu verso e eu,
Circundava teu nome altera pluma,
Um por outro, eu ando retorna a prova.

Esta foi daquela o qual dei suave luz,
Lamentar só  o cantar de me servir,
Eu primo ardor espargir doce olvido.

Segue la medesima descrizione.

Tua ampla fronte crespa douro luzente,
Sumo encrespar lindos olhos de raios,
Ao terreno alega de florido maio,
Junho haver outro limite ardente.

Nem branco seno Amor carinhoso,
Estilhaçava não ouso agir ultraje,
E aura de falar cortês sensato,
Entre rosa aspirar odor tão amiúde.

Eu que forma celeste em terra vista,
Prendo luz digo: “Ali qual é aloucada,
Olhar nem ela se encara tão audaz.

Mas de outro perigo não me escapa,
Que me fui por orelha cerne ferido,
Chamo andar onde não chego e volto.

Dimostra come l’amore acceso in lui da l’aspetto de la sua donna fusse accresciuto dal suo canto.

Endereço já suave vago aspecto,
Quebro gelo onde armou desdém da cerne,
E deste vestígio antigo ardor,
Conheça dentro deste cambiante peito.

E de nutrir-me o mal preso da dileta,
Com isca tão doce dum suave do erro,
Esforçava num lisonjeiro amor,
Nem belos olhos albergados eleitos.

Quando eis novo canto cerne golpeia,
Espírito nem fogo e mais ardente,
Fez-se flama tão plácida e tranquila.

Nem crescer mais nem cintilar vinte,
Coisa vi jamais faz-se comovido,
Incêndio crescido nesta fagulha.

Dice d’aver veduta la sua donna su le rive de la Brenta e descrive poeticamente i miracoli che facea la sua bellezza

Sobre todas outras, amo estimo,
As Flores colhidas vi eu desta margem,
Mas não tanto outra eu agarro louro,
Quanto fez da erva branco não se abre.

Hesitava espalhar-se crina douro,
Amor mil e mil ligas se tramavam,
Aura desde falar doce do conforto,
Era do fogo de os olhos apagavam.

Firme curso rio puro qual incerto,
Espelho daquela cabeleira loura,
Desta igual e de que tua doce luz.

Parei em dizer; ”A tua bela imagem,
Se pura não digna só rio grande,
Ilumine dona plácidas ondas”
TRAD. ERIC PONTY

Dante Alighieri - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Dante da Maiano a diversi rimatori.

Provendo-me sábio, da visão,
Arbítrio não trai vera sentença,
E digo duma dona bela facção
De meu coração medir mui agência.

Minha fé duma guirlanda doação,
Verde, frondosa bela recepção,
Aproveito meu trovar por vestígio
Camisa teu cume minha partida.

Destinai tant´ amigo,privilegio,
Docemente grandeza abraçar,
Não desacordo desprezar belo.

Coisa desprezando mui em beijar,
Coisa desprezando mui em beijar,
Qual já não digo minha fé julga
E morta minha mãe era como ela. 

Dante Alighieri a Dante da Maiano.

Salva julgamento vossa razão,
Que homem que prega salvar saber,
Porque vitando haver vossa questão,
Com teu respondo palavra ornar.

Desejo fértil arado ao fim se pôr,
Gesto de valor se faz obediente,
Imagina vossa amiga de opinião
Significasse um dom antes contasse.

A vestimenta rica vera esperança,
Que fia dela qual almejado amor,
Não prover vosso espírito bondoso.

Digo pensando nessa tua ocasião,
Figura que já morta sobrevir,
Na firmeza haverá no coração.

Dante da Maiano a Dante Alighieri

Vou qualquer sítio, amigo, teu manto,
A ciência falar tal não é jogo,
Sem que, por nem saber-me, d’ira toco,
Aludir-lhe, satisfazer tanto.

Sacia-te bem (Se vou conosco enquanto)
há de saber ver sou homem d’um pouco,
Nem por via maga parto nem volco,
Quase parente mago em cisco canto.

Põe  vontade saber minha de coragem,
Vez que olhei rosto intrigados há quem,
Forem qual por mago vosso falar:

Certos foram consciência do torpor,
Não é amado, se ele é teu amador,
A Cor vulto dor reza-lhe paraíso.

Dante da Maiano a Dante Alighieri

Não entendendo de amigo vosso nome,
Donde se movendo com medir fala,
Conosco bem ciência grande nome,
Se quanto saber ninguém por murmura.

Se pôr bem o conhecer que dum homem,
Ocasiona se há seno bem que murmura,
Acender, pois, vou saudar lhe por nome,
É forte língua minha disto falando.

Amigo é (certo sondar este amado,
Por amor conforta) saco bem que ama
Não és amado maiores ébrias portas.

Tal dor tem sob tua varinha ardida,
Todo outro inicio nenhum chamou,
Disto vem quanta da pena amor porta.

Dante da Maiano a Dante Alighieri

Lapso sorte fez meu destino serra,
É agradecer bem não sabendo como,
Por mim já sábio convergir-me como
É vosso saber cada questão serra.

Da sorte que mui gente disse se erra,
Tal fugir quem amo não há quanto,
Próprio se desejo saber  é sorte,
Disto amiúde digo, havendo serra.

Porém rogo argumentar sensato,
Autoridade mostrando isto porta,
Vou impressionar este já clara.

E logo parece falar disto claro,
Qual já explicou sorte pena porta,
Propor, amigo prova ajuizado.

Dante da Maiano a Dante Alighieri.

Amor fez sinceramente amar,
E si distrito em teu desejo feito,
Só um ora não poderia partir-se,
Do Coração de meu de pensar aflito.

D’Ovidio sorte filh´ incontável prova,
Que dizer por mal d´Amor em curar,
sorte ver-se não vale mais mentir,
Porque só me rendo mercê chamar.

E bem conosco tudo verdadeiro,
Que inverso Amor não vale força arte,
Engenho nem a lenda que homem se trova.

Nunca que mereça ser que do enfermo,
E bem servir coisa como é parte,
Provado d´ amigo sábio aprovar.

Dante Alighieri a Dante da Maiano.

Sabes cortesia engenho e da arte,
Nobilizar beleza o rigor,
Fortaleza humilde larga essência,
Proeza excelência vinda salvar.

Esta graça e ventura em uma parte,
Aprazer amo conseguir amor,
Uma já bem já feita de valor,
Inverso dele cada um não parte.

Onde se voos amigo ti valia,
Ventura natural e do acidente,
Leal aprazer amor deveria.

Não constatar de tua graciosa obra,
Nula coisa que encontro de potente,
Querendo prender ti com tua peleja.

TRAD. ERIC PONTY

Michelangiolo Buonarroti - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

III

Grato e feliz, dos ferozes males,
Ostentam e vencem foi concebido,
Ou laço, ao peito vou banhar frequente,
Contra minha cobiça, só quando vale.

E se danoso suprimir a fecha,
Signo do meu cerne não foi mais junto,
Saber golpear vingança si mesmo,
Do belo olhar, e fiar todos mortais.

Quantos laços até mesmo quanta redes,
Vaga passarinho por maligna sorte,
Mora mui anos a morrer infeliz.

Tal de mim, dona, Amor, como verás,
Á dar-me nesta época cruel morte,
Sem base meu grão tempo como vejo.

IV

Quanto si goza alegre bem contesta,
Da flor sopra crina doiro guirlanda,
Que um outro prévio há um outro manda
Como se primo vai beijar julgar.

Contenta tudo em torno aquela vesta,
Que cerra peito põe da que si expanda,
E que com fios douro si convida,
Guanche ajusta sonhar não abandonar.

Mas mais de alegre tira que goza,
Doirada ponta com si faz caráter,
Que pressiona e toca peito se liga.

A sincera cintura que se amarra,
Meu igual enxuto que corrente sempre,
Ou que fazeis coroa dos meus braços?

VI

Senhor, vero é dalgum dito antigo,
Isto é bem que pode, mas não queres,
Tu dás ao crédito ao valor tua palavra,
E premiado de ver o teu inimigo.

Eu sendo e fui teu bom servo antigo,
Que a ti são dados como raios sol,
E do meu tempo não aumenta esmola,
E homens gostam mais que fatigados.

Esperava ascender há tua altura,
E gosto peso da potente espada,
Agita precisão não há voz do eco.

Mas céu que certa virtude despreza,
Localiza mundo, se dá que outro vá,
Ao prender fruto da árvore tão seca.

X

Se faz de elmos cálices e espadas,
E sangue de Cristo se vende gamelo,
Cruz de espinhos sejam um lance a roda,
Pureza Cristo paciência cai.

Mas não chegue mais nesta província,
Que nem André sangue seu está estrela,
Depois que Roma vendeste tua pele,
Eis cada bem fechado nesta estrada.

Se haveria querer perder Tesauro,
Por isto que se obra minha partida,
Pode que nem manto Medusa em Mauro.

Mas se alto céu pobreza estimada,
Qual fia de nosso estado grão restauro,
Se outro signo apaga há outra vida?

23


Eu que fui já muitos anos mil voltas,
Ferido e morto não ganho exausto,
De ti minha culpa, de início branco,
Repreendê-lo tua promessa tola.

Quantas vezes ligada e quantas soltas,
Triste membro, sim incitando lado,
Apenas posso retornar meio anco,
Banhando peito com muitas das lágrimas.

Ti dolorido Amor, com triste fala,
Solta teu poder, que necessidade,
Pega arco cruel, tirou-lhe voto?

