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terça-feira, fevereiro 13, 2018

De Atlas - Jorge Luis Borges - TRAD. ERIC PONTY


Istambul

Cartago é o exemplo mais evidente duma cultura caluniada, nada podemos saber dela, nada pode-se saber de Flaubert, senão o que referem seus inimigos, que foram implacáveis. Não sendo impossível que algo parecido ocorra com a Turquia. Pensamos em um país de crueldade; essa noção data das Cruzadas, que foram as empresas mais cruéis que se registra na história e a menos denunciada de todas. Pensamos no ódio cristão acaso não inferior ao ódio, igualmente fanático, do Islam. No Ocidente lhe há faltado um grande nome turco aos otomanos. O único que nos hei chegado é o de Suleimán o Magnífico (e só em parte vide os Saladino).

Que posso eu saber da Turquia ao fim de três dias? Hei visto uma cidade esplêndida, o Bósforo, O Corno doiro e a entrada ao Mar Negro, em cujas margens se descobriram pedras rúnicas. Hei escutado um idioma agradável, que me sonha a dum alemão mais suave. Por aqui caminharam os fantasmas de muitas e diversas nações; prefiro pensar que os escandinavos formavam a segurança do imperador de Bizâncio, aos que se uniram aos salões que existiram da Inglaterra despois da jornada de Hastings. É inundável que devemos retornar a Turquia para empregar ao que se descobrira.

Jorge Luis Borges

Os Dons

Lhes foi dada a música invisível
Que é dom do tempo e que no tempo cessa;
Lhes foi dada a trágica beleza,
Lhe foi dado o amor, coisa terrível.

Lhe foi dado saber que entre as belas
Mulheres da terra só há uma;
Posso uma tarde descobrir a lua
E com a lua a álgebra de estrelas.

Lhes foi dada a infâmia. Docilmente
Estudou-se os delitos da espada,
A ruina de Cartago,
Semelhante batalha do Oriente e do Poente

Lhe foi dado à linguagem, essa mentira,
Lhe foi dada a carne, que é argila,
Lhe foi dado o obsceno pesadelo
E no cristal do outro, ele que nos observa.

Dos livros que o tempo há acumulado
Lhe foram concedidas dumas folhas;
De Elia, uns contados paradoxos
Que o desgaste do tempo não há comido.

O erguido do sangue do amor humano
(A imagem é dum grego) lhe foi dada
Por aquele cujo nome é duma espada
E que dita as letras das mãos.

Outras das coisas lhes deram aos seus nomes:
O cubo, a pirâmide, a esfera,
Á inumerável areia, a madeira
E um corpo a andar entre os homens.
Fui digno do sabor de cada dia;
Tal é tua história, que é também da minha.
Jorge Luis Borges
TRAD. ERIC PONTY

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