À madame Desbordes-Valmore
O passarinheiro os poupa, e deixa
Tuas penas cresçam em teus ninhos!
Mas o pássaro que tua voz imita
Empresta-lhe teus grito e teus canto,
E quanto mais o vento norte agita
O ramo onde tua desgraça se abriga,
Mais tua alma grita!
O poeta é o mistério que reza:
O luthier que cria uma voz
Joga tua máquina no chão,
Esmaga-o a teus pés, estilhaça-o qual vidro
O trabalho cantante de teus dedos;
Depois, com a mão inspirada pela arte,
Reajustando esses fragmentos feridos,
Desperta o som que o admira,
E acha uma voz para tua lira
Mais sonora em teus detritos!...
Assim, o peito não tem murmúrios
Mas quebrado sob os pés do destino!
A alma canta nessa tortura,
E cada uma de tuas feridas
Dá-lhe um acorde mais sublime!
Na lira onde tua fronte se inclina
Que teus gritos ressoem!
O futuro do bardo é da tua vida,
E as lágrimas que a glória enxuga
São o único bálsamo pra tua dor!
Muitas vezes nos mares onde
A tempestade com asas de fogo,
Eu podia ver o mastro alto
sacudido pelo alvorecer vento,
E para quem a onda é um jogo!
Tuas velas abertas e cheias
Sugavam o sopro das ondas,
E tuas antenas vigorosas
Sacudiam sobre as planícies verdes
Teus conveses brunos de marujos.
A onda em vão na pedreira
Batem e trovejou em teus portos;
Ele a mandou de volta em pó,
Qual um corcel devolve perdida
A espuma branca de tua mordida!
Viva o feliz navio! A singrar nos mares,
Eu disse; em três saltos ele fugiu!
O vasto mar é teus impérios,
Teus horizonte é todo sorrisos,
E o universo está diante dele!
Mas com uma humilde vela na onda,
Se eu pudesse discernir a brancura,
Esquif que cada onda inunda,
O único lar do mundo que não afunda
O lar flutuante do pescador;
Quando à noite na onda marrom em flor,
Seguindo-a com coração e os olhos,
Eu me mordia à tua sorte qual morte
E rezava pra os ventos e a lua
Para defendê-lo do recife;
Sob velas cujas dobras esfarrapadas
a tempestade alargou!
Vi a frágil tripulação
Disputando teus mastro,
que ainda está flutuando
Aos golpes do vento e do rolo abarcando
De pé, o pai da família
A lavrar as ondas divididas;
O filho manobrava, e a filha
Costurava com tua agulha
A vela ou as redes gastas.
Crianças, abaixadas na lareira,
Sopravam as cinzas da alvorada,
E já a chama azulada do azul céus
Alegrava o casal brincalhão
Com a esperança de um banquete frugal.
Encostado no mastro vacilante,
E beijados por tua mão,
A mãe os cobriu com tua asa,
E suspendeu de teus peitos
O mais novo em teus pescoço.
Eles têm, eu disse, em vida
Apenas esta tenda e estes tesouros;
Estas três tábuas são tua pátria,
E esta terra em vão acarinhada
Os repele de todas as tuas margens!
Em vão palácios e sombras
Este imenso golfo é coroado.
Tudo o que têm pra segurar a costa
É o anel, roído pela tempestade,
De algum cais maltratado!
Tua fortuna e tua alegria
Do que os refrãos de teus versos,
A sombra que a vela espalha,
A brisa que Deus lhes envia,
E o que caindo das redes!
Este pobre barco, ó Valmore,
É a imagem de teus destinos.
A onda, alvorada em madrugada,
Como ela ainda o agita
Em um oceano incerto!
Vós constrói teus ninho de barro
Somente sob o teto do passageiro,
E, como o pássaro sem asilo,
Vós colhe de cidade em cidade
Migalhas de pão do estrangeiro.
Tua voz ensina a tristeza
Melodias festivas pra teus filhos,
Pra que, amaciados por tua fraqueza!
Alphonse de Lamartine - - Trad. Eric Ponty
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