Lenho incinerado serra angústia,
Dentro dum correndo é grão da vergonha,
Perdeu firme cada destreza gesto.

34

A vida de meu amor não é imo meu,
Que amor de que ti amo sem coração,
Onde a coisa mortal, plena de erros,
Ser não posso, mas nem lhe pensei mau.

Amor nem repartir alma de Deus,
Me fez santo Olho tua luz esplendor,
Nem pode vê-lo naquilo que moras,
De ti por nosso mal, meu grão desejo.

Como do fogo caldo, elas dividem,
Não posso belo eterno cada estima,
Que exaltar, onde ela vem, mas semelha.

E por dentro meu olho tudo paraíso,
Por retornar onde alma fez primeva,
Recorro ardendo sob os teus cílios.

17

Cruel, amargo, impiedoso imo,
Vestido de doçura e de amar pleno
Tua fé ao tempo nasceu, e dura menos,
Ao doce vernal não faz todas flores.

Movendo tempo e repartir-se horas,
Ao viver nosso péssimo veneno;
Como foice e não seja como feno
. . . . . . . . . . . . . . 8

A fé sendo curta e graça não dura,
Mas de par seco par que se consuma,
Como pecado de querer de meu dano.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sempre de nós fará com todos anos.

42

Fala-me da graça, Amor, se olhos tem,
Chegando ver dela beleza aspiro,
Se eu olho dentro quando me miro.
Vejo esculpido rosto que faz desta.

Tu hás de saber que tu vens com ela,
Tira minha paz onde eu me provoco,
Nem quero pequeno mínimo suspiro.
Nem meus ardentes fogos pedidos.

Beleza que tu vês é bem daquela,
Mas crescendo melhor que um local sal,
Se por que olhos mortais d´alma que corre.

Ali se faz divina honesta e bela,
Como igual duma tal coisa imortal
Nesta não aquela que olhos teus percorre.
TRAD. ERIC PONTY

Luis de Góngora y Argote - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

A Juan Rufo, de sua “Áustria”

Cantastes Rufo, já, tão heroicamente,
Daquele César, novo augusta história,
Que está duvidosa entre os dois glória,
E a qual se devas dar nenhum assento.

E assim Fama, que hoje de gente em gente,
Quer que dos dois a igual da memória,
Do tempo e do olvido haja duma vitória,
Uniu do louro a cada qual à frente.

Deveis com grande razão ser igualados,
Pois fostes cada qual único em sua arte,
Ele só em armas, vós em nas letras só.

E ao fim ambos igualmente ajudados,
Ele à espada do sangramento de Marte,
Vós desta lira do teu sagrado Apolo.

A Córdova

Ô excelso muro, Ô torres consumadas,
Da honra da majestade, da galhardia!
Ô grande rio, grande rei Andaluzia,
De areias nobres, já que não doiradas.

Ô fértil canto, Ô serras levantadas,
Que privilegia o céu e doira teu dia!
Ô da sempre gloriosa pátria minha,
Já tanto de plumas quanto destas espadas.

Se entre aquelas ruinas teu despojo,
Que enriquece Genil e Dauro banha,
Tua memória não foi alimento meu.

Nunca mereçam de meu ausente olhar,
Ver teu muro tuas torres teu rio,
Teu canto e serra, pátria, flor da espada!

Duma enfermidade de Dom Antônio de pazos, bispo de Córdova

Deste mais que a neve, branco touro,
Robusta honra que deste gado meu,
E destas aves dois, que ao novo dia,
Saúdam de havê-lo com o doce choro.

A ti ele mais rubro, Deus do alto coro,
Tuas estranhas faço oferenda pia,
Sobre este fogo, que vencido envia,
Teu fumo de âmbar e tua chama douro.

Porque a tanta saúde foi restituída,
O nosso sacro e douto pastor rico,
Que dum dos que ao nascer que estão em vão.

Já que das três coroas já neste unido
Ao menos do maioral do Tajo, e sejam
A Planta abrigo, arminhos a pelica.

Do Márquez de Santa Cruz

Não em bronzes, caducam, mortal mão,
Ô católico Sol dos gananciosos,
(que já entre gloriosos capitães
És a deidade armada, Marte Humano.)

Esculpirão maduros, senão vãos,
Quando descobrir queira tua fadiga,
E as bem que reportadas bandeiras,
Do Turco, do Inglês, deste Lusitano. 

Em um mar de tuas velas coroado,
Teus remos ao outro escarnecido,
Tábuas serão coisas já tão estranhas.

Da imortalidade ele não cansado,
Pincel os logre, sejam tuas rojadas
D´Alma do tempo, d´espada do olvido.

A Don Luís de Vargas

Teu (cujo ilustre dentre um outro muro,
De imperial cidade, pátrio edifício,
Ao Tajo olha em teu húmido exercício,
Pintar os campos e doirar vos a areia).

Marginaliza aquele Lauro boa hora,
Aqueles dois (já mudas de ofício),
Relíquias doces do gentil Salício,
Heroica lira, pastoral aveia.

Chegadas, Ô claríssimo mancebo,
Ao douto peito, da tua suave boca,
Punindo lei ao mar, do freio aos ventos.

Sucedeu todo castelhano Febo,
(Agora és glória muita terra pouca),
Na pátria, em profissão, em instrumentos.

Na morte de duas senhoras monjas irmãs naturais de Córdoba

Sobre as urnas de cristal tão lavradas
De vidro em pedestais tão sustentadas
Chorando estão ninfas já sem vidas,
O Betis em tuas húmidas moradas.

Tanta tua formosura Dele amá-las
Que ao que as demais ninfas doloridas,
Se mostram de teu terno fim sentidas,
Ele derramado lágrimas de cansadas.

- Almas – lhes disse – vosso voo santo,
Seguir penso até estes sacros ninhos,
Do bem se goza sem tremer contrário.

Que vista esta beleza em meu grão canto,
Pelo céu nós seremos convertidos,
Que de gémeas vós outras, já em Aquário.
TRAD. ERIC PONTY

LOPE DA VEGA E CARPIO - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

I

Versos Amor, conceitos esparzidos,
Argilosos da alma em meus cuidados,
Partos dos meus sentidos abrasados,
Com mais dor e liberdade nascidos.

Expostos este mundo em de que perdidos,
De tão rasgados audíveis trocados,
Que só donde fostes e já argilosos,
Estiveram por sangue conhecidos.

Pois do que furtais labirinto a Creta
Ao Dédalo dos altos pensamentos,
Á fúria do mar, as chamas do abismo.

Se aquele réptil formoso não aceita,
Deixas à terra, entretida aos teus ventos,
Que descansais em vosso centro mesmo. 

II

Quando imagino meus breves dias
Aos muitos que Amor tirano me deve,
E em meu cabelo antecipar a neve,
Mais que os anos, que tristeza minha.

Veio com suas falsas alegrias,
Veneno que em cristal à razão se bebe,
Por quem este apetite que se atreve,
Vestida de minhas doces fantasias.

Que ervas do olvido há dado para o gosto,
Á razão sem saber deste teu ofício,
Queres contra à razão satisfazer? 

Mas consolar-te pode meu desgosto,
Que és o remédio há quem eu me indico
É remédio de Amor queres vencer.

III

Cleópatra e Antônio ardoroso vinho,
Duas pérolas, quis dar maior grandeza,
Que por se mostrar forma natureza, 
De instrumento de Amor tão divino.

Por honrar seu amoroso desatino,
Que foi mostro no Amor, como beleza,
A primeira bebeu, de cuja riqueza,
Honrar pudera à urbe deste menino.

Mas não querendo a segunda Antônio,
Que já Cleópatra desfazer queria,
De dois milagres, reservou o segundo.

Ficou a pérola solta em testemunho,
Que não teve igual, até aquele dia,
Bela Lucinda que nasceste ao mundo.

IV

Era da alegre véspera do dia,
Que há sem igual que nasceu nesta terra,
Do cárcere mortal e de humana guerra,
Á Pátria de tão celestial saia.

E era idade que mais viva ardia,
o novo sangue em meu peito encerra,
(Quando do conselho e razão desterra,
A vaidade do que apetite guia).

Quando o Amor me ensaiou primeira vez,
De Luciana em seu sol os olhos belos,
Me abraçando como teu raio fora.

Doce prisão e do doce arder por eles,
Sem dúvida seu fogo foi minha esfera,
Que com ver-me morrer descanso deles.

V

Serviu Jacob os sete largos anos,
Breves, sem fim que aspereza fora,
A Lia que gozava, e Raquel espera,
Outros sete, chorando desenganos.

Assim guardam palavras os estranhos,
Porém efeito vive considera,
Que poderá gozar antes que morra,
E que tiveram fim os teus danos.

Aí daquela alma padecer disposta,
Que espera Raquel em tua outra vida,
E tendo em Lia para sempre esta.  

VI

Ao sepulcro de Amor, que contra fio,
Tempo fez Artemisa viver claro,
A torre belíssima que de Faro,
Um tempo destas naves luz e asilo.

Ao templo Efésio famoso estilo,
Colosso do sol, único tão raro,
Ao muro de Semíramis reparo,
E das altas Pirâmides do Nilo.

Enfim destes milagres inauditos,
A de Júpiter Olímpica ao templo,
Pirâmides, Colosso, Mausoléu.

E quantos hoje do mundo tem escritos,
A fama venceu de minha fé o exemplo,
Que é maior impressão que meu amor só.

VII

Isto que saúda são destas das fontes,
Os montes destes, estão na ribeira,
Onde vi do meu sol desta primeira,
Os belos olhos, desta serena frente.

Este é o rio humilde a corrente,
E está a quarta e verde primavera,
Que esmalta alegre campo e reverbera
No doirado Toro sol tão de ardente.

Árvores, já mudas tua fé constante,
Mas, do grande desvario, do plano,
Então monte o deixe sem qualquer dúvida.

Logo não será justo que se espante,
Que mude parecer ao peito humano,
E passando do tempo monte muda.

TRAD. ERIC PONTY

quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Caderno de Nova York - José Hierro - PRELÚDIO - TRAD. ERIC PONTY

PRELÚDIO
Depois de mil, de milhões de anos,
Muito despois,
De que os dinossauros se extinguiram,
Chegava a este lugar
O acompanhavam outros como ele,
Erguidos como ele
(Como ele, provavelmente, algo com receios).
A partir de onomatopeias,
De monossílabos, gruídos,
Desenvolveu um sistema de sequências sonoras.
Poderia assim memorizar sucessos do passado,
De articular em suas adivinhações,
Pois o presente —ele o intuía— não começa nem finaliza
Em si mesmo, senão que é ponto de interseção
Entre o sucedido e o pelo suceder,
Chamado entre a madeira e a cinza.

Os sons domesticados nos diziam
Muito mais do que diziam
(Originavam círculos concêntricos
—como a pedra arrojada à agua—
Que se multiplicavam, se expandiam,
Se atenuavam até regressar a lisura e o sossego):
E todos percebiam sua essência misteriosa
Que não sabiam decifrar.

Com reverencia temerosa
Escutavam mensagens tão incompreensíveis
Como os da chama, a onda, o trono
(Talvez com a mesma inquietude com que escutamos ao doutor
Que diagnostica nosso mal
Utilizando tecnicismos nunca ouvidos,
De maneira que não sabemos
Se —impassível e professional—
É nossa morte o que anuncia
O é sendo à vida).

Nada se compreendeu então suas palavras.
Por isso andam, agora, as palavras,
Passando por entre ventos,
Ávidas de que alguém as recolhas
Séculos despois de pronunciadas.

E aqui estão aguardando que alguém as escute,
Aqui onde confluem Broadway e a Sétima Avenida.

Foi aqui onde ele me avistou,
Onde narrou a crónica
Deste instante em que estou evocam-no.
Aqui, entre anúncios luminosos,
Na cidade de Nova York.
TRAD.ERIC PONTY

Juan Gelman - 2 POEMAS - TRAD. ERIC PONTY

MADRUGADA

Jogos do céu molham a madrugada da cidade violenta.
Ela respira conosco.
Somos os que incendiamos o amor para que esse dure,
Para que sobreviva a toda solidão.
Temos queimado o medo, temos olhado de frente a frente a dor
Antes de merecer esta esperança.
Temos aberto as janelas para dar-lhe mil rostos.

AS FÁBRICAS DO AMOR

I
E construí teu rosto.
Com adivinhações do amor, construí em teu rosto
Nos longínquos pátios da infância.
Alvanéu com vingança,
Eu me ocultei do mundo para falar tua imagem,
Para dar-lhe a voz,
Para pôr doçura em tua saliva.
Quantas vezes temi
Apenas se acobertar pela luz do verão
Enquanto te descrevia por meu sangue.
Pura minha,
Está feita de quantas estações
E tua graça descende como quantos crepúsculos.
Quantas de minhas jornadas inventarão tuas mãos.
Que infinito de beijos contra a solidão
Fundi teus passos no pó.
Eu te oficializei, te recitei pelos os caminhos,
Escrevi todos teus nomes ao fundo de minha sombra,
Lhe falei dum lugar em meu leito,
Te amei, estrela invisível, noite a noite.
Assim fui que os que cantaram os silêncios.
Anos e anos trabalhei para fazer-te
Antes de ouvir um só som de tua alma.
TRAD.ERIC PONTY

Insônia - Dámaso Alonso - TRAD. ERIC PONTY

Madrid é uma cidade de mais de um milhão de cadáveres (segundo as últimas estadísticas).
Às vezes na noite eu me remexo e me incorporo neste ninho no que faz 45 anos que me apodreço,
E passo largas horas ouvindo gemer do furacão, o ladrar dos cachorros, o fluir brandamente à luz da lua.
E passo largas horas gemendo como o furacão, ladrando como um cão enfurecido, fluindo como o leite do úbere quente duma grande vaca amarela.
E passo largas horas perguntando à Deus, perguntando por que se apodrece lentamente em minha alma,
Por quê se apodrecem mais dum milhão de cadáveres nesta cidade de Madrid.
Por quê mil milhões de cadáveres se apodrecem lentamente no mundo.
Diga-me, em que horto quer abonar com nossa podridão?
Temendo que se te sigam os grandes rosais do dia,
As tristes açucenas letais de tuas noites?
TRAD. ERIC PONTY

Miguel de Cervantes Saavedra - Sobre enamorar-se - TRAD. ERIC PONTY

A casa dos céus e selvas de Ousadia
Terceira jornada
REINALDOS:
Que não quer aparecer,
Ô bem, por mim mal perdido?
Havendo visto, pastor, acaso,
Por entre esta espessura,
Um milagre de formosura
Por quem eu mil mortes passo?
Haja visto uns olhos belos
Que duas estrelas assemelham,
E um dos cabelos que deixam,
Por serem ouro, serem cabelos?
Havendo visto, a dita, duma frente
Como de espaçoso ribeiro,
E uma fileira outra fileira
Das ricas perolas de Oriente?
Diz-me si haja visto uma boca
Que respira odor sabei-o,
E uns lábios por quem creio
Que o fino coral se apouca.
De si havendo visto uma garganta
Que seja coluna deste céu,
E dum branco peito de yelo,
Do seu fogo Amor se quebra;
E umas mãos que são fechas
Em torno do marfim branco,
Dum composto que é branco
Do Amor desponta suas flechas.

CORINTO:
Tendo, pelo dito, senhor,
Umbigo que se aqueça quimera,
Os pés de barro, como era
Á daquele rei Dom Senhor?
Porque, ao dizer-te verdade,
Não hei visto nestas montanhas
Coisas tão ricas e estranhas
E de tanta qualidade
E sendo mui fácil coisa,
Se elas por aqui vissem,
Por invisíveis fossem
Vê-las em minha vista curiosa.
Que dum espaçoso ribeiro,
Duas estrelas e um tesouro
De cabelos, que são doiro,
Onde esconder-se poderia?
E ao sabe-lo odor que falas,
Não me levará atrás de si?
Porque em minha vida senti
Catarro em meus narizes.
Mas, enfim, dizer-te quero
O que hei falado, não sendo terceiro.

REINALDOS:
Que são? Me diga.

CORINTO:
Três pés dum porco
E umas das mãos de carneiro.

REINALDOS:
Ô Que de puta, velhaco!;
Pois, com Reinaldos de enganas?

CORINTO:
Das minhas doações se enganas
Sempre de tais prêmios que retiro.
TRAD.ERIC PONTY

François de Malherbe - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

CXXIII - POUR MONSEIGNEUR LE CARDINAL DE RICHELIEU 

As pessoas, que são incensos; pessoas, que das vítimas,
Deste grande Cardeal, grande Chefe de Obra ambos,
Quem tem apenas glória, não sejas ambição,
Fazer morrer na insolência destes teus crimes.

Com que lhes é servidor desvelo magnitude,
Ou são espíritos lavram, fazem velar olhos,
Que enganam ao conluio de nosso sedicioso,
Que se sujeitam tua fúria legítimas mãos?

O mérito de um homem, ou sábio, ou guerreiro,
Encontrar  recompensa nos chapéus dos louros,
Cuja vaidade grego atribuiu teus exemplos.

O eu, atrevo a dizer, é tão alta de tão alta,
É como nosso Deus sem lugares nos templos,
Tudo podes fazer a ele é menor não deves.

cv - A MONSIEUR DE LA MORELLE, SUR LA PASTORALE DE L'AMOUR CONTRAIRE

Se um podes adquirir a plumas desta glória,
De uns mais belos espíritos que é do universo,
Quero abandonar-vos, julgo filhas-memória,
Na graça que se diz teus  amorosos versos:

E parece que neles há vistosa história,
Da travessia de  amor acasos mais diversos,
Dum discurso perfeito à todos fazem crer,
Que é prosa é nada na perda dos belos versos.

Quando eles guardam verem o assunto encantado,
Doutamente retrata, de tão dignamente,
Sem dúvida eles vão dizer-vos, qual eu penso.

Que por favorecer homens e dos seus deuses,
E purgar ignorantes tudo que viste ambos,
Ele faças na união por meio tua eloquência.

AO MONSEIGNEUR PAI DO REI

Musas, quando findar esta longa remessa,
Para satisfazer Gaston, a notar sobre ele?
O desvelo do qual se tem glória dos outros,
Que podeis ser melhor servidor bela dama?

E neste desgraçado século um se engane,
Qualquer um lhe ofereça algo para seu tédio,
Miserável novena, onde irá ser o apoio,
Se ele não apertar mão, há quem nem favoreceu.

Creio bem o medo ousar mais que não se deve,
E, das dificuldades de obreiro arrogante,
Remover vos desejo que a força lhe deste.

Mas tanto belo objeto a cada dia acrescido,
Já que idade tão jovem que coleção espanta,
Como irás fornecer quando tiver vinte anos?

LXXIX - POUR LE MARQUIS DE LA VIEUVILLE

É verdade, Vieuville, e quem quer que lhes negue,
Condene impunimente o bom gosto meu rei;
Nosso dever altares com sincera fé,
Cuja vossa destreza disputa a mania.

Desvelo laborioso teu tão livre gênio,
Que fora da razão não sagaz ponto a lei,
Pondo fim as desgraças que atraiu após si,
Duma profusão nossa terrível mania.

Todos com que as virtudes restam desejar,
Estes que graça espírito deseja honrar,
E quem eternidade tua musa lhes imprima.

Eu bem que no desígnio que minha alma forma,
Mas eu sou generoso, e tenho desta máxima,
Que ele não deve ser prezado não se é amado.

LXXVIII - Ao Rei - Soneto -

E que de valor nulo dum outro segundo,
E que só tão fatal como de nossas curas,
Dê coragem parede verde da sessão,
Nossa ilhota consiga à paz terra sobre onda.

Que hidra da França fez-se em revoltas fecundas,
Nós sermos todos da morte não há mais da poção,
Certa felicidade que justa razão,
Promete da tua fronte da coroa do mundo.

Mas que em tão belos fatos me quer testemunho,
Reconheça meu Rei que este é auge desvelo,
Que de tua obrigação, tenhas chaves destinos.

Todos sabeis louvar, mas não tão igualmente,
Obras comuns que vivem perto de alguns anos;
Isto que de Malherbe escreveu sejas eterno.

XXX - Soneto -

Beleza, da qual graça surpresa natura,
Equivocasse, pois cedi a injuria da sorte,
Eu ao abandonar-vos, tão longe de seu porto,
Em partir com vontades dos ventos jornada.

Eu neste tédio grande ao qual me faz sofrer,
É a única razão que me impediu da morte,
E dúvidas que eu tinha fazem último ânimo,
Não sendo mal-empregado um imo duro. 

Calista, estás a pensar? O que a fez acanhada?
Irá resolver para não ater o desprezo,
Quem da minha paciência indigna se demonstra.

Mas, ô de meu erro estranho qual se faz inova;
Eu lhes desejo doce, e, no entanto, confesso,
De quem eu devas minha saúde à crueldade.

XXVIII - soneto -

Nada és tão belo como Calista é luxuosa,
É uma obra à natureza onde fez todo esforço,
E a nossa idade é ingrata olhar tantos tesouros,
Senão se eleves glória meu ferrete eterno.

A limpidez tua tez não é coisa mortal;
Que do bálsamo é tua boca, e a rosa irreal;
Tua palavra e tua voz ressuscitam  os mortos,
E, a arte não se semelha doçura natura.

Brancura em tua garganta deslumbra os olhares,
Que são o amor em teus olhos, embebeu tuas setas,
Sendo feito ao perceber , um visível milagre.

Nesta cifra infinita de graças e encantos,
O que quer dizer, minha razão? Crida ao crível,
Havido julgamento e adorá-la passar-vos?

Ao Rei Henri, O Grande

O meu Rei, se é um, bem para as futuras coisas,
Que na Escola de Apolo aprendeu-se à verdade,
Que ordem maravilhosa grandes aventuras,
Tua ida se satisfaças no louro porvir.

Aos que jovens leões vão juntar a sua presa!
Que quer margem de Tage de agouro batalhas,
E que desejou Oriente mantido em teu império,
Por querer reconstruir as muralhas de Tróia.

Irão ser desgraçados em somente um ponto;
É que se à tua coragem com fortuna unida,
Fáceis desconfiar de um e de um outro hemisfério.

À tua glória é tão grande na boca de todos,
Que sempre irá ser dito não poderás ao menos,
Que eles já se declarem à honra ser vencidos.

A MADAME LA PRINCESSE DOUAIRIÈRE 
CHARLOTTE DE LA TRIMOUILLE


O que, grande Princesa de adorada terra,
E que mesmo que céu é cingido a lhe admirar,
Vós resolveste a ver-nos nosso conviver,
Em uma obscuridade eternal duração.

A Flama de vosso olho onde coração chispa,
É da rara virtude não dás nada optar,
Assim, não nos cansei de nosso desespero,
A driblar vontade dela que és desejada?

Vosso ser lugar, onde há sempre verdes campos.
Por que nunca tiveram, mas invernos cálidos,
Pareçam que aparência possui quaisquer méritos.

Mas, assim, fez da causa: De que nossas lágrimas.
São sendo fazer caso tão pequena coisa.
Há quem cada instante dá causa de mil flores?

XCII - Sobre a morte de seus filhos

Que meus filhos perderam teus restos mortais,
Um filho foi bravura que eu amei mais forte,
Eu nem imputei ponto da injúria da sorte,
Pois que ao findar um homem é coisa natural.

E mais que dois velhacos, surpresa infiel,
Ter terminado dias duma trágica morte,
Nessa minha dor não tem um lugar conforto,
Todos meus sentimentos estão acordo ela.

Ô meu Deus, Salvador, pois que para razão,
A desordem do meu coração faz sem cura,
O véu dessa vingança este véu é legítimo.

Fizesse que do tom prova eu seja avigorado,
Tua justiça conviva, e, aos autores do crime,
São filhos do carrasco tem crucificado.
TRAD. ERIC PONTY
POETA,TRADUTOR,LIBRETISTA ERIC PONTY

quarta-feira, fevereiro 07, 2018

MIGUEL DE UNAMUNO - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

AO TOQUE DA ORAÇÃO

Campainhas do passado que não passam,
Lhe dais língua de bronze, peregrino,
Que uma vida descanso aqui, em minha casa,
Os ouço me chamais; de meu caminho.

Volto a vista ao céu onde incendeia,
Destas nuvens sol ali adivinha,
Antes de ser fui, quando minha massa
Era parte deste ígneo torvelino.

Findar-se oração nada fez sombra,
Ao seu irmão de aliado, dos receios,
Com à luz morrem, morre o cego brio.

Desta cega batalha e na verdura,
De Deus se abrem as flores dos céus,
De que caiu à esperança qual relva.

TODA À VIDA

A manhã deste florido de maio,
Abriu-se as asas úmidas de sonho,
E do nascente sol ao tíbio raio
Ao ar se entregou. E sobre o risonho.

Faz do natal arroio filho o ensaio,
Primeiro de suas asas. Do empenho
Toma já, retorno. Breve desmaio
Apoiando filho pétala tranças.

Dum afunilar. Se empenhou à derrota,
Desta efêmera vida em louco brilho,
Desses voos faltos de intenção alguma.

Para morrer, sem conhecer à noite,
Abatida por pedra dum menino,
Das nativas d´agua em uma cama.

NIHIL NOVUM SUB SOLE

Coloca tua mão, há que disse, sobre meu ombro,
E avança atrás de minha pois fenda se estreita;
Por entre ruinas caminhamos, o escombro,
E pisando do qual foi castelo cuja flecha.

Penetrava nas pardas nuvens eram assombro,
Dos caminhantes. Que avigora nos observa
Desta rubra torre aquela nem alguém chama
Por medo de atrair nossa. De ti que se desenha.

As das vãs ilusões; dum futuro marchamos,
Que foi usado já pelos outros; não me atrevo,
Com engano a guiar tua vida; tropeçamos.

Com passado ao avançar, tudo se renova;
Os brotos e dos secos são os mesmos ramos,
Hão de havido já, nada havendo de novo.
TRAD. ERIC PONTY

Sóror Juana Inés de la Cruz - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Estes versos leitor meu,
Que a teu deleite consagro
E só têm de bons
Conhecer já que são maus.
Nem os disputar quero
Nem quero recomendá-los
Porque isso fora querer
Haver deles muito caso.

Não agradecido te busco:
Pois não deves, bem olhado
Estimar o que já nunca
Julgue que fora a tuas mãos.

Em tua liberdade te ponho,
Se quereis censurá-los
Pois de que ao cabo te estás
Nela, estou muito ao cabo.
Não há coisa mais livre que
O entendimento humano
Pois o que Deus não violenta
Porque hei eu já de violenta-lo?

De quanto quereis deles,
Que quando mais inumano
Me mordeis então
Não ficas mais obrigado
Pois se deves a minha Musa
O mais amadurecido plantão
(que és o murmurar) segundo
Um adágio cortezão
E sempre te sirvo, pois
O te agrado, o não te agrado; Si
Se te agrado, ti divertes,
Murmuras, se não quadro.

Bem pudera já dizer-te
Por desculpa, que não hei dado
Lugar para corrigi-los
Á pressa dos transladados;
Que vão em diversas letras
E que algumas, dos homens
Matam a sorte do sentido
Que é cadáver do vocábulo
E que, quando hei feito
Há sido em curto espaço
Que feriram o ócio
Pressões do meu estado;
Que tenho pouca saúde
E contínuos embaraços,
Tais, que um dizendo isto,
Levo a pluma trotando.

Porém todo isso não serve
Pois pensarás que me jacto
De que serás foram bons
De havê-los feito despacho
E não quero que tais crias
Senão só que e ao dar-vos
Na luz, tão só por
Obedecer dum mandato.

Isto é, se gosta de crê-los,
Que sobre isso me mato,
Pois ao fim farás os cascos.
E adeus que isto não é mais de
Dar-te a mostra do pano:
Se não te agrada a peça
Não devolverás o fardo.

Em que satisfaz com receio à retorica do canto

Esta tarde, meu bem, quando te falava,
Como em teu rosto de tuas ações via,
Que com palavras não te persuadia,
Que o coração me vezes desejava;

E Amor, meus intentos ajudava,
Venceu o impossível parecia,
Pois entre o canto, que dor se vertia,
Do coração desfeito destilava.

Baste já de rigores, meu bem, baste,
Não te atormentem mais dos céus tiranos,
Nem vil receio tua calma contraste.

Com sombras néscias, com indícios vãos,
Pois já em líquido humor viste e tocaste
Meu coração defeito dentre tuas mãos.

Ao Teu retrato

Este que vês, engano colorido,
Que desta arte ostentando seus primores,
Com falsos silogismos destas cores,
És cauteloso engano do sentido.

Este, em que de lisonja há pretendido,
Excursar destes anos dos horrores,
E vencendo do tempo dos rigores
Triunfar desta velhice e deste olvido.

És um vão do artifício do cuidado,
És uma flor que ao vento delicada,
És um resguardo inútil para é dado.

És uma néscia diligência errada,
És um afã caduco, bem olhado,
És cadáver, és pó, é sombra, és nada.

Quem contém uma fantasia contenta com amor decente

Distinta, sombra do meu bem esquivo,
Imagem do feitiço que mais quero,
Bela ilusão por quem alegre morro,
Doce feição por quem penosa vivo.

Se ao ímã de tuas graças, atrativo,
Serviu meu peito obediente deste aço,
Para que me enamoras lisonjeiro,
Se hás de burlar-me já fugitivo?

Mas ostentar não podes, satisfeito,
De que triunfa de mim tua tirania;
Que ao que deixas iluso o laço estreito.

Que tua forma fantástica uniria,
Pouco importa burlar braços e peitos
Se te lavra prisão minha ilusão.

Prossegue o mesmo assunto e determina que prevaleça a razão contra o gosto

Ao ingrato que me deixa, busco amante;
Ao que amante me segue, deixo ingrata;
Constante adoro há quem meu amor maltrata;
Maltrato há quem meu amor busca constante.

Ao que trato de amor, falo diamante,
E sou diamante ao que do amor me trata;
Triunfante quero ver ao que me mata,
E mato ao que me quer ser tão triunfante.

Se há este pago, sofre meu desejo;
Se rogo aquele, meu decoro enojo:
De ambos modos infeliz eu me vejo.

Porém já, por o melhor partido escolho,
De quem não quero, ser violento emprego,
Que de quem não me quer, vil me despojo.

Ensina como um só emprego em amar é razão convivência

Fabio: Não ser de todos adoradas,
São todas as beldades ambiciosas,
Porque tem de se arar por ser ociosas
Se não as vem destas vítimas tão findas.

E assim, se de um só são seres amadas,
Que vivem da Fortuna querelante,
Porque pensam que mais que ser formosas
Constitui-se deidade ser rogadas.

Mas já sou em aquisição tão medida,
Vendo há muitos, meu zelo desvanecido
E só quero ser tão correspondida.

Daquele de meu amor atenção cobra;
Porque é o sal do gosto ao ser querida:
Que dana ao que se falta e ao se que sobra.

De amor, posto antes sujeito indigno, é emenda alardear arrependimento

Quando do meu erro e tua vileza veio,
Comtemplo, Silvio, de meu amor errado,
Qual grave és a malícia do pecado,
Qual violenta à força deste desejo.

À minha memória apenas eu creio
Que pudesse caber aqui meu cuidado
Á última linha do depreciado,
Ao término final de um mal emprego.

Já bem quisera, quando chego verte,
Vendo meu infame amor, poder negá-lo;
Mas logo a razão justa que me adverte.

Que só se remedia em me publicá-lo:
Porque do grande delito de querer-te
Só és bastante pena, confessá-lo.

Prossegue em seu pesar e diz que um não quisera aborrecer tão indigno sujeito, por não lhe ter assim acerca do coração

Silvio, já eu te aborreço, e um condeno
Ele que estes da sorte em meu sentido:
Que difama ao ferro ao escorpião ferido,
E há quem rastro, mancha imundo o barro.

És como do mortífero veneno,
Que dana há quem o verte inadvertido,
E no final, és tão mal e és tão pérfido
Que há um para aborrecido não és bom.

Teu aspecto vil é minha noção ofereço,
Ao que com susto me o contradiz
Por dar-me já da pena que mereço:

Pois quando considero o que me diz,
Não só a ti Carrera, que te aborreço,
Porém a mim pôr o tempo que te quis.

De uma reflexão dá pista com que mitiga a dor duma paixão

Com a angústia desta mortal ferida
Dum agravo de amor me lamentava
E por ver si na morte que me chegava,
Procurava que fosse mais crescida.

Toda no mal a da alma divertida
Pena por pena dor tua que somava
E em cada circunstância ponderava
Que sobravam mim mortes há uma vida.

E quando ao golpe de um e doutro tiro
Rendido o coração dava penoso,
Os Sinais de dar do último suspiro.

Não sei com destino prodigioso
Voltei em meu acordo e disse: Que me admiro?
Quem em amor há sido mais feliz?
TRAD. ERIC PONTY

MISSAS HEREGES - Pela alma de Don Quijote – 1908 - Evaristo Carriego – TRAD. ERIC PONTY


Com o mais repousado e humilde continente,
De contrição mui sincera, suave, discretamente,
Por não incorrer em enganos de engenhosos normais,
Sem deboches enjoados nem atitudes teatrais
De cómico rebelde, que, encenando na comparsa,
Ensaiando o canto trágico que chorará na farsa,
Dedico estes sermões, porque assim, porque quero,
Ao único, ao Supremo Famoso Cavaleiro,
Há quem eu peço que sempre me tenha de sua mão,
Ao santo dos Santos Don Alonso Quijano
Que agora está na Gloria, e na destra do Bom:
Seu dulcíssimo irmão Jesus O Nazareno,
Com as desilusões de suas cavaleiras
Renegando de todas nossas picardias.
Porém estou há temer que venha algum mentiroso
Com suas sátiras amáveis de enganador maldoso,
Ou com mordacidades de socorram daninho,
E se descubram, tão grave como ironicamente,
Da sandice de Sancho se chama ironia,
Que meu amor ao Mestre se converta em mania.
Porque assim vão as coisas, as mais simples crenças
Requerendo o visto bom e o favor da Ciência:
Se a ela não se acolhe não se prospera e, acaso,
Seu próprio nome se perde para tornar-se caso.
E não vale a pena (Não sendo um pretexto fútil
Com o qual se pretenda rechaçar algo útil)
De que se tome há sério o vago, o ilusório,
Os credos que não tenham odor ao sanatório.
As frases de anfiteatro, são estigmas e motes
São propícias às raças de Cristos e Quixotes
Não sendo mui os dignos de sofrer o desprezo,
Do aplauso tonante do abdômen do neceio
Nestes bravos tempos em que os hospitais
Da higiénica moda que dão soros doutorais
Sapientes catedráticos, até os dentistas práticos
Consagram infalíveis cenáculos e escolas
De graves professores, em cujos dicionários
Não hão de ler seus sonhos os pobres visionários
Dos dois grandes loucos se hei cansado a gente:
Assim, santo Mestre, eu hei visto ao reluzente
Pardo de teu escudeiro passar irrisoriamente,
Levando os despojos que houveste conquistado,
Em tanto que na bola, e que é nada reluzente,
Andando há um sem cavalo em teu triste Rocinante!
TRAD.ERIC PONTY

terça-feira, fevereiro 06, 2018

Gaspara Stampa - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

I

E Vós que escutais daquela triste rima
Daquele triste, aquele bruno acento
Flanco algum amoroso meu lamento
Ser minhas penas entre as outras primas.

Onde se fiam valentes e apreço, glória
Não que perdões, de meu lamento espero
Encontre-os dentre os foram bem-nascidos,
Depois que o reaprender é pois sublime.

E espero sejas a dizer umas delas.
– Felicíssima lei, qual se sustenta
É clara te causar danos sendo claro!

Abraço de tant'amor, de tanta dita
Vosso nobil. Senhor a mim não sendo;
Que eu não andei com tanta mulher lado?

II

Estava acerca ao dizer que Criador, 
d´aguas tuas poderia sobreviver,
Em forma humana foi a se demostrar,
Desde do ventre Virginal saindo antes.

Quando digno importante, minhas senhoras, 
Ao que após tantos lamentos dispersos, 
Podendo em lugar mais alto fincar,
Ao fazer-se ninho e abrigo de meu centro.

De rara alta ventura favor de cúmplice; 
Escorar sol que tarde meu credo digna 
Deste vosso, e, de todo o teu cuidado.

Desde aqui pensamentos e esperanças 
Olhar define a todos, cabem medida
Claro e filho, sol retorna se admira.

III

Caso do vulgar pastor gado e apático, 
O garfo férreo da fé eis que és poeta,
Ele, então, virtude é louvado meado,
De quase todos outros fama tolhe.

Que maravilha fia se alça e fracassa,
Basta vida escrever tanta piedade
Pode ser mais estudo, nosso planeta,
Meu verde, valioso e do outeiro alto?

De Cuja sagrada, honra e sombra fatal
Da minha dor, quase sofreu tempestade,
Cada estupidez, pouca altura clara.

Lugar baixo é que elevado, questão
Renova do silêncio, da veia ofusca,
Tanta virtude n´ alma imporá eu viva!

IV

Quando senhor entrou meu conceito todo,
Os Planetas em céu, todas às estrelas
Lhes der à graça, talentos daqueles
Pois que foi entre nós apenas perfeito.

De Saturno dessa altura do intelecto.
Júpiter a buscar coisas dignas e belas.
Marte fez certo ele aceso outro homem
Febos de ímpio estilo e astúcia que peito.

Vem e diz que beleza é legendária,
Eloquência Mercúrio; mas que a lua
A fé mais gelada que eu não veria.

Desta muita rara à graça toda a mim,
Á chama de apagar este meu fogo,   
E para relaxar-lhe meu descanso.

V

Eu assimilo, que meu senhor Céu,
Assimilando, Muitas vezes. O teu belo
Rosto e o sol. olhos e as estrelas,
E do som dos versos e a harmonia.

Dilúvios, chuvas, trovões, gelos sou eu,
Teu ser irritado, quando irar só,
Bondade e do sereno e, quando quiser.

A Primavera germinar florindo,
Quando ela florir na minha esperança
E pretendendo terminar este estado.

A ravina inverno e, então, quando mudar,
Ameaça novos pensamentos e quarto,
Despindo-me dessas mais ricas honras.

VI

Dum intelecto angélico divino,
Real natureza, real valor,
Um desejo tão vago de fama e honra
Dum falar sábio, grave e peregrino.

Um sangue ilustre, do alto rei perto,
Uma dita poucas guimbas, fase menor,
Justiçosa de verdadeira flor,
Dum ato honesto, sendo gentil e curvo.

Um rosto mais brilhante sol intenso,
Da Beleza e graça Amor reaplicado,
Nunca mais vistas ou ouvida humor.

Para correntes legaram a mim,
Os fãs dos honrados e doces  guerra,
Do mesmo como d´Amor tender sempre!

VII

Quem quer saber, mulheres, meu senhor,
O Senhor de jovem aspecto poucos anos,
que é tão antiquado deste intelecto,
Efígie desta glória e deste valor.

De cabelos loiros, e de vivas cores,
Duma Pessoa alta de espaçoso peito,
É finalmente dum homem perfeito,
Fora um pouco (não és tu!) Ímpios no amor.

Quem quer que, então, me conhecer,
Admirável, Senhora efeito semblante,
Imagem desta morte e deste martírio.

Um albergue de fé salda e constante,
Um, que, se eu chorasse, arda e suspiros.
Não se faz tão piedoso cruel amante.

VIII

São como coisas desprezeis e covardes,
Mulher, não posso tirar erguido foco,
Por isso não ti incluo, pelo menos, pouco,
Resgatá-lo do mundo e da veia estilo?

Se só Amor com novo, incomum, arqueiro
Ao tolo não me alçou este local, porque
Não podem nem com jogos já tão usados
Pena de morte e a pena em mim como esta?

Não for crível por força da natura,
Para um milagre, que de muitas vezes,
Vence penetra e quebra cada medida.

Como este é não posso dizer expresso,
Sinto-me tão bem minha grande ventura,
Sinto-me desta cor novo estilo impresso.
TRAD.ERIC PONTY

MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA - Soneto e Poema - Trad. Eric Ponty

SONETO

Pois vens que não me hão dado algum soneto
Que se ilustre este livro de abertura,
Vim há vós, pluma, minha mal podada,
E fazer-lhe, algo careça de discreto.

Haveis se escuse o temerário aperto,
De andar convosco de outra encruzilhada,
Mendigando alambazas, desculpada,
Fatiga e impertinente, eu os prometo.

Todo soneto e rima ali se achega,
E adorna-os de umbrais sejam dos bons,
Ao que adulação sejam ruim casta.

E dai-me há vós que essa viagem tenha
Do sal com um pãozinho pelo menos,
Lhes marcando por vendível, e basta.

I
Sereníssima Rainha, em quem se fala
O que Deus pode dar-nos a um ser humano;
O Amparo universal do ser cristão,
De quem a santa fama nunca cala;
Arma feliz, de cuja fina rede
Se viste o grão Felipe soberano,
Ínclito rei do grande solo hispânico,
Há quem fortuna e mundo se avassala.
Qual engenho podia aventurar-se
Apregoar do bem que estás me mostrando,
Se já no divino visse converter-se?
Que, em ser mortal, farás acovardar-se,
E assim lhe vai melhor sentir calando
Daquilo que és difícil de lhe dizer-se.

II

Aqui do valor da espanhola terra;
Aqui da flor dessa francesa gente;
Aqui quem concordou o diferente,
De oliva foi coroado aquela guerra,
Aqui, pequeno espaço, vem se encerra,
Desta nossa clara luz de ocidente,
Aqui parte enterrada da excelente
Causa que nosso bem todo desterra.
Olhe-me quem é mundo e sua pujança,
E de como, da mais alegre vida,
A morte leva sempre da vitória!
Também olha a bem-aventurança
Que goza nossa rainha esclarecida
Que neste eterno reino desta glória.

TRAD.ERIC PONTY




Julio Herrera y Reissig - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

As aranhas do augúrio

Eu sei em suas pupilas surgiram mistérios,
Dum bosque alucinado por uma lua exótica,
Eu sei entre suas sedas late uma fuga erótica,
Que sonhei em irreais e láteos hemisférios.

As minhas penas foram divina magia hipnótica,
Seus lábios incensários místicos saltérios,
E eu desejara sempre ter por cativeiros,
Seus braços, cabelos, sua nostalgia gótica.

Ô se pudesse falar! Sonhava neste dia,
Iludiu o palácio de minha melancolia,
Suas finas mãos ébrias de delirar harmônicas.

Doçuras dos seus parques, vagavam no piano,
Sonambulando e eram as brancas filarmônicas
Aranhas augurais dum mundo sobre humanos.

O Despertar

Alísia e Cloris abrem de par em par a porta,
E torpes com o dorso desta mão preguiçosa,
Restringindo-se aos húmidos olhos luz incerta
Por onde fogem os últimos sonhos da manhã.

A inocência do dia se é lavada na fonte,
Ao arado em sulco vagaroso desperta,
E em torno desta casa reitoral o sótão
Do cura se passeia gravemente na horta....

Tudo respira e ri. A placidez remota,
Da montanha sonha celestiais rotina,
Á sineta repete sempre a mesma nota.

De grilo das cândidas églogas matutinas,
Para na aurora obliquar agudas andorinhas,
Como fechas perdidas noturnas da derrota.

O Regresso

A terra ofereceu ósculo de cortesia paterna...
Pasta da besta erva miséria do caminho,
E montanha reluz ao tordo sol de inverno,
Como uma velha aldeã, seu veneno de linho.

Um céu bondoso e dum zéfiro que faz terno...
Pajem descansa cotovelo abaixo do pinho,
E densas as colmeias com passo paulatino,
Acodem nesta música sacerdotal corno.

Trazendo sobre ombro lenha para esta cena,
Ao pastor cuja ausência não dura mais que um dia
Caminha lentamente calmo rumo do casario.

Ao ver-lhe a família lhe dando boas vindas...
Enquanto cão em ímpeto de lentidão amena,
Descreveu fazendo círculos de alegria.

Almoço

Choveu... Trinca ao longe um sol convalescente,
Fazendo entre as pedras brotar um ser desprezível,
E ao som dos compactos silencia da torrente,
Com áspero sorriso palpitou a companhia.

Rugiu no precipício uma cabra pendente,
Um bezerro loiro baila entre os pedregulhos,
E ao céu campesino contempla ingenuamente
A Ruga pensativa que tem na montanha.

Sobre tronco hasteado dum abeto de neve,
Um instante que se amam Damócaris e Hebe,
Um com seu cajado reanima os fogos fátuos.

Outro distrai o ócio com plástica humildade...
E na mesma horta comem figos e morangos,
Manjares que dita sazonas em tuas rodilhas.

A Sesta

Não bateu mais que um único relógio: Campainhas,
Que contam sobre os ditosos tédios da aldeia,
E quais ao sol Janeiro acidamente chispe-a,
Com seu aspecto remoto de velho refratário...

A porta, sentado se dorme o boticário....
Na praça jacente a galinha faz cloc cloc,
Num tronco da oliveira arde em uma lareira
Junto ao qual o padre medita o breviário.

Tudo é paz nesta casa. Um céu feito sem rigores,
Bendisse trabalho que se repartiu os suores....
Mães, irmãs, tias, cantam lavando nas bicas.

As roupas que do Domingo sofreram campesinos....
E asno vagabundo que há entrado na vereda,
Fugindo, saltando coices cães vizinhos.

Velhice prematura

Esta noite, dum salto astro se põe,
Baixo do ódio, punço deste abrupto,
Fiz dum astro fugaz, em um rascunho
Daquele pseud. parêntesis evacuar.

As almas emolientes do arbusto verdes,
Dormidas ao largo deste terreno,
Amavam nas neves deste teu punho
O sangue deste histérico morder.

Houveram, com intimo prelúdio,
De Diana dos pulsos do repudio 
Ao oferecer-te com sua luz caduca.

Do minguante meu beijo te perdoas,
Ao fumo destas mortas ilusões
E fio a fio, subia por tua nuca.

O desamparo

Deste plumo da altura com o sujo,
Andrajo duma noite em malicias,
Não se presumiu do respeito afago
Deste eterno joguete senhoril.

Desdobrar virtualmente sobre lúcido,
“foulard” dos leites, que de tua infância,
Deparo-me com naufraga imperícia,
Do quadril, ao pé ao seu occipúcio.

E quando concretizar tuas energias,
No minuto audaz que destas porfias 
Assinaladas ao céu donde sobem.

A fé deste teu olhar tão nazareno,
O céu se assomou por uma nuvem
Com tanta ingenuidade dava-nos pena.

Alba Triste

Tudo foi assim. Preocupações lilás
Turbaram para ilusão da manhã,
E uma garça pueril sua absurda plana
Bate-paus nas ondas intranquilas.

Um estremecimento de sibilas,
Epilepsia dos instantes da janela,
Quando pronto um mito desajuizado
Rodeou na obscuridade minhas pupilas.

“Adeus, adeus” gritei-me até aos céus,
Ao gris sarcasmo de suas finas luvas,
Ascendeu com o roxo de meus zelos.

Wagner bradar ao ar duma corneta,
E da selva sentiu naquele instante,
Uma infinita colisão que fez completa.

Neurastenia

Urano ao bosque muge num rabugento,
E os ecos levando alguma recriminação,
Fazem rodar seu duro frágil coche,
E falam língua dum estranho Congo. 

Com sua expressão estúpida dum cedro
Cravado na ignorância desta noite,
Morreu a lua. O fumo faz um fantoche,
Dos pés do sátiro e chapéu do oblongo.

Ficar-te! Vou celebrar ti nesta missa
Abaixo azul genuflexão de Urano,
Adoçarei qual hóstia tua camisa.

Ô tuas botas as luvas, o vestido,
Tu, se expressarás sobre minha mão
A metempsicose deste astro menino.
TRAD.ERIC PONTY

PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Para às flores

Estas já que foram pompa e alegria
Despertando ao albor da manhã,
Á tarde serão uma lástima vã
Dormindo aos braços da noite fria.

Este matiz que ao céu desafia,
Iris listada de ouro, neve e grama
Será escarmento da vida humana:
Tanto se empreende ao terminar dum dia!

Eflorescer as rosas madrugaram,
Para envelhecer floresceram:
Cunho e sepulcro em botão falaram. 

Tais foram homens fortunas vieram:
Em um dia nasceram e aspiraram;
Que passados séculos as horas foram.

Há um altar em Santa Teresa

Há que vês em piedade, chama e voo,
Ara o solo, sol à queima, ao vento ave,
Argos de estrelas, imitada nave,
Nuvens vence, ar rompe toca ao céu.

Esta pois se cumpre nesse Carmelo
Mira fiel, mansa ocupa e ara grave,
Com admiração mostra suave,
Casto amor, justa fé, piedoso céu.

Ô militante igreja mais segura,
Pisar a terra, ar ardente, mar navega,
E há mais pilotos que seu governo fia.

Triunfa eterna, está firme, vive pura;
Que há no seu golfo que te vê te nega
Culpa infiel, torpe erro, cega heresia.

Crisântemo

Quem em humana sorte terás tido
Juntos tantos afetos desiguais?
Males pois não bastou haver sido males,
Senão males opostos haver sido?

Ao céu por se saber-se do pedido,
Dum trio Deus mistérios celestiais,
Morte ao pedido ao mirar-se, em tais
Penas, da beldade favorecido.

Pois como vida e morte meu desvelo
É possível céu de alguma vez peça,
Se é pedir juntos perdida e consolo?

Mais certo ao pedir-lhes não me impeça
Vida o morte, suposto que é do céu
Árbitro desta morte e desta vida.

Para o Mirto

Sem cuidado o cabelo, e tão incerta
Ao coração ao sangue redimida,
Tão desmaiada com ar de dormida,
Dormida e com ar de despertada.

Pouco certo ao viver, beldade certa,
Na alma sem obrar em si de escolhida,
Para poder matar como com vida,
E para senti-lo, como se morta.

Ao ver, ao ir se falar, disse advertindo:
Se formoso de ingrato é argumento,
Desmaiada, e esquiva terás se ouvido.

Logo em vão é dizê-lo que eu sinto,
Mal poderá senti-lo sem sentido,
Se algum com ele não tem sentimento.

Aurélio

Lício? Esta obstinação te porfia?
Mariposa solicita do dano
Morrer quer à luz do desengano?
Teus sóis culpa, obediência minha.

Que muito se confia de quem se fia,
Sabes que Lisis com o traidor engano
Memórias há de um ano outro ano
Nos olvidos nos sepultou em dum dia? 

Ô quando do avaro está dor contigo
Pois algum da queixa não se atreve dá-la,
De a mim, de Lisis, nem ti tampouco?

Que teu zeloso, ela mulher, eu amigo
Nos fala desculpados, pois nos fala
Ao meu fiel, a ela fácil, e a ti louco.

Do Pecador ferido

Se este sangue, por Deus, ser poderia
Que dá ferida aos olhos passara,
Antes de que a verteria que a chorara,
Fora eleição e não violência se fora.

Nem o interesse ao céu me moveria,
Nem do inferno o dano me obrigaria;
Só por ser quem é a derramara
Quando nem prêmio nem castigo houvera.

E se aqui Inferno e céu que me agonia,
Abertos viera, cuja pena ou cuja
Glória estivera em mim, se prevenia.

Ser vontade de Deus que me destruía,
O inferno me fora por ser da minha
Não se entrara-lá no céu sem ser tua.

del Rei

Ver estou meus impérios dilatados,
Minha majestade e, glória, e grandeza,
Em cuja variedade natureza
Perfeiçoou de espaços teus cuidados.

Fortalezas possam ser levantadas,
Minha valia há nascido da beleza,
A humildade de uns, de outros há riqueza,
O triunfo são arbítrios destas estrelas.

Para reger tão desigual, tão forte
Monstro de muitos colos, me concedam
Os céus de atenções das mais felizes.

Ciência me deem com que reger acerte,
Que é impossível que domar-se possam,
Com uma carga não mais tantas cervizes.

Formosura

Vendo minha beldade linda e pura;
Nem ao rei invejo, nem seus triunfos quero,
Pois mais império ilustre considero
Que é ele que minha beleza assegura.

Porque se ao rei subjugar-se procura
As vidas eu, as almas, logo infiro
Com causa que meu império é primeiro,
Pois reina na almas desta formosura.

O pequeno mundo a filosofia
Chamo ao homem; sem nele meu império fundo,
Como o céu lhe tem, como o solo.

Bem pode presumir a deusa minha
Ao que homem chamou de pequeno mundo,
Chamará tua mulher de pequeno céu.

A Noite

Estes rasgos de luz, estas centelhas,
Que cobram com âmagos superiores
Alimentos do Sol em resplendores
Àquilo vivem que se duelam delas.

Flores noturnas são: ao que tão belas,
Efêmeras padecem teus ardores,
Pois se um dia é século das flores,
Uma noite é a idade destas estrelas.

Desta, pois, primavera fugitiva,
E nosso mal, e nosso bem se infere;
Registro nosso, que morra sol o viva.

Que duração haverá que homem espere,
Que mudança haverá que não o receba
Do astro que à cada dia nasce e que morre?

Centauro

Apenas o inverno gelado e branco
Este monte com neves desvanece,
Quando desta primavera floresce,
Gelado que se viu, se olhou d´ufano.

Passa a primavera, passa o verão
Menosprezos do sol sofre e padece;
Chegou alegre o outono se enriquece
O monte de verdor, de fruta ao plano.   

Tudo vive está sujeito tua mudança:
Dum dia para outro dia dos enganos
Cumpre dum ano, este outro alcança.

Com esperança sofre desenganos
Um monte, que faltar-te a esperança
Ia se rendera ao peso destes anos.

Laura

Os campos de Madri, Isidoro santo,
Emulação divina são do céu,
Pois humildes os anjos são seu solo
Tanto celebraram e veneram tanto.

Os celestes labradores, enquanto 
são amorosa voz, com santo celso
Vos enviais angélico consolo
A Doce oração, fertilizou o canto.

Ditoso agricultor, em que se encerra
Na colheita de tão férteis despojos,
Que divino humano os deu de tributo.

Não recebeis o fruto desta terra,
Pois cozeis dos céus vossos olhos,
Semeando aqui tuas lágrimas, fruto.
TRAD. ERIC PONTY

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

JUAN BOSCÁN - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Para Duquesa

Há quem darei amorosos versos meus,
Que pretendem amor, com virtude junto,
Desejam também mostrar-se formosos,
A ti senhora, há quem isto tudo cabe,
A ti deem, por quanto que se carecem
Destas coisas que digo que pretendem
Em ti falaram lhes cumprimentar-vos
Recolhe-los com branda suavidade
Se vires que são brandos, e si não,
Recolhe-los como eles mereciam,
Depois eles te importunarem muito
Com chorar, porque assim souber faze-lo
Não te pareçam mal os tristes choros,
Pois são suas lágrimas com causa,
Não só grande razão que se consentem
Mas hão de ser doridas e choradas
Por todos os que virem donde caem
Eles partem esvaindo de minhas mãos
Pensar podiam viver onde queiram 
Porém segundo hão se oferecidos
E pouco corrigidos em seus vícios,
O perigo andará si em ti não falam
À maneira de viver sua oferta
Amparo por valer-se em teus erros,
Se passarem com honra, dais vida
E si não, não os pague o remédio,
Que tempo lhes dará com tua justiça
Que morram e que os cubra de terra
E da terra sejam de eterno olvido.

XXI – Soneto

Nunca de amor esteve tão contento,
Que em teu elogio meus versos ocupar-se,
Nem nada aconselhe-os que se enganei,
Buscando ao amor contentamento.

Isto sempre julgou meu entendimento,
Que deste mal todo homem a guardar-se,
E assim, porque esta lei se conservasse,
Folgar ser todos d´escarnecimento.

Ô vós outros andais trazeis os escritos,
Gostando de ler tormentos tão tristes,
Segundo que por amor são infinitos!

Meus versos são ditos Ô benditos, 
Os que de Deus tão grande merece haveis,
Que do poder de amor fostes quitados!

XXX – Soneto

As chagas que de amor, que são invisíveis,
Quero como visíveis que se apresentem,
Porque aqueles que humanamente sentem
Se espantem de acidentes tão terríveis.

Casos desta justiça mais horríveis,
Em público hão de ser porque castigados
Com tua torpeza, e de que se amedrontem
Até os teus corações invencíveis.

Eu trago aqui a história de meus males,
Donde ilustre de amor hão ter concorrido,
Tão fortes, que não sei como contá-las.

Eu só em tantas guerras fui ferido,
E são minhas feridas, dos sinais,
Tão feias, que hei em vergonha mostrá-las.

XXXI – Soneto

Mas enquanto mais eu disso me fujo,
Mais convencer mostrar minhas desventuras,
Que assim serão apagadas minhas loucuras,
Com à triste vergonha vós sentirei.

E cada vez que bem me arrependerei,
Grão logro levarei de minhas tristezas,
Desta cura saem de outras mil curas,
À mim para quem ver-me quem quiser.

Pelo largo caminho por do que forem
Todos verão meu triste monumento,
E verão de minha morte um grão letreiro.

Temendo ficaram em um momento,
Quantos dali que olharam e me leram,
Um modo de morrer que tão lastimoso.


XXXII – Soneto

Quem possui em si tão duro sentimento,
Que em ver meu mal, a volta não dê logo?
Quem tão louco será, o será tão cego,
Que os olhos não cerrem ao meu tormento.

Diante vã das penas que em mim sento,
Dando novas de meu desassossego,
E destas mãos levando do vivo fogo,
De ardendo está meu triste pensamento.

Os que trazem me verão, se pedirem,
Não sei como podem ser desculpados,
Mostram conscientemente se morrerem.

Dignos serão de ser ao campo achados,
Pela mão destas gentes que os viram,
Tão proposital morrer desesperados.  

XXXIII - Soneto

Há um bem não fui saído desta cama,
Nem da ama de leite fui eu deixado
Quando o amor me teve condenado
Ao ser dos seguiram a tua fortuna.

Deu-me logo misérias, duma a uma,
Por fazer meu costume em teu cuidado,
Depois em mim dum golpe há descartada,
Quando mal há debaixo que duma lua.

Na dor fui eu criado e fui eu nascido
Dando dum triste passo em outro amargo,
Tanto que si, há passos, é desta morte.

Ô, coração que sempre há de padecido,
Dê-me tão forte mal, como é tão largo?
E mal tão largo, diz, como é tão forte?

XXXIV – Soneto

Ao alto céu, que em teus movimentos,
Por diversas figuras discorrendo,
Em nosso sentir fraco está influindo
Os Diversos de contrários sentimentos.

E uma vez moveu brandos pensamentos,
Outra vez asperezas vão incendiando,
E é teu uso ao trairmos revolvendo
Agora com pesa agora contento.

Fixo está em mim nunca haver mudança,
De planeta nem, porém em eu sentido,
Clavado em meus tormentos, todavia. 

De ver outro hemisfério não hei esperança,
Assim donde uma vez me há anoitecido,
Ali me estou sem esperar o dia.

XXXV – Soneto

Só e pensativo de infértil desertos,
Meus passos dou cuidados e cansados,
Estorvados olhos trago levantados,
Ao ver não vejam alguém desconcerto.

Meus tormentos ali vêm tão certos,
Vão meus sentimentos tão carregados,
Que um dos campos me soltem ser pesados,
Porque todos não estão secos e mortos.

Se ouço falar acaso algum dum rico,
E a voz do pastor dá aos meus ouvidos,
Ali se me resolveu do meu cuidado.

E ficam espantados meus sentidos,
Como é ter sido não haver desesperado
Depois de tantos cantos doloridos?

XXXVI – Soneto

Quis amá-los senhora, de meu grado,
Com brancos sentimentos brandamente
E então eu me senti tão de acidente 
Com do qual não ficarei melhorado.

Deste amor não haveis vós contentado,
Porque sair os vistes mansamente,
Senão que, por mostrá-los mais valente,
Minha branda vontade haveis forçado.

Aborreço-me na mansa vassalagem,
E quiseste de usar de tua tirania,
Vosso reino estragado com ultraje.

Danais maldosamente a fé que é minha,
Assim os quis quebrar em homenagem,
E si agora pudesse o que eu o faria.

XXXVII – Soneto

Como sozinho do ar este cometa,
Ou algum outro sinal novo espantarmos,
E tanto seu temor faz ao avisarmos,
Que então cada um é grande profeta.

Assim mostra nosso bem clara e oculta,
Se a mim meus sentimentos quereis dar-nos
Não podemos, porém, muito alteramos,
Tão novo estás no bem nosso planeta.

Não sofrem minha dor nenhum estado,
De nenhum bem si não é mui pouco a pouco,
De outra arte penso ser sempre enganado.

Nunca creio ao prazer, ao que lhe toco,
E sim a vez tão mal, hei me assegurado,
Temo que tenham todos por um louco.

XXXVIII – Soneto

Quereis-me de vós, senhora, quando,
De vossas artes fui um ser tão ignorante
Que me cambava em ver vosso semelhante
Vosso ser pelo gesto imaginado.

Ficaste depois de desenganado
E viste que de vós me viste diante,
Que vosso uso e natura és culpada
Que vós já sobre vós não tenhais mando.

Assim que agora não há de que queixar-me,
Meu direito e minhas queixas hão parado,
Pois vós não tendes que já de pagar-me.

Não ei de ser eu de prudência tão minguado,
Que deste fogo, no qual fui queixar-me
Fiquei queixoso em vê-lo que há queimado.

XXXIX – Soneto

Não é tempo já de não ter temperança,
Se minha dor quisesse consenti-la,
Perdoou minha fatiga e ao senti-la,
Ao desgosto que do sofrer me alcança.

Mas ao amor me põe com tanta tua lança,
Que oxalá já pudesse não de sofre-la;  
Hajam de mim os homens já manchados,
Sequer porque sou eu em tua semelhança.

Caiu e levanto, espero e desconfio,
Não tenho de viver senão que sinto,
Já quando sou pareço desvario.

Se um pouco mais em meu penar porfio,
Em mim presto se acabarás o tormento,
Teu poder acabando com o meu.

XL – Soneto

Vi-me através em fortes penas dado,
Quase sem vida, e os demais perdido,
E então fui de prudência de tão caído
Que em tanto mal me vi estar descuidado.

Hei entendido depois tão mal estado,
Quando as gentes dele me hão advertido,
E si agora, aqui estou arrependido,
Não me contento, pois, tanto hei demorado.

Não demores entender logo do engano,
Porém, o miserável, não lhes queria,
Acabar de crer de tão forte dano.

Venceste ao fim verdade minha porfia,
E ficou confirmado o desengano,
Tomando nova volta n´ alma minha. 

XLI – Soneto

Deixa-me em paz, Ô duros pensamentos,
Basta-os do dano e a vergonha feita,
Se todo é passado de que se aprova,
Inventar sobre meus novos tormentos?

Natura em mim perdeu teus movimentos,
N´alma já dos pés da dor si enchida,
Tem por bem, nesta regra tão estreita,
A tantos casos, há tantos sofrimentos.

Amor, fortuna e morte que é presente,
Me levaram ao fim por tuas jornadas,
E minha conta devias ter me chegado.

Já quando acaso arrochar acidente,
Se volto ao rosto e olho minhas pisadas,
Temo em ver me por onde me hei passado.

XLII – Soneto

Eu vos conto já passos que vou dando,
Vendo bem as terras que eu me trespasso,
Se o peço em me dar um só do passo,
Quero sempre parar sempre que eu ando.

Trago este corpo que por força mando,
E com carga dele vou me tão ao passo,
E em pouca terra tanta da dor passo,
Que é quando ando a andar-me reparando.

Eu que farei que me parti com cuidado?
Mal volverá quem tanto mal me há feito,
Assim se é agora mal quando eu faz.

Ando comigo em tudo já tão penado,
Que em mim de nada fico satisfeito,
Porém de ver-me não me satisfaço.

XLIII – Soneto

Põe-me na vida mais brava importuna,
De pedir mim vezes a Deus mortalha,
Põe-me idade madurês, mas que trabalha,
Nos braços da ama ou em nesta cama.

Põe-me embaixo em próspera da fortuna,
Põe-me do sol ao trato humano encontra,
Ô à do por frio ao alto mar se imóvel,
No abismo de que encima desta lua. 

Põe-me dos nossos pés vivem as gentes,
O na terra ou em céu ou em que vento,
Põe-me dentre feras, posta entre dentes.

Da morte e do sangue é tudo o fundamento,
Onde queiras conservar sempre presente,
Os olhos por quem morro tão contento.

XLIV – Soneto

Quando será retorno a ver os olhos,
De donde amor me fez tanta da guerra
E possa estar olhando aquela terra,
Que me deixei com todos meus despojos?

Não posso, triste, mais com meus nojos,
Á cada passo o coração me cerra,
Ver tanto canto em meio e tanta serra,
Vivendo me arrancam desta abundância.

Ando mil vezes por tomar o meu voo,
E volver mal, sem esperar razão,
Haver por mais prudência esta loucura.

Porém logo levanto-me um tremor,
Conosco que me engana ao coração,
Estando estou por não estragar da cura.

TRAD.ERIC PONTY